domingo, 30 de dezembro de 2007

Balanço de fim de ano

Caros amigos,
A experiência com o blog está sendo muito gratificante para mim e está me ajudando a produzir e rever muitos dos trabalhos que já realizei na área de ensino e de história. Os contatos feitos durante o ano de 2007 também foram muito enriquecedores e se tornaram fontes quase que inesgotáveis de inspiração para novos projetos.

Estou fechando o ano de 2007 com novos projetos em vista e com perspectivas ainda mais amplas de produção, principalmente em História Local. O ano de 2008 promete abrir novas portas nesta área. Não podemos esquecer, também, que será um ano festivo, quando iremos discutir e debater sobre um dos marcos da nossa história: a vinda da família real para o Brasil, um episódio ímpar que definiu, de certa maneira, os contornos da nossa história politica do século XIX até os dias de hoje.

Só tenho a agradecer às pessoas que nos visitam, todos os dias, de várias partes do Brasil e também de outros países. Este espaço é nosso e quero continuar a compartilhá-lo com todos vocês durante o ano de 2008.

Um ótimo Ano Novo, repleto de realizações para todos nós.

Natania Nogueira

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Nova Revista de História

Foi lançada, neste mês de dezembro, a revista Veredas da História (ISSN1982-4238), periódico on-line, trimestral, dedicado à publicação dediscente em História (da graduação ao doutorado). A revista estádivulgando chamada para publicação de artigos e resenhas para a composição de seu primeiro número (março/2008). Os textos devem ser enviados para os e-mails que constam nosite da revista até o dia 10/02/2008, eis o endereço onde constam os e-mails: http://www.veredasdahistoria.com/. O tema do primeiro dossiê, ao qualdevem se adequar as propostas de publicação, será "Hisória e Relações dePoder". As normas de elaboração e formatação dos artigos e resenhas podemser acessadas no site.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

As condições para uma educação de base com qualidade na América Latina

Saiu este mês um artigo do qual participei com o Prof. Dr. Abdeljalil Akkari, na Revista Diálogo Educacional, da PUC. Segue o resumo e a referência.

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AS CONDIÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO DE BASE COM QUALIDADE NA AMÉRICA LATINA
Improvement of The Quality of Basic Education in Latin America

Abdel-Jalil Akkari 1
Natania Nogueira 2

Resumo: Tem havido um aumento significativo na disponibilidade de escolas na América Latina. Quase todas as crianças têm acesso à educação básica. Contudo, parece que a educação básica em geral se tornou uma fonte de diplomas sem valor para os pobres e marginalizados. A educação disponível para estes grupos ainda é de baixa qualidade. Comparada a outras regiões do mundo, o nível da educação na América Latina tem sido fraco. As diferenças sociais da região fazem com que avanços na educação sejam difíceis e o patamar pobre da educação tem ajudado a perpetuar estas diferenças. Dada a diversidade sociocultural que caracteriza o povo da América Latina, a qualidade educacional implica em reconhecer a necessidade de diversificar os processos educativos e melhor distribuir os recursos públicos investidos em educação. Investir no conhecimento dos professores, em pedagogia e comprometimento, assim como oferecer materiais didáticos adequados e apropriados talvez ajude a implantar as reformas necessárias. A pedagogia de Paulo Freire foi testada e desenvolvida mediante uma série de experiências consecutivas ao longo de mais de vinte anos, tanto no contexto rural quanto no urbano. Ela apresenta uma valiosa alternativa para aprimorar a qualidade da educação na região.
Palavra chave : Educação Básica; Qualidade; Freire; Reforma.

Abstract: There has been a significant increase in the availability of schooling in Latin America. Nearly all children have access to primary education. However, it appears that universal primary education have become false entitlements for the poor and marginalized groups. The education available to them has been and still of poor quality. Compared to other regions of the world, Latin America’s record in education has been weak. The region’s social inequality makes education progress hard, and the poor education record has helped perpetuate the region’s social inequality. Given the sociocultural diversity that characterizes Latin American peoples, educational quality implies recognizing the need to diversify educational processes and a better distribution of public resources invested in education. Building up teacher knowledge, pedagogy, and commitment as well as providing adequate and appropriate teaching materials may sustain the needed Reforms. Paulo Freire’s pedagogy was proved and developed through a series of repeated experiences during more than twenty years in rural and urban context. It presents a helpful alternative to enhance quality of education in the region.

Keywords : Basic education; Quality; Freire; Reform.

Complexidade v. 7 n. 22 set./dez. 2007

1 Haute Ecole Pédagogique BEJUNE - Suíça. e-mail: akkari.abdelkalil@bejune.ch2 Professora na rede Estadual de Ensino de Minas Gerais - Brasil. e-mail:nataniasnogueira@yahoo.com.br

domingo, 9 de dezembro de 2007

Comemoração do Centenário de Miguel Torga em Leopoldina

Viagem
(Miguel Torga)
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.


Em Leopoldina ocorreram comemorações pelo centenário do nascimento do poeta Miguel Torga, contanto com a presença do mestre em Teoria da Literatura da UFJF, Marcos Vinícius Ferreira de Oliveira, do mestre em Estudos Literários da UFES, Tavares Barbosa, da doutora em Lingüística pela PUC do Rio de Janeiro, Begma Tavares Barbosa - que participaram de uma mesa redonda no Cefet, no dia 22 de novembro - e escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras, Antonio Olinto – que realizou uma palestra na Escola Estadual Professor Botelho Reis, no dia 05 de dezembro. Os eventos tiveram o apoio da OSCIP Felizcidade, que vem já há alguns anos desenvolvendo projetos que visam resgatar nossa identidade histórica e cultural.

Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia Rocha (São Martinho de Anta - Vila Real, 12 de Agosto de 1907 — Coimbra, 17 de Janeiro de 1995), foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX. Filho de gente humilde do campo, emigrou para o Brasil em 1920, com doze anos, para trabalhar na fazenda do tio, na cultura do café. O tio apercebe-se da sua inteligência e patrocina-lhe os estudos liceais, em Leopoldina, Zona da Mata de Minas Gerais, tendo estuda no Ginásio Leopoldinense, escola na época particular, que hoje pertence ao Estado de Minas Gerais e tem o nome de Escola Estadual Professor Botelho Reis. Viveu em Leopoldina, até os 18 anos, e ali escreveu os primeiros poemas, inspirados em Casimiro de Abreu.

Regressando a Portugal, completou em três anos o curso dos liceus, matriculando-se depois na Faculdade de Medicina de Coimbra. Formou-se médico, mas acabou ficando conhecido pela sua poesia, que o tornaria um dos ícones da literatura mundial. Foi o primeiro vendedor do Prêmio Camões e chegou a ser condidato ap Prêmio Nobel, com grande chances de vencer.

A obra de Torga tem um carácter humanista: criado nas serras transmontanas, entre os trabalhadores rurais, assistindo aos ciclos de perpetuação da Natureza, Torga aprendeu o valor de cada homem, como criador e propagador da vida e da Natureza. Amava especialmente as montanhas. Escreveu perto de 80 livros. Contos, romances, poesia, teatro, ensaios, só de "Diários" publicou 16 volumes.

Comemorar o centenário de Torga, em Leopoldina, é não apenas relembrar o tempo em que este grande poeta aqui esteve, mas estimular os leopoldinenses a conhecerem um pouco mais do seu passado e da importância que esta terra teve para outras pessoas. Durante sua palestra, Antônio Olinto afirmou que:

“Nesta cidade ele deixou sua memória, nesta cidade ele ganhou sua inspiração para tudo que fez depois Das montanhas desta cidade ele tirou tudo que ele fez porque eram as montanhas da cidade de. Eu hoje vendo as cidades ao meu redor, eu tenho certeza que Torga foi Torga por que foi português, porque estudou e teve inspiração, mas porque ele pegou sua raiz nesta terra chamada Leopoldina.”

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

VII EDUCERE

Entre os dias 05 e 08 de novembro eu pude participar, representando minha escola e com apoio da Secretaria Municipal de Educação, no VII EDUCERE. O Congresso Nacional de Educação - EDUCERE é um evento acadêmico e científico organizado pela Graduação e Pós-Graduação em Educação da PUCPR. Sediado na cidade de Curitiba (Paraná-Brasil), desde 2001, tem focalizado como objetivo a socialização dos resultados das pesquisas realizadas por acadêmicos da graduação, pós-graduação e profissionais da área da educação. O evento, historicamente, tem aproximado os docentes da Educação Superior e da Educação Básica. Por meio de discussões de pesquisas e do diálogo busca aprimorar a formação inicial e continuada dos envolvidos no movimento da Educação. A VII edição – Internacional – teve como temática central “Saberes Docentes”. Paralelo VII EDUCERE ocorreu V ENCONTRO NACIONAL SOBRE ATENDIMENTO ESCOLAR HOSPITALAR.

Eu participei apresentado o trabalho que tenho desenvolvido, junto aos professores do Ensino fundamental, com o a Gibiteca Escolar e tive a oportunidade de poder assistir a algumas das mais proveitosas palestras sobre educação, das quais já participei. A abertura foi feita no dia 05 de novembro com a fala de Maurice Tardif, professor da Faculté des sciences de l'éducation, Département d'administration et fondements de l'éducation, Universidade de Montreal, Quebec e reitor das Hautes Écoles d´Etudes Pédagogiques, em Bejune, Suíça, sobre a importância da formação dos professores e das reformas realizadas neste sentido, na Suíça e em Quebec.
Eu, particularmente, dei preferência às palestras que falaram sobre a questão da formação de professores e da formação continuada. Eu gostaria de destacar aqui três delas, em especial. A primeira foi da Prof. Doutora Maria Cecília Borges, da Universidade de Montreal, sobre a experiência que ela tem tido trabalhando com estágios – que na Universidade de Montreal são 700 horas, durante o curso – e mostrando as mudanças realizadas na formação de professores, suas vantagens e seus desafios.

Também foi muito boa a palestra da Prof. Doutora Maria Beatriz Gomes Bittencourt, presidente do Fórum Português de Administração Escolar, falando dos desafios da educação em Portugal e das mudanças que já acontecerem na formação dos professores e nas escolas portuguesas, dando ênfase à questão da avaliação do ensino. Interessante notar que muitos das dificuldades que temos na educação são globais. Elas estão presentes em todas as partes do mundo, mesmo em países tidos como desenvolvidos.

Em terceiro, a palestra do Prof. Doutor Abdeljalil Akkari, da Haute École de Pédagogique (Suíça), sobre as tendências internacionais da formação dos professores, com destaque para o caso suíço e o caso brasileiro. Sobre este assunto o prof. Akkari está publicando um artigo na revista Diálogo Educacional, AS CONDIÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO DE BASE COM QUALIDADE NA AMÉRICA LATINA, que sai no nº 22, em dezembro de 2007, no qual eu faço uma modesta participação como co-autora e tradutora.

Creio que os anais talvez sejam disponibilizados on line, no site do encontro.

domingo, 11 de novembro de 2007

Patrimônio em chamas

Leopoldina perdeu esta semana um de seus poucos tesouros históricos. Um incêndio destruiu grande parte do casarão que abrigava a Prefeitura Municipal. O prédio, de 112 anos, construído no final do século XIX não resistiu às chamas. Os setores mais afetados foram o de patrimônio, imprensa e jurídico, Dá-me uma certa consternação ao perceber a fragilidade de nosso patrimônio histórico. No caso do incidente, minha tristeza é maior ao constatar que a perda vai muito além dos 112 anos da construção.

Há cerca de 10 anos atrás eu fiz um levantamento superficial da documentação do século XIX existente na prefeitura e que não chegou a ser pesquisa e manuseada adequadamente, dada a precariedade na qual estava depositada (em meio a grossas camadas de poeira e terra, exposta à umidade e aos roedores e insetos). Infelizmente, Leopoldina não é uma excessão, é uma regra. Em Minas, como em boa parte do Brasil, não há consciência sobre a necessidade da valorização de documentos produzidos em tempos passados, tendo eles como destino uma "morte" lenda, em algum depósito ou acabam, mesmo, sendo incinerado em terrenos baldios.

Se esta documentação ainda estava armazenada lá, nada ou muito pouco deve ter restado. Uma fatalidade como esta ocorre justamente no momento em que a história local começou a ser valorizada. Ela passa a compor o currículo do ensino fundamental e Minas, com a implantação do Currículo Básico Comum (CDC), fato que abre uma brecha para se reivindicar a restauração daquela documentação, a fim de que pudéssemos tentar começar a construir nossa história local, através de métodos adequados de análise da documentação e do contexto em que esta foi produzida.
EM TEMPO!!!
Eu e a professora Lucilene fizemos uma pesquisa na prefeitura e descobrimos que a documentação do século XIX até 1930 está em um depósito da prefeitura, e portanto não foi afetada pelo incêncio. Conseguimos autorização para separá-la , higiêniazá-la e catalogá-la. É o primeiro passo para a criação de um pequeno arquivo histórico no município. Acredito que entre a documentação, que está no citado depósito, encontam-se os livros de ata citados abaixo.

LENVANTAMENTO DOCUMENTAL DO ARQUIVO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE LEOPOLDINA (1996)

A documentação abaixo relacionada (majoritariamente do século XIX) foi encontrada no antigo arquivo municipal de Leopoldina, localizado no porão do prédio da Prefeitura municipal, em péssimo estado físico e sem condições adequadas de conservação.

(1) Livro n. 06 - Notas da Comarca da Boa Vista - Escrituras de vendas de terras - 1874
(2) Livro de ata da eleição de eleitores da Freguesia de Capivara – 1866
(3) Livro de Registro de Impostos Municipais do distrito de Laranjal - 1857
(4) Livro de registro de óbito de escravos - 1880 – 1887
(5) Lançamento de impostos municipais – 1858
(6) Livro de notas do distrito de Rio Pardo - s/d
(7) Livro para relançar o nome de cidadão votantes do Rio Pardo - 1878
(8) Lista de eleitores federais - 1890 – 1899
(9) Lista de votantes de Santa Rita - 1868
(10) Livro de alistamento eleitoral - 1897
(11) Livro de alistamento eleitoral federal - 1895 - 1897
(12) Livro de Ata da Junta apuradora de eleições - 1881
(13) Diário para a receita da despesa da Câmara Municipal de Leopoldina - 1881
(14) Livro de Ata de ações da câmara municipal - 1914
(15) Livro de Juizes de Paz e vereadores – Piedade – Atas de eleição - 1856
(16) Livro de Impostos Municipais - 1867
(17) Livro de balanço de escritas e despesas – 1889
(18) Livro de notas para escrituras de venda do cartório do distrito de Rio Pardo - 1881
(19) Livro de ata de reunião do conselho distrital de santa Izabel - 1892
(20) Títulos de qualificação (431 títulos) - 1876
(21) Livro de lançamentos - 1908
(22) Diário da Câmara Municipal - 1882
(23) Livro de registro de balancetes trimestrais e semanais de 1896
(24) Livro de balancetes - 1882
(25) Livro de alistamento federal eleitoral - 1901
(26) Cadeia e fórum – contas correntes - s/d
(27) Livro de firmas diversas - s/d
(28) Livro de lançamento de qualificação dos votantes - 1873
(29) Livro de receita e despesa - 1876
(30) Livro de registro de portarias - 1938
(31) Livro de alistamento federal - 1893
(32) Livro de notas do cartório da freguesia de s. Anna de Pirapetinga - 1876-1877
(33) Livro de notas da Câmara - 1907
(34) Diário da receita e despesa da Câmara Municipal de Leopoldina - 1861-1887
(35) Registro das correspondências - s/d
(36) Livro de notas n. 05 - 1865-1866
(37) Registro de matrícula de alunos da E. M. de São Lourenço - 1898
(38) Livro de protocolo - 1895
(39) Livro de contratos - 1895
(40) Balancetes da receita e despesas - 1883
(41) Livro de lançamento de impostos municipais - 1858
(42) Livro de atas do conselho consultivo - s/d
(43) Registro das correspondências - 1883
(44) Livro de alistamento eleitoral federal - 1895-1897
(45) Livro de recibos de títulos de cidadãos votantes - 1872
(46) Livro de atas das sessões da Assembléia Municipal de Leopoldina - 1892
(47) Livro de registro de portarias - 1931
(48) Livro n. 10 de cópias de correspondências da Câmara Municipal - 1913-1914
(49) Registro de balancetes trimestrais e semanais - 1892
(50) Alistamento eleitoral federal - 1892
(51) Livro de Atas n. 06 da Câmara Municipal - 1878
(52) Livro de contas correntes - 1893
(53) Livro de orçamento - 1898
(54) Atas de eleições da 3ª sessão - 1907
(55) Livro de ata da câmara municipal 1858
(56) Livro da divida activa - 1892
(57) Ata da eleição de eleitores – 1952
(58) Livro de escrituras (escravos) - 1876
(59) Livros de lançamento para exercício - 1909
(60) Livro de ata da 3ª Eleição federal - 1898
(61) Livro da receita de despesas da câmara - 1881
(62) Diário da receita de despesas - 1874
(63) Diário de receita de despesas - 1874
(64) Impostos municipais - 1857
(65) Juramento de autoridades municipais - 1837
(66) Livro n. 03 do Diário da Câmara municipal - 1885
(67) Livro de notas n. 14 - 1880
(68) Livro de classificação de votantes - 1854
(69) Livro de escrituras - 1887
(70) Termos de compromisso e posse - s/d
(71) Diário n. 02 da Câmara Municipal - 1884
(72) Livro de balancete de receita de despesas da Câmara - 1885
(73) Livro de notas de Pirapetinga (escrituras de venda de escravos) - 1871
(74) Livro de atas de reunião da Sociedade José de Alencar - s/d
(75) Livro de metas do conselho distrital - 1887
(76) Livro n. 11 de notas do cartório de Angu (escrituras de escravos) - 1882
(77) Atas de qualificação de votantes - 1852
(78) Balancetes da Câmara Municipal - 1884
(79) Livro de notas do cartório do distrito de Rio Pardo - 1885
(80) Diário da receita das despesas - 1879
(81) Livro de alistamento eleitoral federal - 1903-1904
(82) Livro de alistamento eleitoral federal - 1904
(83) Livro de escrituras de compra e venda de escravos - 1876
(84) Atas do colégio eleitoral de Leopoldina - 1878
(85) escrituras – 1873
(86) Balancetes da receita - 1879
(87) Livro de notas do cartório de Angú (escrituras) - 1876
(88) Livro de caixa de despesa - 1895
(89) Livro de notas do cartório de Boa Vista - s/d
(90) Livro de atas n. 07 - 1879
(91) Livro de lançamentos provisórios para exercício - 1893
(92) Ata da eleição de Juiz de Paz - s/d
(93) Livro de notas do cartório de Angu - 1873
(94) Livro de contas (obras ou serviços) - 1894
(95) Notas da assembléia legislativa municipal - 1881
(96) Registro de portarias - 1905-1906
(97) Lista de cidadãos aptos a votar - s/d
(98) Escrituras de compra e venda de escravos - s/d
(99) Livro de notas do escrivão de paz do distrito de Campo Limpo - s/d
(100) Recibos de títulos de cidadãos votantes - 1876
(101) Livro n. 14 copiador de portarias - s/d
(102) Diário da câmara municipal - 1884-1885
(103) Notas do Juiz de Paz do distrito de Piedade - 1871
(104) Notas do cartório do distrito de Conceição da Boa Vista - 1868-1871
(105) Registro de portarias - 1897
(106) Receitas e despesas - 1873
(107) Alistamento eleitoral federal de recreio - 1897
(108) Lançamentos dos prédios urbanos da cidade de Leopoldina - s/d
(109) Cópias de portarias - 1908
(110) Atas de reuniões da câmara - 1875
(111) Registro de portarias - 1928-29
(112) Balancetes - 1877
(113) Lançamento dos termos de depósito da câmara municipal - 1880
(114) Diário da câmara municipal - 1884
(115) Registro de portarias - 1903
(116) Livro de notas do distrito de Rio Pardo - 1856
(117) Entrada e saída de dinheiro - 1898
(118) Balancetes - 1876
(119) Balanço da receita de depósito da câmara - 1888
(120) Contas correntes - 1892
(121) Receita e despesas - 1856
(122) Livros de lançamentos do conselho distrital - 1892
(123) Livro de contas - 1891
(124) Notas dos trabalhos da junta operadora - 1876
(125) Livro de notas de escrituras de bens reais de Rio Pardo - s/d
(126) Ata da apuração das eleições municipais - 1897
(127) Alistamento eleitoral federal - 1895
(128) Contas da procuradoria - 1892
(129) Nome dos eleitores que compareceram à eleição - 1881
(130) Receita e despesas - 1873
(131) Livro de notas do distrito de Piedade - 1884
(132) Diário da Câmara municipal - 1884
(133) Registro de portarias – s/d
(134) Escrituras de compra e venda de escravos - 1878
(135) Alistamento eleitoral federal - 1902
(136) Balancetes de escrituras e despesas - 1889
(137) Livro de notas - 1885
(138) Livro de notas do cartório de Conceição da Boa Vista- 1881
(139) Registro de correspondência - 1885
(140) Compra e venda de escravos - 1876
(141) Livro de notas do distrito de Piedade - 1880
(142) Livro de notas do cartório de Conceição da Boa Vista - 1883
(143) Qualificação de votantes - 1964
(144) Ata da câmara municipal - 1886
(145) Alistamento federal - 1895
(146) Balancetes do conselho distrital - 1896
(147) Escrivão de paz de Campo Limpo - 1884
(148) Contribuintes em atraso - 1907
(149) Lançamentos - 1902
(150) Alistamento federal – 1902
(151) Caixa da câmara municipal - 1886
(152) Livro de notas do escrivão de Rio Pardo - 1876
(153) Livro de notas do cartório de Pirapetinga - s/d
(154) Atas da eleição dos juizes de paz - s/d
(155) Alistamento federal - 1897
(156) Registro de portarias - 1917-1918
(157) Notas do juiz de paz do distrito de piedade – s/d
(158) Empréstimos – movimentos de apólices - 1893
(159) Empréstimos – movimentos de apólices - 1871
(160) Diário da câmara municipal ces - 1884
(161) Livro de notas de escritura de escravos - 1861
(162) Livro de notas de escrituras de compra e venda de escravos (troca) - 1868
(163) Termos de apreensão de arrendamentos de bens – s/d
(164) Balancetes da receita - 1885
(165) Diário da câmara - 1883
(166) Notas do escrivão de paz - 1886
(167) Livro de atas das sessões da câmara - 1904-1905
(168) Livro de notas do cartório de conceição da Boa Vista - 1882
(169) Balancetes - 1882
(170) Exposição regional (inscrições) - 1893
(171) Balancetes – s/d
(172) Atas da 2ª sessão federal - 1893
(173) Livro de despesas ativas de alistamento federal – s/d
(174) Atas de alistamento federal - 1892

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Criança, infância e família em Juiz de Fora (1850-1920)

O texto que segue é parte de um artigo no qual ainda estou trabalhando. Mas gostaria da opinião dos leitores do blog sobre ele e sobre a temática, de forma geral. No texto em questão trabalho especialmente com dois memorialistas: Nava e Áurea Nardelli. Tenho um apresso especial pelos dois e gosto da forma simples com que narram suas lembranças. Acho as memórias fontes interessantíssimas e muito ricas pois elas extrapolam a simples descrição da realidade entrando no plano da mentalidade (embora alguns historiadores não gostem muito do uso deste termo eu o acho adequado para exprimir os sentimentos de um sujeito histórico e sua interpretação da realidade na qual vive).



Ao estudar a família, as crianças aparecem geralmente como um pano de fundo dentro de um quadro mais complexo. Os estudos de gênero possuem o mérito de tirar da sobra o papel da mulher dentro da celular familiar, mas só recentemente a criança e a infância começaram a receber um pouco de atenção por parte da historiografia. A infância é, por definição, a representação que os adultos fazem do período inicial da vida. A história da infância seria, por conseguinte, a história das relações socais, culturais estabelecidas pelas crianças, além de suas relações com os adultos. Por outro lado, a história da criança seria a história das crianças entre si e com os adultos, sua relação com a cultura e a sociedade onde vivem.

Para Phillipe Àries,[1] a criança e sua ascensão dentro do núcleo familiar a responsável pela formação do sentido de família, a partir do momento em que tem início o sentido de infância. Esta transformação ocorre em parte graças à integração cada vez maior da criança à escola e o gradual abandono daquela educação apenas ligada ao trabalho e às boas maneiras, realizada muitas vezes em casas de família, longe o controle dos pais. A família para ele só passa a existir como a conhecemos no momento em que os pais tiram a criança do mundo dos adultos.

Em torno de sua obra gira o debate sobre o desenvolvimento a concepção moderna da infância. Em estudos recentes foi demonstrado que a consciência da existência de diferentes períodos da vida humana poder ser identificada desde a antiguidade, nas mais diversas e diferentes culturas. Contrariamente a Áries, há quem defenda a existência de uma percepção nítida da especificidade da infância, já na Idade Média. A criança era construída, inicialmente pelo amor ou pela rejeição dos pais. Alguns autores criticam Áries por generalizar o caso francês e não levar em conta as especificidades e o contexto de cada região.[2]

Em nosso trabalho queremos trabalhar a questão a inserção social da criança, a partir da família, seja ela de elite ou pertencente a camadas menos privilegiadas. Como fontes, para um estudo inicial temos a obra de dois memorialistas, Áurea Nardelli e Pedro Nava. Áurea Nardelli, professora, natural de Mar de Espanha relata, em seu livro de memórias[3], episódios que envolveram sua vida e a de sua família desde a infância. Suas brincadeiras infantis ao lado dos irmãos e seus momentos de peraltices e até de engajamento político, durante a adolescência mostram que os mais jovens estavam conquistando um espaço cada vez maior e mais importante dentro da organização familiar. Através de suas impressões e de sua leitura particular da realidade na qual viveu podemos compor um quadro histórico da juventude mineira – em particular juizforana - das primeiras décadas do século XX.

Nava utiliza alegorias de sua infância para narrar casos de maridos que matam brutalmente suas esposas, de madrastas que maltratam enteadas, moças que envenenam namorados que as desprezam, além de relatar suas próprias experiências, na escola e na família. Fala-nos sobre seu amor e respeito pelo pai e de sua avó Maria Luiza Jaguaribe, mulher fria e distante, que nunca deu afeto ao neto. Nava fala de si e daqueles que o rodeavam, pois acredita na força da memória como fortalecedora das tradições familiares, que ele defende, embora não feche os olhos para o outro lado da sociedade: aquele onde todas as regras são quebradas.

Áurea Nardelli nasceu no início do século XX e, aos 14 anos mudou-se para Juiz de Fora. Suas memórias, no entanto, contam com detalhes sobre a vida dos pais e dos avós, assim como elementos referentes à tradição e cultura do século XIX, passados a ela por sua mãe e avó. Seu pai era italiano e começou a trabalhar aos 13 anos, pois seu avô paterno gastava todo seu dinheiro que recebia com prostitutas ou amantes. Desde bem jovem Vicente Nardelli foi obrigada a encarar de frente as responsabilidade de um adulto, talvez por isso tenha se preocupado em dar aos filhos uma infância melhor e menos sofrida – pensamento que está presente entre os pais ainda nos nossos dias.

Os filhos eram, já naquele início de século XX, o receptáculo dos sonhos e das ambições dos pais. A escola era um caminho para a ascensão social, geralmente negado aos pobres, mas não necessariamente fechado a eles. Segundo Pierre Bourdieu, colocar um filho na escola e lhe proporcionar um diploma – excepcionalmente de doutor ou bacharel -, é como fazer um investimento para o futuro, que trará grandes lucros, econômicos ou sociais para a família. O capital cultural é, talvez, o maior investimento que um pai possa fazer em seu filho.[4]

O pai, muito preocupado com a educação dos filhos, tentou dar-lhes a melhor instrução, dentro de suas possibilidades – foram muitos filhos, quatorze ao todo, e muitas dificuldades financeiras. A família humilde, foi aos poucos melhorando sua condição social e econômica e os filhos estudaram e tornaram-se profissionais de sucesso. Áurea permaneceu solteira – escapou da interferência dos pais no casamento, pois eles praticamente diziam com quem se podia ou não casar.

Quando criança, Áurea foi criada dentro de uma rigidez religiosa que em alguns momentos contrastava com os hábitos europeus que seu pai havia herdado – como o de dar beijos. Desde pequena ajudava sua mãe nos afazeres domésticos e cuidava dos irmãos menores. Tinha o hábito de orar em diversas ocasiões – ao dormir, ao se levantar, para tirar mal olhado, ao lavar o rosto e para espantar animais. Na escola recebeu uma educação voltada pra o lar, como era de costume. Mas em suas memórias descreve momentos em que a jovem religiosa e tímida assumia postura crítica e rebelde. Seu pai envolvia-se apaixonadamente na política e, na escola, ela e suas colegas normalistas discutiam entre si as mudanças que ocorriam na República. Eram meninas-moças, e eram informadas. Ao contrário do pensamos, as mulheres, mesmo as jovens, não estavam alienadas ao que acontecia ao seu redor. Áurea se considerava uma jacobina.

Os maus tratos às crianças eram freqüentes, tanto entre os mais pobres, quanto entre as camadas médias. Eles se faziam através de castigos físicos, violência sexual, abandono, negligência e até mesmo do infanticídio. Casos envolvendo crianças não erram raros nem passavam desapercebidos. Percebe-se uma tendência a tentar preservar a criança das amarguras do mundo adulto e a buscar algum tipo de punição para crimes cometidos contra crianças.

Ao nosso escritório ontem, os diretores da escola mantida pelo Culto Católico mariano Procópio, à rua das Escolas,naquele bairro, vieram queixar-se de grande malta de moleques atrevidos, que por ocasião da saída das alunas, ali se reúnem dirigindo-lhes gracejos e frases que a decência anda calar. Aí fica a reclamação. Esperamos providências por parte da policia”.[5]

Por outro lado, também era freqüente a marginalização de meninos e meninas que viviam nas ruas, sendo taxados arbitrariamente de arruaceiros e perseguidos pela polícia e pelos jornais, que existiam sua retirada do centro da cidade, local freqüentado por boas famílias, que deveriam ser poupadas da visão da vadiagem. Crianças fugiam de casa para escapar dos maus tratos dos pais. Quando não eram encaminhadas a orfanatos, eram perseguidas sob acusação de vadiagem, vandalismo e outros pequenos delitos, sempre a elas atribuídos. Os vizinhos muitas vezes eram os canais através dos quais se chagava a pais a mães “desalmados”, que fugiam do ideal de civilidade ao desferir castigos rígidos e até desumanos aos seus filhos.

Na parte baixa da rua do Comércio existe uma preta, de nome Clementina, que tem uma criança de 5 meses, que a maltrata com tanta barbaridade que os vizinhos chamam a atenção da policia para saber a causa dessa malvadeza, que pratica diariamente e se compadecer dessa infeliz criança, porque não pode haver coração que a faça assim sofrer.”[6]

Na verdade, uma mãe que não zela e cuida de sua prole, por si só, demanda mais atenção das autoridades e da comunidade do que a violência contra a criança. Esta mulher vai contra o ideal de boa-mãe-dona-de-casa que caracteriza uma mulher civilizada, idealizada pela sociedade burguesa. A mulher é alvo de inúmeras críticas. Se não se casa, é uma solteirona e alvo de comentários jocosos e maldosos; se é abandonada ou divorciada, precisa provar que é boa mãe, boa dona de casa e mulher trabalhadora, caso contrário pode ser acusada até mesmo de meretrício.

Da mesma forma, as crianças despertam reações ambíguas. Tanto podem ser inocentes e frágeis criaturas pelas quais cabe a sociedade zelar em caso de abandono ou desamparo, como podem ser taxadas como “pestes”, pequenos marginais, criaturas capazes de atos hediondos. Os jornais noticiam regularmente a presença de moleques no centro comercial ou nos parques, causando desordem, roubando ou simplesmente incomodando os adultos com sua presença. Crianças que muitas ficam nas ruas porque os pais estão trabalhando e elas não possuem mais nada o que fazer senão aventurar-se no mundo dos adultos para aprender a sobreviver desde cedo.

Os órfãos eram citados nos jornais como criaturas abandonadas à própria sorte e explorados pelos adultos. Aliás, o trabalho dos órfãos era utilizado pelas famílias – inclusive as abastardas – e muitas vezes assumiam o papel de “crias”. Criados desde pequenos pelos seus “patrões” e recebendo em troca de seu trabalho comida e roupas – geralmente usadas. Em alguns momentos sua exploração aflorava, que em alguns casos era seguida de violência física e/ou sexual, na forma de pequenos textos nos jornais.

Tendo chegado ao conhecimento do sr. dr. Juiz substituto dessa comarca que em casa do sr. Francisco Pereira Bretas, residente á rua do Sampaio, havia uma menor órfã de nome Albertina que era constantemente seviciada, de modo bárbaro, por pessoas da casa, aquele magistrado mandou apreende-la e fê-la conduzir á sua presença, tendo-lhe tomado auto de perguntas. Em seguida mandou proceder a corpo de delito, verificando que a menor apresentava contusões. A menor foi depositada em casa do sr. Antônio da Cunha Figueiredo até deliberação última do sr. dr. Juiz de órfãos[7]

Pedro Nava relata em suas memórias a existência de “crias” na casa de sua poderosa avó, Maria Luiza Jaguaribe. Eram, em geral, negras ou mulatas, que além de fazerem os serviços domésticos, ainda serviam como “olhos” e “ouvidos” de sua patroa. Eram constantemente maltratadas e obrigadas a trabalhar cantando para que a patroa pudesse melhor ficalizá-las[8]. Nava ainda ressalta um outro aspecto deste tipo de menina/emprega: elas eram utilizadas também nos complexos sexuais dos meninos.[9]

A criança, em muitos casos, entra no mundo dos adultos muito antes do fim cronológico da infância. Muitas vezes meninos e meninas são obrigados a trabalhar para ajudar no sustento da família, cuidar da casa e dos irmãos menores e mesmo abandonando os jogos e brincadeiras infantis. Para Margareth Rago,[10] a criança, é instrumento de intervenção do estado e dos médicos dentro da família e em torno dela criou-se um mito de infância que não correspondia à realidade, pois essa infância lhe era negada pelo árduo trabalho que desempenhava nas fábricas. Juntamente com a mulher, a criança compunha a maior parte da mão-de-obra.

As relações entre a infância e modernidade se estabelecem no esforço de produção de uma tradição, o ser criança civilizada, compreendendo o tempo da infância como produção sociocultural. A escola se torna a formadora da moralidade, um meio de afastar a criança da sociedade e da degeneração mora. Num segundo momento, as crianças passaram a freqüentar a escola para aprender a entrar no mundo dos adultos.

Disciplinar a infância era necessário, assim como evitar que ela se desvirtuasse e se tornasse uma ameaça a ordem. A escola, neste contexto, torna-se espaço disciplinador. Desde o século XVIII ela dividia-se em duas: burguesa (liceu) e popular (primária), cujas funções são bem definidas.[11] Para as crianças pobres, para quem a sociedade burguesa não ansiava uma educação esmerada, foram criadas as escolas agrotécnicas, que tinham por finalidade punir e educar através do trabalho. O esforço na produção da criança civilizada e sua moralização se faria, nestes casos por meio do trabalho e aprendizagem de um ofício.[12]

O governo do Estado de Minas Gerais criou diversas escolas rurais em Minas, em 8 de janeiro de 1912, através do Decreto 3.399. As escolas rurais, que neste período foram uma verdadeira febre em Minas Gerais, tinham um ensino voltado para o aprendizado agrícola, onde órfãos e meninos pobres do campo poderiam se profissionalizar e se tornarem elementos úteis para o desenvolvimento e modernização do Brasil. Pode-se afirmar que os hábitos de escolaridade irão se diferenciar não segundo condições, mas funções.

Com a nova sociedade capitalista, o trabalho passa a ser uma questão de progresso, status e ascensão social, para os grupos médios e as elites, enquanto que para os menos favorecidos torna-se motivo de discriminação. O desempregado é considerado um desocupado, um preguiçoso e a preguiça não combina com o progresso. Segundo Rosa Maria Barbosa de Araújo, “a ideologia no novo regime afirmava que os costumes civilizados venceriam a preguiça dos desocupados”. [13]

Para o Republicano a ociosidade era uma ameaça à ordem e a vadiagem uma ameaça à moral e os bons costumes, sendo que a união dos dois poderia levar à criminalidade. Não apenas adultos, mas também as crianças acabavam sendo vítimas da perseguição dos moralistas e da ciência médica, que tentavam explicar a violência dos pequenos, que representava um ameaça ao mundo adulto. Nos periódicos encontramos uma série de crimes cometidos por crianças ou adolescentes, onde as vítimas são colegas, amigos, rivais e as circunstâncias variam de caso para caso, e que acabam por justificar a necessidade de civilidade.

Na estrada que vai de S. João Neponuceno ao Descoberto deu-se num desses últimos dias, um assassinato que tem tanto de bárbaro quanto de horroroso, não só pelas circunstancias que rodeiam o crime, quanto pelas condições do criminoso, que é menos de 8 anos. Ao instinto perverso do crime, á precocidade com que se apresenta no caminho do mal, junta esse novel delinqüente a ferocidade da índole e da dissimulação dos criminosos alibres. Narremos singelamente o fato tal qual se passou:

Sábado ou domingo ultimo, foram alguns carreiros com seus carregamentos de café, do Descoberto a São João e levavam como condieiros alguns menores, entre os quais dois de cor preta, de 8 anos de idade, e outro maior de 12 a 13 anos. Nessa ultima localidade desavieram-se dois desses menores, o de maior idade e um dos outros, e aí, parece, chegaram às vias de fato.

De regresso á primeira daquelas localidades, entendeu o menino maior vingar-se da pobre criança com a qual brigara naturalmente por esta estar de condição humilde, sem que os carreiros pudessem ou quisessem impedi-lo. Efetivamente, nenhum deles sabe, pelo menos assim o declararam, como se deu o delito; mas o que é certo é que o menor foi morto com um tiro pelas costas cujo projétil se empregou na região accipital da vitima saindo-lhe por um dos olhos e produzindo-lhe a morte 24 horas depois. Consta-se que a vitima pedia ao seu algoz que não disparasse a arma, que a tudo isso foi surdo o instinto feroz do assassino que, mal se lhe deparara a ocasião, a prostrara por terra com um tiro certeiro. É esta a versão corrente ali.

Entretanto, com surpresa de todos, apresentou-se á autoridade policial do Descoberto, não o menino criminoso, porém o outro, o menor, denunciando-se autor do crime e declarando que o praticara para... experimentar a arma. Por falta de médicos não se faz autópsia do cadáver, contentando-se a autoridade policial com um corpo de delito à moda da roça. Que o inquirido para a descoberta do legítimo delinqüente não se faça também para inglês ver
."
[14]

Um crime de adultos, praticado por crianças e, interessante notar, que por motivo fútil. O jornal dá a entender que o agressor se aproveita da condição humilde da outra criança. Crianças agindo como adultos e inseridas no mundo dos adultos resultam em ações e fatos que desmentem a inocência infantil, tão defendida pela sociedade burguesa. Neste sentido, cabe citar um trecho do livro de Mirian Moreira Leite, elaborado a partir de documentação produzida por vianjantes estrangeiros, no Brasil do século XIX, que se refere às crianças brasileiras do final do século XIX. O trecho foi tirado dos apontamentos de um viajante, o inglês Robert Edward Edgcumbe, escritos em 1886, onde que este viajante compara as crianças brasileiras com as inglesas. Ele se assusta com a inserção precoce das crianças no mundo dos adultos.

A menor usa brincos e braceletes e meninos de oito anos exibem cigarros... A linguagem dos meninos é espantosa, embora eu deva admitir que provavelmente, em grande parte, não têm consciência do que estão dizendo. Desconhecem os jogos. O único tipo de brinquedo em que tomam parte é o de ‘pular sela’, e isso só de vez em quando.”[15]

Os relatos de viajantes, que estivem ano Brasil no século XIX, revelam aspectos importantes da vida familiar brasileira, mas eles enfatizam as famílias de condição econômica e social superior. Entre as famílias mais humildes, alguns dados podem se mostrar desencontrados. Havia um zelo maior entre as famílias abastardas sobre seus filhos e suas mulheres, que raramente deixavam a segurança do lar para se aventurarem nas ruas, povoadas de trabalhadores e de crianças descalças.

Havia um grande movimento de controle social no Brasil, já nessa época, em que o Brasil está finalmente se transformando em um país capitalista, após a abolição da escravidão e com o uso do trabalho livre. Os espaços passam a ser mais vigiados, assim como a conduta das pessoas. Os pobres são os mais atingidos, sendo que a violência se concentra – nas suas diversas formas – nas mulheres e nas crianças. Mulheres pobres recebem facilmente o estigma de meretriz, de mulher da vida, quando desfila desacompanhada pelas ruas e freqüenta os botecos da periferia. Sobre a mulher e a criança recai uma forte carga de pressão social, um desejo de disciplinar os sentimentos e as ações.

No século XIX consolidou-se a idéia de que a mulher adulta deveria ter uma educação voltado para o lar, para a maternidade e ser, desta forma responsável pela formação de uma criança civilidade e de uma família harmoniosa. A mulher moderna é aquela que tem amor pelo trabalho doméstico, assim, as mulheres burguesas torna-se senhoras do lar e passam a representar o padrão da boa mulher, da boa mãe: a dona-de-casa. À separação entre o público e o privado contribuiu para uma demarcação entre os comportamentos entre homens e mulheres, adultos e crianças. O espaço privado passa a ser entendido não como espaço de privacidade, mas como lugar de privação, onde deveriam ficar as mulheres e as crianças, resguardadas a imoralidade do espaço público.

Em contra-partida temos mulheres que fogem do ideal burguês e que cometem atos considerados violentos, em situações mais extremas, como o infanticídio. O infanticídio é motivado, em alguns casos, pelo desespero de jovens mães solteiras, que não conseguem enfrentar o olhar punitivo da família e da sociedade, abandonas pelo namorado ou noivo, levadas a tomar atitudes extremas e desesperadas, sob forte pressão social. Mulheres operárias, que precisam do salário para sobreviver ou mesmo moças de família, que não podem “desonrar” o nome e a tradição familiares.

Ontem, ao meio-dia, o Sr,. João dos Anjos, empregado dos Drs. Christovam de Andrade, Gama & Comp., morador da vagem, próxima à linha de Piau, saindo á procura de uma carneira que havia desapparecido há dois dias, encontrou no brejal uma caçamba velha e debaixo desta um embrulho de saccos também velho e por cima deles um tijolo. Causando-lhe especie o tal achado, o sr. Anjos tratou de verifica-lo . Desfazendo o embrulho, deparou-se estão com uma menina recém-nascida, que aquele sr. levou á suas casa, ligando a esposa desde o umbigo da infeliz criança. Isso feito, d. Jacintha, que assim se chama aquela senhora, correu a vizinhança a ver quem podia pertencer a recém-nascida, pois suspeitava fosso filha de Ricardina dos Santos, que havia dado luz horas antes.

Ricardina confessou ser sua filha a referida criança, acrescentando ser o pae da mesma, Francisco da Silva, morador em Benfica, e hora residente em Vargem Grande. Disse mais a desnaturada mulher que, com vergonha de sua mãe havia ocultado daquela forma a sua filhinha e que pretendia comunicar aquela o ocorrido.A desnaturada mãe pediu a João dos Anjos que não comunicasse o fato a polícia. A notícia, porém, chegou ao conhecimento do sr. delegado de policia que, comparecendo ao local interrogou a Ricardina e as testemunhas João dos Anjos e sua mulher, Leopoldo dos Anjos, Joaquim Pereira de Jesus e Virgilia de Tal, verificando aquella autoridade se tratar de um crime.

Foi nomeado escrivão ad-hoe o sr. Herculano Gonçalves da Silva, sendo convidados para peritos os Drs. Leocardio Chaves e Octaviano Costa. Interrogada habilmente pelo sr. delegado de policia, resolveu Ricardina dizer a verdade, confessando ser o pai da recém-nascida seu cunhado Martins Dias as Silva, casado com sua irmã Carlota, a quem até hoje entretivera relações.

Ricardina disse mais que, há cerca de 15 dias, ela e seu cunhado combinaram fazer desaparecer a criança pelo processo acima descrito, a fim de que o fato não chegasse ao conhecimento de sua irmã Carlota. Em seguida foi interrogado Martins Dias da Silva que caiu em fortes contradições.
Em vista dos depoimentos das testemunhas (...), o sr. delegado fez recolher Martins á cadeia.

_ O dr. Octaviano Costa procedeu a exame a recém-nascida, não encontrando nesta contusões ou ferimentos.
_ A inditosa criancinha ficou em poder de Inez dos Santos. Mãe de Ricardina, que regressou ontem a esta cidade, da viagem que fizera.
_ O estado de saúde da recém-nascida é satisfatório
.”
[16]


A mulher é vista como um ser inferior e perigoso Rachel Soihet, ao estudar a condição feninia e a violência entre as mulheres pobres do Rio de janeiro, depara-se com a intolerância ao sexo feminino, endossada pela ciência médica da época. A mulher normal é classificada como uma semicriminalóide inofensiva. Ela não tem amigos, portanto não comete delitos. As demais dividiam-se em:

a) criminosa nata, mulheres inteligentes e sensuais, consideradas as mais perigosas pois possuíam tendência natural ao mal;

b) as criminosas por ocasião, eram as mulheres perversas que possuíam vícios, mas também tinham algumas virtudes, como o pudor e a maternidade. - estranhamente, as mulheres que cometem o aborto são enquadradas dentro desta categoria;

c) as criminosas por paixão, premeditadoras e perversas, feralmente cometem crimes na juventude – as infanticidas estão neste grupo -, seus delitos são movidos pelo amor sexual (paixão).[17]

Crianças e mulheres, todos inseridos dentro do núcleo familiar, compartilha as aguras de uma sociedade dominada pelos homens adultos. Pobres ou ricos, eles desejam ter controle sobre aqueles que consideram – ou deseja que sejam – inferiores a ele. O controle social começava nas casas de família, se estendia para as áreas de lazer e para as ruas das cidades, onde crianças pobres desacompanhadas de adultos eram consideradas perigosas e mulheres simples do povo, criaturas sem moral. A civilidade pertencia à elite e ela não pretendia compartilhar com os menos favorecidos as vantagens da modernidade. Para ela, civilizar o povo era, acima de tudo, disciplina-lo, mostrando-lhe o seu lugar e o seu papel na sociedade.

Vitimas ora da caridade, ora da violência, mulheres e crianças foram aos poucos ocupando seu espaço dentro do mosaico social da república. A ampliação do ensino público, embora não tenha atendido a todos, foi uma conquista para as crianças, o reconhecimento do seu valor no trabalho – que ela conquista mais a cada ano -, ao voto e à representação política veio trazer à mulher possibilidades maiores de crescimento enquanto gênero e pessoa são elementos da história que vão sendo construídos a cada dia.


[1] Observa este autor ao realizar seu estudo, que muitas vezes opiniões de homens tidos como ilustres e sábios em dado estão em desacordo com outros dados e documentos do mesmo período, sendo elas por si só insuficientes para se compor um panorama geral, pois esses homens geralmente tendem a ver a sociedade da forma como gostariam que ela fosse (Ver: ÀRIES, Philippe. História social da criança e da família. /trad. Dora Flaksman/ 2. ed. Rio de Janeiro; Guanabara Koovam, 1981).
[2] KUHLMANN JR, Moysés, FERNANDES, Rogério. Sobre a História da Infância. In. FARIA FILHO, Luciano Mendes. A infância e sua educação – materiais, praticas e representações.- Belo Horizontes: Autêntica, 2004. p. 16-7.
[3] NARDELLI, Áurea. Uma família sem brasões - memórias.v.1, 2o. ed. Juiz de Fora: ESDEUA Empresa Gráfica Ltda. 1984.
[4] Os investimentos aplicados na carreira escolar dos filhos viriam integrar-se no sistema das estratégias de reprodução, estratégias mais ou menos compatíveis e mais ou menos rentáveis conforme o tipo de capital a transmitir, e pelas quais a geração esforça-se por transmitir à seguinte os privilégios que detém. (BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas - São Paulo; Perspectiva, S.A: 1992). O capital cultural não oferece garantias de ascensão social, mas representa uma possibilidade de melhor de vida ou de melhor gerir o patrimônio material ou imaterial da família.

[5] Moleques atrevidos. Jornal do Commercio. Juiz de Fora, 18 de janeiro, ano XIII, n. 3521, p. 02
[6] Mãe Cruel. Jornal do Commercio. Juiz de Fora, 20 de janeiro de 1900. n. 1053, p.01.
[7] Menor seviciada. Jornal do Commercio. Juiz de Fora, 16 de agosto de 1900, n. 1122, p. 01
[8] NAVA, Pedro. Balão Cativo: memórias/2 – 3ª ed. – Rio de Janeiro, José Olympio, 1977, p. 04 - 09
[9] NAVA, Pedro. Baú de Ossos. – 6ª ed – Rio de Janirio: Nova Fronteira, 1983, p 294
[10] De tendência Marxista, essa autora focaliza em particular o universo operário (urbano) e o conflito de classes, que vai do público ao privado. RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1889-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Ver também, RAGO, Margareth. A sexualidade feminina entre o desejo e a norma moral sexual e cultura literária feminina no Brasil, 1900-1932. Revista Brasileira de História. São Paulo: v. 14, n.28, pp. 28-44, 1994.
[11] ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. /trad. Dora Flaksman/ 2. ed. Rio de Janeiro; Guanabara Koovam, 1981, 220
[12] VEIGA, Cynthia greive. A infância e a modernidade: ações, saberes e sujeitos. In. In. FARIA FILHO, Luciano Mendes. A infância e sua educação – materiais, praticas e representações.- Belo Horizontes: Autêntica, 2004, p. 69-70.
[13] ARAÚJO, Rosa Maria Barbosa de. A vocação do prazer: a cidade e a família no Rio de janeiro republicano. Rio de janeiro, Rocco. 1993, p. 48
[14] Jornal do Commercio. Juiz de Fora, 24 de agosto de 1900. n. 1123, p.01
[15] LEITE, Mirian Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX. Antologia de textos de viajantes estrangeiros. – São Paulo: HUCITE; Ed. da USP, 1984, p. 56
[16] Tentativa de infanticídio. Jornal do Commercio. Juiz de Fora, 24 de janeiro de 1901 n. 1672, p. 01
[17] SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920 – Rio de Janeiros: Forense Universitária, 1989, p. 98-105

sábado, 29 de setembro de 2007

De arranjos matrimoniais a raptos: relações amorosas e, Juiz de Fora no final do século XIX

O texto abaixo é parte de uma comunicação apresentada no III Simpósio Nacional de História Cultural, em setembro de 2006. Apresenta dados sobre a pesquisa que fiz sobre família e relações amorosas, tendo como fontes biografias, memórias e periódicos.


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Tanto Pedro Nava quanto Áurea Nardelli destacam o uso do arranjo matrimonial entre as famílias mineiras, nos séculos XIX e XX. As mulheres, principalmente, eram utilizadas como “moeda” de troca, em acordos familiares. Segundo Pedro Nava, o casamento poderia ser realizado entre pessoas com comportamentos e gênios completamente opostos. Geralmente eram uniões seladas ora pelo julgo de um ou outro cônjuge. Mas havia casos em que os filhos desafiavam a vontade dos pais, como o caso de Regina, filha de Luiz da Cunha, bisavô de Nava, que planejou fugir com o primo Chico Horta, para casar-se, em 1858[1].


Em seu livro Mônica Ribeiro de Oliveira promoveu um estudo do comportamento e social da elite agrária em Juiz de Fora, Zona da Mata, num total de 85 matrimônios (entre os anos de 1840-1870) e destacou dois tipos de arranjos matrimonias: o consangüíneo e o que ela classifica como “aliança/afins/espiritual", onde se destacam as relações de reciprocidade[2].

Esta autora pôde avaliar a importância do casamento para estes grupos, que se preocupavam em preservar e ampliar seu patrimônio, garantindo sua posição social e ampliando seu poder político. Sobre os casamentos consangüíneos, a autora afirma que:

Esses casamentos, além de reforçarem o patrimônio da família e afastarem o “fantasma” da falência, permitiam a solidificação das relações, que não passavam somente por um contrato comercial entre devedor e seus credores, como um negócios de família, cuja fortuna e sangue não se dispersavam. Como os esposos, graças ao pátrio poder, possuíam a autoridade de chefes de família, administravam as heranças de suas esposas, possibilitando cada vez mais, o fortalecimento do patrimônio familiar”.[3]

Já nos casos de arranjos baseados entre alianças realizadas entre família importantes, temos as relações de reciprocidade sendo a maior motivação para o casamento. Segundo Oliveira, por esta prática, obtinha-se a consolidação e preservação do status social de grupos pertencentes à elite. Era uma forma de reprodução social, na qual bens materiais e simbólicos circulavam entre famílias importantes e garantiam a perpetuação de seu patrimônio político e social.

No caso das famílias mais simples, os arranjos matrimoniais eram menos ambiciosos, mas também podiam ser baseados em relações de reciprocidade. Os pais buscavam para suas filhas casamentos nos quais elas trariam para a família um bem, material ou imaterial, que representasse um investimento futuro no crescimento social e/ou econômico do grupo familiar. Daí podemos supor que o rompimento de arranjos ou quaisquer outros fatores que comprometia o futuro casamento de um moça representava forte golpe na organização familiar. Mas entre os pobres havia uma certa flexibilidade que permitia às moças buscar o sonho dourado da felicidade ao lado de seu amado[4].

O período em estudo representa um longo processo de transição de valores, que teve início nas primeiras décadas do século XIX. Essa transição apresenta especificidades e possui um alcance diferente para cada região do Brasil. Dentro de um mesmo Estado, as mudanças irão operar de forma diferente. O comportamento que Oliveira nos relata em sua obra é característico do início do século XIX, quando a homogamia regia as escolhas de parceiro e não se levantava a possibilidade do amor. Já no século XX, a escolha de um parceiro passa a ser, pelo menos na teoria, um tema livre e que tem como base o amor. A valorização do amor baseia-se na legitimidade que ele dá ao matrimônio e na estabilidade e permanência que ele adquire como construtor do espaço doméstico[5].

Os pais desejam traçar o caminho de seus filhos, principalmente de suas filhas, que, segundo as teorias da época, eram incapazes de gerir sua vida sem o auxílio de um homem. Por outro lado, há uma tendência cada vez maior em se romper com arranjos matrimoniais e desafiar a autoridade paterna, em defesa do ideal romântico do casamento por amor. Dentro deste raciocínio, vamos analisar os casos de rapto, nos quais moças rompem com a autoridade paterna e resolvem escolher seu próprio marido. Pelo discurso veiculado pelos jornais da época, podemos sentir o impacto desta prática “amorosa” entre os chefes de família – homens e mulheres.

O amor era a motivação para jovens adolescentes enfrentarem a tutela dos pais e tentar constituir uma nova família. No século XX, ele passa a ser considerado um elemento importante nas uniões matrimoniais. Embora ainda existisse uma forte presença do direito costumeiro, das tradições e a vontade dos chefes de família ainda representasse um obstáculo, cada vez mais jovens tentavam se libertar e fazer suas próprias escolhas. Em Juiz de Fora, foram notórios os casos de rapto noticiados pelos Jornal do Commercio entre os anos de 1900 a 1910.

Em geral, envolviam moças que, enamoradas por rapazes da vizinhança enfrentavam a vontade dos pais e fugiam. A maioria ia parar na delegacia, onde o delegado acalmava os pais e providenciava o casamento, para reparar o dano causado à moral da ofendida e à família. Peguemos como exemplo deste tipo de estratégia amorosa um texto relatando um caso de rapto, datado de 1904, publicado nas páginas do Jornal do Comércio, de Juiz de Fora.

Candido Aures Gomes é homem pacato e honesto que reside no lugar denominado Joazal, fazenda de Bello Monte. Corria-lhe favorável maré de felicidade: em casa havia pão e tranqüilidade de espírito. Momentos de amargura, se havia, desapareciam como que por encanto ao meigo olhar da idolatrada filha Vicentina Lima de Jesus - uma mocinha de 15 anos, despretensiosa e obediente -, alegria de seu lar, enfim.

Em meio de toda essa felicidade, começou a aparecer um ponto negro, ameaçador - cupido despedira a sua alfava envenenada - Vicencia amava... Mas esse amor alastrava, abria em seu inocente coração profundos sulcos - como um grande, trasbordante rio, corroendo o leito argiloso; os sentimentos de liberdade e gozo faziam-lhe pensar em outra existência mais suave, luminosa, em companhia de seu adorado...

E então, em seu celebro fulgurou uma idéia - fugir. Para leva-la a efeito não trepidou: Izabel Lima de Jesus, sua amiga intima, contava 14 primaveras e também já possuía o seu Romeu. Entre ambas foi combinado o plano de fuga, sendo o mesmo premeditado de tal foram e sob tão inviolável sigilo, que absolutamente nada desconfiaram seus progenitores.

Aproveitaram a noite de 23 para 24, louquinhas levaram a efeito a fuga, em companhia de venturosos amantes. Um rondante da linha de ferro os via passar, á uma hora da madrugada em busca de bonançoso recanto...

O pai e avô das raptadas profundamente amargurados oficiaram então ao sr. delegado o ocorrido e dando como causadores dessa desgraça os indivíduos Antônio José dos Santos (pernambucano) e José Leite, mineiro. Afim de serem presos os fugitivos já foram acertadas providências, não sendo de estranhar que hoje mesmo sejam capturados.
[6]

O texto começa ressaltando as qualidades do pai, chefe de família, honesto e trabalhador (não deixa faltar comida em casa) e dedicado à filha. Esta é representada como uma menina inocente, exemplar, que nunca – pelo que dá a entender o texto – teria dado motivos a seu pai para repreendê-la. Um modelo perfeito de noiva, que seria uma boa mãe e futura esposa. O surgimento de um namorado não aprovado pelo pai e o rapto, muito mais que a honra da família, impossibilitou a realização de um arranjo matrimonial que lhes trouxesse vantagens. As duas moças se tornaram uma “moeda” sem valor no mercado matrimonial e, caso não casassem com seus “raptores”, corriam o risco de viverem eternamente na dependência dos pais. O grande vilão do episódio teria sido o amor, que fez a filha enfrentar a autoridade do pai.

É interessante notar que, ao lado da amiga, Vicência planejara a fuga. As jovens não são elementos passivos do processo. Elas estão presentes deste o início. Mas, por serem moças de bem, não podem ser classificadas abertamente como elementos ativos no processo, pois isso macularia ainda mais a honra familiar. Os dois rapazes, que teriam que responder ao processo por rapto – que poderia ser arquivado ou interrompido caso a família das moças decidisse optar pelo casamento – levariam toda a culpa sozinhos, enquanto que para as moças restaria o olhar reprovador da sociedade, que as trataria como “material usado”. O texto, quase Shakesperiano, revela uma face oculta das famílias: o embate entre pais e filhos.

Em outro caso, tivemos a oportunidade de encontrar dois momentos de uma relação amorosa entre uma adolescente e um homem mais velho. Leopoldina Maria da Conceição denunciou à polícia um homem casado, Tancredo dos Santos, que estaria cortejando sua filha. Algum tempo depois, em outra nota, a mesma mulher retorna à delegacia, agora para denunciar o desaparecimento de sua filha, sob suspeita de rapto.

Tancredo do Santos, casado, é um malandro de força. Há dias, encontrando-se com Carmelita do Carmo, ela se enamorou. Daí em diante, não teve mais sossego. Ontem, Leopoldina Maria da Conceição, mãe de Carmelita, achou uma carta em que Tancredo convidava a sua filha para um passeio. Não concordando com isso, Leopoldina foi à polícia pedindo que esta chame às contas o Dom Juan.”[7]

Leopoldina Maria da Conceição, moradora à rua Moraes e Castro, queixou-se ontem à polícia de que sua filha Carmelita do Carmo de 16 anos, desapareceu desde anteontem a noite. Parece tratar-se de um rapto.”[8]

O rapto deve ser seguido de casamento, caso contrário a honra da mulher fica comprometida. Ele tornou-se uma prática comum no Brasil já no século XIX, quando os jornais já noticiavam casos de jovens casais que fugiam para se casar.[9] Uma moça vítima passiva ou não de rapto, caso não se casasse, passava a ocupar um outro status social. Mesmo que ela se tornasse uma mulher trabalhadora e pagasse suas dívidas, não seria mais qualificada como uma mulher séria, e, portanto, dificilmente conseguiria um bom casamento. Casar as filhas era a maior ambição dos pais e, como já vimos, poderia ser considerado um negócio lucrativo para a família.

Em alguns casos, o casamento era realizado na delegacia, onde ficava o autor do rapto. O rapaz ficava na delegacia, enquanto a moça era “depositada” na casa de algum parente ou amigo da família. A ação era planejada por ambos, que utilizavam dos diversos códigos disponíveis na época para se comunicarem – bilhetinhos, sinais, recados transmitidos por amigos. Se os encontros eram dificultados pela vigilância da sociedade, sempre havia outras formas de se estabelecer contatos, planejar fugas, etc.

Nem todos os casos de casais enamorados terminaram em rapto seguido de casamento. Algumas moças não recebiam permissão dos pais para casar, nem mesmo após terem fugido, e, em outros casos, quando a moça aceitava a decisão do pai e terminava uma relação amorosa, o resultado poderis ser trágico, terminando até mesmo em morte.[10]

Nardelli nos relata o caso dos próprios pais, cujo casamento foi realizado quase que contra a vontade da família da mãe. O namoro do dois era vigiado: eles nunca ficavam sozinhos. Ela tinha 15 anos e ele, 26 quando ficaram noivos. O pai de Angelina não aceitava o namoro, mas não pôde impedir o casamento: casaram-se: ela com 16 e ele com 27. Apesar da rigidez do avô, a mãe de Nardelli consegui casar-se com o homem que havia escolhido[11]. Talvez a ameaça de rapto ou mesmo sua suspeita permitisse aos casais conseguir autorização para o casamento, sem ter que chegar a extremos. O casamento por opção não era inexistente. Muito pelo contrário, ele podia ocorrer em diversas circunstâncias, mas podia ser dificultado entre as famílias abastardas, nas quais a prática de alianças e casamento consangüíneo colocavam os interesses econômicos do grupo acima das escolhas individuais.

A análise dos casos de rapto também reflete a função civilizadora e vigilante dos jornais locais, que expõem a vida privada, especialmente das pessoas que pertencem a grupos menos privilegiados. Misturam riso e dor, em artigos jornalísticos tendenciosos. Os raptos são um exemplo disso. Quando resultado de uma relação amorosa proibida, assumem um tom melodramático; quando revelam um comportamento imoral e criminoso, é descrito com revolta; em outros casos, com banalidade, chacota ou mesmo descaso, onde a violência contra a mulher – em geral de menor idade – interessa menos do que o ato em si, como podemos verificar através da leitura do relato feito em 1906, em que um homem rapta três menores:

Foi preso em Cataguases, deste estado, um indivíduo que raptou de uma só vez três menores... Três! A lavoura precisa de braços, pensou com certeza este mariola. Mas ... a polícia após embargos à ligeireza... Não estamos na Turquia, e não é licito ir assim com tanta sede ao pote.[12]

Em alguns casos, os fujões podiam ser vítimas de sua própria armadilha. Em mais de uma ocasião foi possível encontrar relatos de casais abordados por terceiros, agredidos e de moças que sofreram violência sexual ao fugirem de casa com seus namorados. Uma vez identificados os “fujões”, homens e mulheres mal intencionados se aproveitavam para fazer realmente um rapto. As meninas ficavam, desta forma, expostas a um risco maior, o castigo dos pais[13].

Referindo-se à civilidade dos homens e mulheres da sua época, Nava comenta que, por trás da capa de civilidade, havia algo de “chulo” entre os homens e mulheres de bem, que estavam dispostas a se meterem em brigas com vizinhos ou parentes, se fosse necessário. A civilidade terminava quando os interesses da família ou mesmo os interesses individuais estavam em jogo[14].

[1] NAVA, Pedro. Baú de Ossos. – 6ª ed – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p 121.
[2] OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de família:mercado, terra e poder na formação da cafeicultura mineira. 1780-1870. Bauru – SP: Edusc; Juiz de Fora, MG; FUNALFA, 2005.
[3] OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Op. Cit., p. 168-9.
[4] Sobre as relações amorosas e arranjos matrimonias no século XIX, Mary Del Priore escreve; “Carinho e amor são aspectos relevantes nos casamentos de pobres e libertos. Talvez por isso estas uniões não se desfizessem com facilidade. Os padrões de moralidade eram mais flexíveis e havia pouco a dividir ou a oferecer em um vida simples.” In: DEL PRIORE, Mary. História do Amor no Brasil. – São Paulo: Contexto, 2005, p. 159.
[5] TRIGO, Maria Helena Bueno. Amor e casamento no século XX. In. D´INCAO, Maria Helena (org.) Amor e família no Brasil – SP: Contexto, 1989, p. 88-90.
[6] Jornal do Commercio, Juiz de Fora, 02 de março de 1904, ano IX, n. 2325 p. 01
[7] Jornal do Commercio, Juiz de Fora, 07 de abril de 1910, ano XV, n. 4192, p. 01
[8] Jornal do Commercio. Juiz de Fora, 02 de fevereiro de 1911, ano XVI, p. 01.
[9] Segundo Mary Del Priori, Gilberto Freire afirma que os jornais do século XIX estavam cheios de notícias sobre o assunto e que o representava o desejo da mulher de sexo e de querer bem. DEL PRIORE, Op. Cit., p. 147
[10] Américo Mathias Alves Moreira, português, 24 anos, residia no Brasil, cerca de 2 anos cortejou a prima, Mathilde, 23 anos. No entanto, a família dela não aceitou o casamento, oferecendo a mão da filha para um jovem turco, João, de apenas 17 anos, comerciante. Américo jurou vingar-se. José de Paula ainda provocava o rival. Certo dia, foram os noivos e a mãe da noiva para Juiz de Fora fazer comparas para o enxoval e encontraram com Américo, que deu algumas bofetadas em João que sacou o revólver e o matou ali mesmo. Crime Passional em um trem da Central - Um assassino de 17 annos. Jornal do Commercio, 18 de julho de 1909, ano XIV, n. 3960, p.02
[11] NARDELLI, Áurea. Uma família sem brasões - memórias.v.1, 2o. ed. Juiz de Fora: ESDEUA Empresa Gráfica Ltda. 1984, p 30-2
[12] Jornal do Commercio, Juiz de Fora, 08 de maio de 1906, ano XI, n 2944, p. 02
[13] O Jornal do Comércio, relata o caso de dois casais que fugiram e foram abordados por um homem, que levou uma menor a força. (Jornal do Commercio. Juiz de Fora, 02 de julho de 1909, ano XIV, n 3946, p.01).
[14] NAVA, Pedro. Balão Cativo: memórias/2 – 3ª ed. – Rio de Janeiro, José Olympio, 1977, p. 69.

NOGUEIRA, Natania A. da Silva. A família mineira: impressões e narrativas (Juiz de Fora, 1850-1920). In: Anais do III Simpósio Nacional de História Cultural: mundos da Imagem – do texto ao visual. Florianópolis, UDSC, 2006. Anais eletrônicos.

sábado, 8 de setembro de 2007

Educação, História e Cultura no Brasil Colonial

Esta semana eu tive a oportunidade de participar do VII Encontro do Grupo de Pesquisa – DEHSCUBRA - Educação, História e Cultura no Brasil (1549-1759), nos dias 3 e 4 de setembro, realizado na UNIFAI – Centro Universitário Assunção, São Paulo. O objetivos do grupo, formado por pesquisadores de vários centros universitários dos Estados do RJ, MG, SP e PR, é de analisar a problemática que envolve a educação, a historia e a cultura no período colonial e fomentar os estudos do primeiro período colonial, marcado no Brasil pela presença jesuítica.

Os encontros do grupo acontecem anualmente e são dividios em duas partes: na primeira, pesquisadores da área são convidados a partilhar com o grupo suas experiências e resultados de pesquisa; na segunda, o grupo se reúne para traçar metas e debater resultados sobre pesquisas realizadas por seus membros efeitivos, procurando sempre melhores caminhos para o desenvolvimento de suas atividades.

Neste ano, dois pesquisadores foram convidados. No dia 3 de setembro de 2007, a Prof(a). Ms. Teresa Cristina dos Santos deu a palestra inaugural com o tema A atuação dos jesuítas na Amazônia. Um trabalho maravilhoso, realizado com uma fonte documental muito rica: crônicas jesuítuicas que contém relatos sobre o funcionamento de reduções na região dos Maynas (Quito), envolvendo um enorme complexo missionário sob controle da Companhia de Jesus. O trabalho resultou em sua dissertação de mestrado, em 2001, mas não se encerrou com ela. A pesquisadora pertence a um grupo que produz continuamente material sobre o tema.

Para o dia 4 de setembro, a palestra inicial foi proferida pelo Prof. Dr. Paulo José Carvalho da Silva (PUC-SP), que trabalha com História da Psicologia no Brasil Colonial. O tema da palestra foi Os jesuítas e a alma indígena, na qual o pesquisador analisa as patologias da alma e dor como formadoras da identidade dos jesuítas. Também uma apresentação muito interessante, oferecendo novas possibilidades de análise da ação deste grupo missionário no Brasil, durante o período colonial.

Os trabalhos foram encerrados com o lançamento oficial, entre os participantes, do livro Educação, História e Cultura no Brasil Colonial, contendo textos de vários pesquisadores do grupo. Uma obra muito rica em informações sobre um período ainda pouco estudado, resultado do trabalho desenvolvido durante os últimos sete anos pelo grupo de pesquisa. Eu adquiri o livro e estou apreciando muito sua leitura. Caso alguém se interesse pela obra, pode entrar em contato com o Prf. Dr. Célio Juvenal, pelo e-mail célio_costa@terra.com.br

O grupo, em breve, terá seu portal na internet, onde suas atividades e sua produção estarão disponíveis ao público interessado (professores, pesquisadores ou mesmo amantes da nossa história).

Embora eu não seja pesquisadora da área – nem sei se posso me considerar uma pesquisadora – gosto muito de participar dos encontros do grupo, nos quais sou muito bem acolhida, pois acho que o tema merece atenção. Durante a graduação e mesmo na minha pós-graduação a História do Brasil Colonial praticamente foi ignorada pelo programa, sendo ministrado um conteúdo quase simbólico, mais concentrado no século XVIII, na região das Minas Gerais.

Ocorre, infelizmente, uma preferência acadêmica pelos séculos XIX e XX. Embora eu tenha desenvolvidos meus trabalhos dentro deste período, motivada pela orientação regionalista do meu curso de especialização, acho esta realidade lamentável, pois a história de uma nação não se constrói privilegiando algumas partes e desprezando outras. Como professora de História eu devo estar preparada para guiar meus alunos na construção do conhecimento histórico sem discriminar períodos, rotulando-os como mais ou menos importantes. Fazendo esta divisão eu estaria reforçando uma idéia preconceituosa da história enquanto conteúdo e ciência.