segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Mary Del Priore - Um Rio de Histórias

Mary del Priore​ agora participa de um programa na CBN toda segunda,  às 10h45. O primeiro programa fala sobre o transporte público no Rio e da Revolta do Vintém.

Vale a pena conferir! 


sábado, 9 de janeiro de 2016

ENTREVISTA COM CHANTAL MONTELLIER

Entrevista a seguir foi realizada no dia 26 de janeiro de 2015. Na verdade é uma parte dela, que eu traduzi (então peço desculpas antecipadas caso o texto não fique totalmente claro) que acredito seja de relevância geral. 

Chantal é muito direta nas suas respostas, é pragmática e não “papas na língua”. Deixa bem claro o que pensa sobre a situação atual dos quadrinhos na França, seja sua utilização pedagógica, sua tendência editorial e a participação das mulheres. Ela não tem uma visão “cor de rosa” sobre o futuro da indústria do quadrinhos, no que tange ao engajamento político e social dos autores e autoras, privilégio de quem tem uma larga experiência construindo uma carreira onde não faltaram obstáculos.

*****
Natania Nogueira - Dentro da sua experiência profissional, como a senhora avalia o potencial político e pedagógico das Histórias em Quadrinhos?

Chantal Montellier - Se eu me recordo dos números, ao longo de 2014 mais de 5000 álbuns de quadrinhos foram lançados na França. Portanto o gênero parece prolífico e bem sucedido.  Se olharmos o conteúdo desses álbuns, eles possuem bastante diversidade dentro da qual a política e a pedagogia são ainda minoritárias. 

Os quadrinhos são um artesanato, uma arte, que associa texto e imagem, multiplicando desta forma suas potencialidades. A força de uma obra deste gênero, por menor que seja, deve-se – além da sua atratividade - à sua distribuição e difusão. Ao contrário de uma pintura ou uma escultura, um álbum de HQ pode ser transportado consigo, ele pode ser visto e lido em toda parte, das prateleiras das livrarias às bibliotecas, mediatecas e gibitecas públicas ou privadas, mesmo em um consultório médico ou no transporte público. Uma HQ pode também ser distribuída na forma de um panfleto na saída de uma empresa ou de uma fabrica, e isso foi muito praticado durante certa época (nos anos 1970)... Daí uma sutil reação para recolocá-los no seu lugar.  Atualmente as HQs têm servido para fins comerciais, distrair crianças e adolescentes pré e pós-púberes e “renarcisar” alguns “bobos”[1] com problemas de ego, daí a onda recente de autobiografias dos últimos anos (vide uma estrutura editorial como Egocomix).

Dito isso, este potencial político e pedagógico é próprio – em diferentes proporções – a toda forma de expressão e não apenas aos quadrinhos.

Uma coisa que me parece evidente, hoje em dia, é que a HQ comercial e de entretenimento domina claramente o mercado, enquanto quadrinhos como "ferramentas" de emancipação, de tomada de consciência, de liberação e de educação popular estão, eu acredito, muito mal representados. O potencial pedagógico e político desta mídia é considerável, mas relativamente pouco e mal explorado.  Também deve ser dito que um engajamento (político, sindical, feminista) que automaticamente reduza o público (sobretudo o jovem) não é em geral bem visto pelos editores.

Pouquíssimas são as pessoas que, como José-Louis Bocquet da Dupuis, se atreveram a consagrar uma coleção à redescoberta de grandes personagens históricas, muitas delas do sexo feminino, como Marie Curie ou Rose Valland. Sem mencionar editoras como Actes Sud ou Denoël, que me permitiram redescobrir Christine Brisset (L’Insoumise) ou reinvestigar o caso Rey-Maupin (Les Damnés de Nanterre) e falar sobre o que realmente aconteceu em Chernobyl (Tchernobyl mon amour), muito distante do que foi apresentado ao público. Além disso, estamos numa época em que o consensual e o “pensamento único” (forma inédita de totalitarismo soft) reinam supremos e a produção sofre com isso.

N.N. - Como a senhora vê na atual geração de mulheres cartunistas francesas o engajamento político e social? Algum nome se destaca em especial?

C. M. - Há mais mulheres aparecendo hoje em dia do que nos anos anteriores, mas muitas destas autoras, na maioria trintonas, falam acima de tudo de coisas do foro íntimo (relacionamentos entre casais ou entre mãe e filha). A despolitização me parece bastante evidente assim como o desengajamento feminista, enquanto que os problemas entre homens e mulheres estão longe de serem resolvidos. As HQs chamadas de “girly” (femininas) são um exemplo claro do que eu estou descrevendo aqui.

A única quadrinista que mostra algum engajamento feminista (e social) na sua obra é  Catel Muller, com sua série de álbuns sobre mulheres excepcionais, de Olympe de Gouges à Benoite Groult. Ela recebeu o prêmio Artemísia do quadrinho feminino por essa obra. Mas Catel, nascida em 1964, tem atualmente mais de 50 anos…

Eu acredito que podemos dizer sem medo de errar que a sociedade patriarcal francesa não nos permitiu ter “herdeiras”. E é o mesmo na Itália onde Cécilia Capuana também se vê afastada das novas gerações que, ainda mais do que na França, têm muita dificuldade em se estabelecer no mercado.

N.N. - O engajamento das quadrinistas está ligado às ideias feministas ou simplesmente a outras propostas políticas?
C. M. - As “ideias feministas” não se deram bem e atualmente são mal vistas, particularmente pelos editores de HQs. Os leitores são predominantemente homens e a sociedade regrediu em relação a estas questões devido ao aumento do desemprego, da precariedade, da despolitização, do individualismo e do triunfo incontestável do liberalismo, que impõe a lei de todos contra todos, estes mesmas editores procuram surfar na onda de um imaginário igualmente retrógrado (do meu ponto de vista). Magia (negra), fantasmas, onirismo… histórias medievais e/ou pós-apocalípticas… Trolls, dragões, sereias, demônios, monstros e mutantes de todos os tipos vão de vento em popa. Tudo isso em termos de HQs de massa.

Para a classe média alta as HQs “bobo” (da burguesia boêmia) e seu narcisismo estão por todo lado. A sociedade e o que a constitui, suas classes, suas instituições, suas evoluções ou involuções, são pouco exploradas, mas, bem, não somos sociólogos, somos apenas testemunhas…

Restam os aventureiros que encontramos nas grandes editoras com divisões dedicadas às HQs (geralmente muito pouco desenvolvidas). No meu caso, são a Actes Sud e a Denoël Graphique. Os responsáveis por estes setores são muitas vezes as pessoas que conheceram o período dos anos 70/80 e que têm uma abordagem menos estritamente comercial do que os editores mais jovens. Eles também são menos tendenciosos e mais conscientes do jogo político.

N.N. - Dos trabalhadores da indústria dos quadrinhos na França, apenas 10% são mulheres. A senhora acha que a indústria dos quadrinhos ainda limita propositalmente a participação feminina ou não existe interesse das meninas em investir na carreira?

C. M. - Eu acho que sim. Os editores de HQs, com uma exceção, Marie Moinard da “Des ronds dans l’eau”, são homens. Eles não se reconhecem nas imagens de mulheres. Elas os desestabilizam. Sem mencionar o medo da castração... Um dos meus editores, o falecido John Paul Mougin (Ed Casterman) afirmava categoricamente que "quadrinhos para mulheres, não vendem. É uma coisa para meninos, para que eles possam masturbar debaixo do edredom!”.

N.N. - Iniciativas como o prêmio Artemísia vêm tirando jovens cartunistas das sombras e dando visibilidade à sua obra. Até que ponto prêmios como a Artemísia têm seu valor reconhecido pelas editoras francesas? Elas têm contratado mais mulheres nos últimos anos?

Nem sempre elas estão na sombra. A nossa última vencedora (2015), uma alemã chamada Barbara Yeling já é conhecida na França, com os dois álbuns anteriores publicados pela Actes Sud.

Sim, estão contratando um pouco mais, até onde eu sei. As editoras gostam de prêmios, de modo geral. Mas fazemos isso acima de tudo para honrar e encorajar o trabalho criativo das mulheres.

Obs: Agradecimento especial ao amigo Pedro Bouça, que deu um revisada na minha tradução e a deixou mais inteligível.







[1] Bobo é uma expressão usada para designar a chamada “Burguesia Boêmia” (bourgeois bohème) , o que seria o equivalente, a grosso modo, ao nosso “mauricinho”,

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

CHANTAL MONTELLIER, QUADRINHOS E PESQUISA

Chantal Montellier é uma pioneira nos quadrinhos franco-belgas tendo sido a primeira mulher a participar da imprensa política. Em defesa de uma maior participação e visibilidade das mulheres cartunistas, Chantal foi co-fundadora do Prêmio Artemisia, e atualmente é presidente da Associação Artemisia, que tem por objetivo valorizar o trabalho de jovens cartunistas. 

Uma das características marcantes do seu trabalho é o uso da ficção social: pega uma sociedade em um dado momento e, levando em conta que ela contém em si os germes da desigualdade, do autoritarismo, da violência econômica, sexismo, etc., imagina seu futuro, duas, três ou cinco décadas mais tarde.

Para quem quiser conhecer melhor o trabalho da quadrinista, mas não tem acesso à produção europeia, no Brasil foi publicada a HQ "O Processo", pela editora Veneta, adaptação do famoso de Franz Kafka, que conta a história de Joseph K, preso sem explicação e forçado a enfrentar um processo jurídico caracterizado por uma burocracia autoritária. É deste romance que nasce a expressão “kafkaniano” (expressão atrelada à ideia do surreal, do absurdo; confusão entre o real e a ficção, estados hipotético de penumbra, de danação absoluta e de submissão ao imaginário; crise de identidade entre o mundo e o indivíduo). 

Há aproximadamente um ano atrás eu comecei a ter contato com Chantal Montellier e a conhecer seu trabalho em defesa das mulheres cartunistas. Chantal Montellier. Foi um pouco antes do atentado ao Charlie Hebdo, que completa hoje um ano. Por sinal, trocamos nos dias que se seguiram à tragédia e eu pude sentir um pouco mais de perto o impacto que o atentado teve sobre os quadrinistas franceses. Independentemente de concordaram ou ao não com o conteúdo das charges e caricaturas do Charlie Hebdo, para eles o atentado foi um ataque à liberdade de expressão, tão cara ao meio artístico, em seu todo.

O motivo do meu contato com Chantal Montellier foi profissional. Eu estava buscando por fontes para uma pesquisa que precisava fazer sobre mulheres e religião nos quadrinhos franco-belgas (publicada ano passado em um livro sobre como título "Religiões nas Histórias em Quadrinhos", organizado pelos pesquisadores Iuri Reblin e Amaro Braga). Confesso que até então eu não tinha quase conhecimento algum sobre a participação feminina no mercado europeu. Meu trabalho era mais focado na produção estadunidense, até por influencia da minha pesquisa de mestrado.

Quando ela respondeu minha primeira mensagem e comecei a trocar ideias e impressões eu, que tinha algumas pequenas questões passei a ter a mente inundada por uma curiosidade sobre a realidade francesa que só podia ser saciada de uma forma: pela pesquisa. Foi através da biografia de Chantal que eu conheci a “Ah! Nana”, que passou a ser meu novo objeto de trabalho. Transformei a revista no tema da minha apresentação do Encontro Nacional da ANPUH, de 2015. Não satisfeita, consegui comprar toda a coleção, que deve chegar na minhas mãos ainda este ano.

Pois bem, conhecer Chantal abriu não apenas um leque de possibilidades de pesquisa como, também, ampliou minha visão acerca da presença feminina neste amplo universo que é a indústria dos quadrinhos. Isso incluiu, também, a produção feminina no Brasil, para a qual eu já tinha despertado interesse após participar do encontro Lady’s Comics, em 2014. Mas após conhecer Chantal esse interesse não apenas cresceu como também surgiram novas perspectivas, novas formas de abordar o tema a partir da experiência das mulheres na França.

Acho importante que as nossas quadrinistas possam conhecer um pouco mais sobre a realidade feminina em outros países, que não apenas os Estados Unidos.  Mesmo com todo o avanço que temos tido dos últimos anos ainda precisamos romper muitas barreiras. Chantal, em sua experiência, pode não apenas nos inspirar como até fortalecer nossa determinação em buscar por mais visibilidade não apenas na produção de quadrinhos mas nas muitas áreas profissionais onde o talento da mulher ainda não é reconhecido.

Dito isso, devo esclarecer que esta postagem será dividida em duas partes. Eu pretendo compartilhando na segunda parte algumas partes da entrevista que ela me concedeu, no primeiro semestre de 2015.  É claro, não é uma postagem exclusivamente para mulheres. As opiniões e considerações da autora são de interesse de todos que atuam ou pesquisam na área de quadrinhos. 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

QUADRINHOS, MULHERES E SEXISMO

Imagem disponível em: http://zip.net/bssFR1,  acesso em 06 de jan. 2016.
Hoje recebi mensagens por e-mail e notificações na rede social onde, lamentavelmente, acusa-se o Prêmio do Festival Internacional de Angoulême (Grand Prix), um dos mais famosos e importantes do mundo, de sexismo: dos 30 nomes indicados, todos são homens. Entre os próprios contemplados o fato causou indignação. Muitos autores indicados pediram para terem seu nome retirado da lista. Alguns fizeram declarações públicas repudiando a ausência de mulheres na premiação. Miro Manara, um autor conhecido do público brasileiro, foi um dos que retirou seu nome da premiação. 

Pra quem não conhece, o Festival de Quadrinhos de Angoulême  foi criado em 25 de janeiro de 1974, com o objetivo de promover o reconhecimento artístico dos autores da Nona arte (Histórias em Quadrinhos). De lá para cá ele vem promovendo a indústria dos quadrinhos e premiando anualmente autores e editores.

Em quarenta e dois anos do festival, uma mulher conseguiu incorporar-se no ranking dos principais prêmios: Florence Cestac, em 2000. Claire Bretécher foi por muito tempo a única a receber um prêmio, em 1983. Os organizadores se defenderam dizendo que há poucas mulheres na indústria de quadrinhos franco-belga, cerca de 12,4%. 

Eu me pergunto se nenhuma delas conseguiu produzir, em 2015, um álbum sequer que tivesse qualidade suficiente para concorrer ao prêmio.  Chantal Montellier responde por mim, citando alguns dos ótimos trabalhos produzidos ano passado e que poderiam estar na lista dos indicados:
Le Piano oriental (Casterman), de Zeina Abirached
California Dreamin’ (Gallimard), de Pénélope Bagieu
Glenn Gould, une vie à contretemps (Dargaud), de Sandrine Revel

Fatherland (Ici Même), de Nina Bunjevac

A organização do festival também justifica-se dizendo que não podem "refazer a história". Oras, o sentido da História está justamente na constante possibilidade da mudança. O historiador Jacques Le Goff afirma que a história é a ciência da mudança, que ajuda a explica a mudança. Então, a sociedade é historicamente machista e/ou injusta, vamos nos conformar, aceitar que isso não pode ser mudado? Por favor, poderiam ter me poupado de ter lido isso.

A Associação Artemísia, que promove um prêmio anual com objetivo de dar visibilidade ao trabalho feminino, declarou por meio da sua presidente Chantal Montellier, haver claras evidencia de sexismo. Como vimos, muita gente concorda com ela, e não apenas mulheres. Fico imaginando se, quando o juri do prêmio apresentou o resultado final, alguém o impacto negativo que ele teria sobre a comunidade quadrinista de todo o mundo.

Não consigo deixar de pensar se isso talvez não seja uma forma de reação ao aumento, mesmo que lento, da presença feminina na indústria dos quadrinhos. Uma forma de Backlash? O número de leitoras de quadrinhos é a cada ano mais relevante e chega a representar em alguns países mais de 50% do público consumidor. Mulheres servem para consumir, mas não servem para produzir?

Não estou defendendo cotas. Não acho que seja solução estabelecer uma porcentagem de cadeiras para mulheres em prêmio algum. Acho que o talento deve ser reconhecido, independentemente do sexo. Da mesma forma acredito que prêmios como o de Angoulême devem levar em conta que não se trata apenas de escolher o melhor: trata-se de incentivar o desenvolvimento e crescimento dos quadrinhos enquanto indústria, arte e forma de expressão. Não vejo de que maneira excluir as mulheres das premiações esteja contribuindo para isso.

O que eu li para escrever este texto:


Le festival de BD d’Angoulême accusé de sexisme après une sélection 100 % masculine. Disponível em: http://zip.net/bssFR1,  acesso em 06 de jan. 2016.

Le Festival D’Angoulême aime les femmes…. mais ne peut pas refaire l’histoire (de la bande dessinée). Disponível em: http://zip.net/bgsFhk, acesso em 06 de jan. 2016.

43e Festival d'Angoulême : une "sélection" qui fait des vagues. Disponível em: http://zip.net/bksFtF,  acesso em 06 de jan. 2016.

Atualização: No dia 07 de janeiro a organização do Festival de Angoulême, mediante às repercussões geradas pela exclusão das mulheres do Grand Prix, mudou as regras: não haverá lista. Os autores irão votar livremente e escolher o autor(a) que acharem merecedor do prêmio.