quinta-feira, 26 de março de 2020

JORNAIS COMO FONTE DE PESQUISA PARA HISTÓRIA LOCAL

Os periódicos podem ser utilizados como objeto e fonte de pesquisa para a História. Eu, particularmente, utilizo periódicos desde que comecei a pesquisar História Regional, em 1994. Eles se tornaram uma fonte que eu aprecio e valorizo muito e um recurso inestimável, tanto no que diz respeito ao estudo da História Local, quanto de outros campos da história. 

Nesta postagem eu pretendo falar um pouco sobre esta experiência e tentar dar algumas sugestões para quem tem interesse em estudar história regional, mas encontra dificuldades em conseguir acesso a fontes.

Mas o que são exatamente os periódicos?

As publicações periódicas são aquelas publicadas em intervalos de tempo regulares, que podem abordar um assunto específico ou vários assuntos. Elas podem ser publicadas em papel ou em meio digital. Sua periodicidade pode variar. Eles podem ser semanais, quinzenais, mensais, semestrais, anuais, etc. O número de publicações vai variar de caso para caso. Podemos citar como publicações periódicas os jornais, as revista informativas, revistas científicas e as revistas em quadrinhos.

Os periódicos podem ser utilizados como fontes de pesquisa não apenas para a História, mas para outras disciplinas. Mas seu uso deve ser realizado a partir de critérios bem definidos. É preciso ter em mente que cada estudo deve partir de uma hipótese, que para confirmar esta hipótese devem ser estabelecidos objetivos e questões precisão ser respondidas. É preciso criar uma base metodológica para que o resultado do estudo possa contribuir de alguma forma para a construção do conhecimento legítimo.

Não podemos nos limitar a utilizar apenas uma fonte de pesquisa. Isso porque toda fonte possuí alguma limitação. Por isso é aconselhável e necessário que as fontes documentais sejam respaldadas por uma boa bibliografia e uma teoria que permitam construir os alicerces da pesquisa. 

Há algum tempo atrás os jornais e as revistas populares tinham sua importância como fonte questionada, uma vez que geralmente seguiam as tendências ideologias e políticas de quem as produzia. Ou seja, tinham um discurso que partia de um ponto de vista em particular. Atualmente, considera-se que a análise do discurso é uma das formas de se entender como, por exemplo, os diversos segmentos sociais se posicionavam em dado contexto histórico.

Ou seja, o jornal ou a revista se tornaram fontes importantes justamente por sua subjetividade, por trazerem as representações da realidade de pontos de vista particulares. Assim, tudo aquilo que a humanidade produziu, a sua cultura material, é fonte para estudos variados. Algumas fontes podem trazer para o pesquisador muitas informações relevantes acerca de determinado tema. Outras, mais do que informações, trazem problemas, questionamento.

Qual delas em minha opinião é a melhor?

- Aquela que me faz questionar e buscar soluções para os problemas que ela me propõe.

Desta forma, se os periódicos estão carregados de discursos e representam o ponto de vista de determinados grupos. Ele estimula o pesquisador a buscar outros pontos de vista, a identificar representações, a buscar a melhor teoria para embasar suas hipóteses.  Além disso, o periódico, muitas vezes, é a única fonte disponível para o historiador, notadamente aquele que se dedica a pesquisas em história local, uma vez que muitos pequenos municípios não possuem arquivos organizados e a documentação oficial, quando existe, nem sempre está disponível para pesquisa.

Assim, para quem deseja pesquisar história local, os jornais são uma ótima fonte de pesquisa. A princípio porque normalmente pode-se obter mais de um título de jornal e, desta forma, ter acesso a mais de um tipo de informação e/ou discurso.  Por exemplo, eu hipoteticamente quero entender o impacto da lei áurea na minha cidade. Tenho disponível um jornal de 1888, publicado por um grupo de advogados abolicionistas. 

No entanto, me interessa analisar não apenas um ponto de vista. Para isso, posso recorrer a outro periódico, do mesmo período, que represente o ponto de vista daqueles que se consideravam lesados pela lei da abolição. Caso não exista, nos arquivos que eu tenho disponíveis para consulta este material, uma alternativa é buscar nos jornais de cidades vizinhas informações sobre o assunto.  Levantados estes dados, posso fazer um cruzamento com fontes bibliográficas sobre abolição da escravidão e, então, terei material para compor uma parte da história local ou regional partindo do micro para o macro.

As pesquisas realizadas a partir dos jornais criam ainda a possibilidade de se escrever uma história do cotidiano, A história das pessoas comuns e dos obstáculos e mesmo alegrias do seu dia a dia. Este tipo de história é importante para a criação de uma identidade coletiva regional e reforça o sentimento de pertencimento de quem vive numa dada localidade.

Por exemplo, determinada matéria do jornal fala sobre os problemas ocasionados pelas chuvas em meados o século XIX. A partir desta matéria podemos encontrar dados que ajudem a entender mais sobre a questão urbana e os desafios enfrentados pela população. Estes dados podem ser cruzados, por exemplo, com as posturas municipais vigentes no período. 

Posturas municipais são as leis criadas para regulamentar a vida nos municípios. Do saneamento, construções, funcionamento dos cemitérios e até circulação de pessoas, as posturas estabelecem o que é permitido ou não em um município como forma de manter a ordem local. No caso de Minas Gerais estas leis, as mais antigas, podem se encontradas digitalizadas para consulta ou mesmo download no site do CEDPLAR – UFMG, que possuí uma coleção das leis de Minas Gerais de 1842 a 1888. Os sites das prefeituras também costumam disponibilizar suas posturas que estão em vigor.

Outra fonte para pesquisa que pode ajudar muito quem quer estudar história local por meio de jornais são as hemerotecas. Hemerotecas são coleções de periódicos, que fazem parte de arquivos, bibliotecas ou centros de documentação.  Foram criadas para guarda e conservação desta documentação e, também, para garantir acesso à informação. Atualmente temos a possibilidade de utilizar as hemerotecas digitais, o que permite, por exemplo, que uma pessoa que more numa cidade do interior tenha acesso aos centros de documentação de grandes capitais brasileiras ou mesmo estrangeiras.

Uma das maiores hemerotecas que temos no Brasil é a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, que possui uma coleção enorme de periódicos, inclusive de cidades do interior do Brasil. Nem todas as coleções estão completas, mas os bancos de dados estão constantemente sendo atualizados com novos títulos. Além disso, o sistema de busca permite que o pesquisador encontre em jornais de outras cidades ou mesmo estados, matérias referentes à sua cidade ou mesmo de personalidades que nela viveram.

Além disso, demos ainda a bibliografia referente à história local que pode e deve ser usada para dar maior embasamento à pesquisa. Desta bibliografia faz parte livros e revistas que trazem a história da cidade ou município, assim como biografias e memórias. Este material geralmente pode ser encontrado nas bibliotecas municipais.

Outro recurso são textos publicados em revistas científicas ou em anais de congressos, geralmente disponíveis na internet. Uma ferramenta que permite ter acesso a este material, a partir de palavras-chave é o “Google Acadêmico” ou “Google Scholar”, uma ferramenta de pesquisa do Google que permite pesquisar em trabalhos acadêmicos, literatura escolar, jornais de universidades e artigos variados. Além disso, há uma quantidade enorme de sites que disponibilizam livros digitalizados de autores renomados em formato pdf. 

Desta forma, sem nem mesmo sair de casa, temos como trabalhar com bancos de dados de jornais, utilizar documentos oficiais (legislações) para complementar ou cruzar dados, nos apoiar em material bibliográfico sobre a história geral e regional e, a partir daí, produzir um bom material historiográfico que pode enriquecer tanto o ensino de história quanto a própria memória regional.

SUGESTÃO DE BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, Agnaldo de Sousa. A propósito de um Estatuto para a História Local e Regional: algumas reflexões, XII Semana de História da UNESP/Franca,1998.  disponível em <http://www.franca.unesp.br/PROPOSITO_REGIONAL.pdf>, acesso em  26 mai. 2009.

BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 103-124, p. 149-174. Disponível em: < http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/navegacoes/article/download/11085/7610>. Acesso em 22 mar. 2020.

BORRAT, H. El periódico, actor político. Analisis 12, Barcelona, 1989, p. 67-80. Disponível em: <https://ddd.uab.cat/pub/analisi/02112175n12/02112175n12p67.pdf>. Acesso em 20 de mar. 2020

GERHARDT, Tatiana Engel, SILVEIRA, Denise Tolfo (ORG). Métodos de pesquisa. Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS, Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. Disponível em: < http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf>. Acesso em 22 mar. 2020.

LUCA, Tania Regina. Fontes Impressas. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSK, Carla B. Fontes históricas. São Paulo, Contexto, 2008. P. 111-156.

LUCCA, Tania Regina. A grande imprensa na primeira metade do século XX. MARTINS, Ana Luiza, LUCA, Tania Regina de. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2011, p. 149-175.

MORAIS, Delsa Maria Santos de. RAMALHO, Elinalva dos Montes. SILVA, Maria do Socorro Borges da. História local como eixo temático nas séries iniciais. IV Encontro de Pesquisa em Educação da UFPI A pesquisa como mediação de práticas sócio-educativas, GT8, História Local, 2006. Disponível em <http://www.ufpi.br/mesteduc/eventos/ivencontro/GT8/historia_local.pdf> acesso em 21 out. 2008.

MOREL, Marco. O surgimento da imprensa no Brasil: questões atuais. Maracanan. Rio de Janeiro, nº 3, 2005/2007, p. 17-30. Disponível em: < https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/maracanan/article/view/13620>. Acesso em: 23 de mar. 2020.

Nogueira, N. A. da S., & Silva, L. N. (2011). Os desafios para a construção de uma história local – o caso de Leopoldina , Zona da Mata de Minas Gerais. Revista Polyphonía21(1), 242. Disponível em: < https://www.revistas.ufg.br/sv/article/view/229>. Acesso em: 22 mar. 2020.

SALVATORI, Angela Borges. História, ensino e patrimônio. Araraquara, SP: Junquera & Marin, 2008.
SILVA, Francisco Ribeiro da. História Local: Objectivos, Métodos e Fontes. Universidade do Porto, 1998.  Disponível em: <http://repositorio.up.pt/aberto/bitstream/10216/8247/2/3226.pdf>, capturado em 26 mai. 2009.

SANTOS, Nilza Maria Almeida, NilzaA imprensa em leopoldina (MG) entre 1879 e 1899Rio de Janeiro, 2012, 23p.   Artigo apresentado ao Departamento de História da Universidade Gama Filho como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em História Cultural.

SILVA, Márcia Pereira da; FRANCO, Gilmara Yoshihara. Imprensa e Política no Brasil: considerações sobre o uso do jornal como fonte de pesquisa histórica. Revista História em Reflexão: Vol. 4 n. 8 – UFGD - Dourados jul/dez 2010. Disponível em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/941. Acesso em 22 mar. 2020.

ZICMAN, Renée Barata. História através da imprensa: algumas considerações metodológicas. Projeto História. Volume 4, 1985. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/12410/8995>. Acesso em 20 de mar. 2020.


Um comentário:

PLENA disse...

Querida Natânia:
Realmente, os artigos de periódicos se prestam à prática pedagógica em geral. Quando eu ministrava disciplinas de Educomunicação para a Pedagogia e o Normal Superior, inclusive explorávamos os grandes recursos que se encontravam nos anúncios classificados (problemas de matemática fantásticos); a familiarização com a leitura imagética (utilizando as fotos como fonte de informação); a narrativa sequencial gráfica (charges, tiras, infográficos); e até a padronização dos textos, em tamanho, linguagem, objetivos narrativos. Mas, eu estava na época do jornalismo impresso. Temos as diferenças marcantes da atualidade,após a convergência das mídias para os suportes digitais. Esses preciosismos podem ser ainda melhor explorados, já que as questões de acesso não são mais pautadas pela capacidade econômica, mas sim pela capacidade comunicacional e a acessividade.
Um abraço!
Valéria Aparecida Bari