terça-feira, 22 de agosto de 2017

PASSADO E PRESENTE NOS QUADRINHOS DE CHANTAL MONTELLIER

Capa da edição de 1980.
Assisti hoje a uma entrevista de Chantal Montellier sobre a reedição  de um de seus álbuns "Shelter Market", publicado originalmente em 1980, pela  Les Humanoides Associés.  O que esta história em quadrinhos de 37 anos tem de tão interessante para render uma entrevista na televisão?

Sua atualidade!

Shelter Market  conta a história de um casal que fica confinado em um grande centro comercial subterrâneo adaptado para se tornar um abrigo antinuclear, após o ataque a duas usinas nucleares. Todos deverão permanecer confinados até que o desastre seja contido, o que pode levar meses, talvez anos. 

Trata-se de uma distopia que gira em torno da paranoia e do medo gerados por uma ataque nuclear em um grupo de pessoas, agora obrigadas a convier em um abrigo por tempo indeterminado e submetidas a um regime autoritário.

Quando foi originalmente lançada, na década de 1980,  a HQ refletia o medo contínuo de uma guerra nuclear, que marcou os anos da Guerra Fria. Hoje ela permanece atual, principalmente na França, se levarmos em conta a paranoia gerada pelos ataques ocorridos nos últimos anos. Esse clima de medo e incerteza e tem favorecido a emergência de lideranças conservadoras que ameaçam constantemente as liberdades conquistadas no último século.

Chantal Montellier em sua obra não apenas coloca nos quadrinhos a angústia dos anos de 1980 como, também, profetiza os tempos sombrios que tomaram conta do século século XXI, marcado por crises sociais, ideológicas e politicas.

Shelter Market nos transporta para um microcosmos social onde se desenrolam disputas, abuso de poder, violência física e simbólica, censura, etc. O álbum ainda faz uma forte crítica ao consumismo da nossa sociedade, uma ameaça ao planeta talvez tão grande quanto o terrorismo e a guerra. 

Durante sua estadia no Brasil, em maio, Chantal expressou sua angústia pelos tempos sombrios pelos quais o mundo, em especial a França, tem passado. Sua preocupação com a expansão de ideias fascistas e com o aumento das desigualdades. Talvez por isso a reedição de Shelte Market seja uma forma de alertar para os perigos do avanço da paranoia social, que nos leva a atos de intolerância e reforça discursos autoritários.

Encerrando, eu disponibilizei a entrevista da autora sobre o álbum (em francês), para quem quiser conhecer melhor os posicionamentos da autora.


segunda-feira, 21 de agosto de 2017

EDUCAÇÃO E QUADRINHOS: 2º ENCONTRO NACIONAL DOS QUADRINHOS

A capital francesa dos quadrinhos não para. Nos dias 5 e 6 de outubro vai acontecer o 2e Rencontres Nationales de la bande dessinée (2º Encontro Nacional dos Quadrinhos),  na cidade de Angoulême. O tema central será "Educação e quadrinhos." 

Na França, o assunto não é novidade. Nos anos de 1960 surgiram periódicos especializados nos quadrinhos. Um dos mais importantes foi o jornal Pilote (1959-1989), direcionado ao público adulto. Vai ser também neste período que a perspectiva de professores em relação às HQs vai começar a mudar. Na década seguinte os quadrinhos começaram a ser reconhecidos como um meio educacional, e nos anos de 1980 e 1990, fizeram parte de campanhas de incentivo à leitura.
 
Na década de 1970 que as HQs conquistaram um espaço até então inédito. Em 1970, Antoine Roux publica um livro que coloca o tema em debate: La Bande Dessinée Peut Être Éducative (A História em Quadrinhos pode ser Educativa). Em 1976, a Larousse publicou a História da França em Quadrinhos, com fins puramente educacionais. Além disso, as HQs passaram a ser utilizadas, por exemplo, no ensino de latim e de filosofia nas universidades e até no ensino regular.


Em 1977 foi realizada em Roque d'Anthéron a primeira conferência internacional "Quadrinhos e Educação", cuja segunda edição ocorreria dois anos depois. Ambos os eventos deram origem a duas publicações importantes:  Lecture et bande dessinée (Leitura e História em Quadrinhos)  e Histoire et bande dessinée (História e História em Quadrinhos).

Esta segunda edição do Encontro Nacional dos Quadrinhos em Angoulême pretende fazer um balanço acerca das realizações do potencial dos quadrinhos na educação. Ela vai reunir autores, professores, intelectuais e especialistas. O encontro está recebendo o apoio do Ministério da Cultura e Comunicação, do Ministério da Educação e dos États Généraux de la Bande Dessinée. (Estados Gerais dos Quadrinhos). 

A coordenação do encontro está a cargo de Jean-Philippe Martin, Conselheiro Científico da Cidade Internacional dos Quadrinhos e da Imagem. A participação é gratuita, mas é necessário se inscrever.

Para mais informações, entre em contato com Virginie Berger (em inglês ou francês)  pelo e-mail  vberger@citebd.org


CORA CORALINA E O PODER DAS PALAVRAS

Imagem disponível em: https://www.blahcultural.com/biografia-de-autor-cora-coralina/,acesso em 20 ago. 2017.

No dia 20 de agosto comemorou-se o 128º centenário do nascimento de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nome da poetisa Cora Coralina. Nome que ela tomou emprestado de uma mulher que conheceu. Achava-o melodioso ao ser pronunciado. 

Ela nasceu em Goiás, em meio a crise do império, no ano em que seria proclamada a república no Brasil, 1889. Cora não nasceu em um Brasil escravocrata mas foi prisioneira de uma sociedade androgênica e patriarcal, assim como tantas outros mulheres. 

Cora Coralina encontrou sua libertação na poesia. Poesia onde o eu feminino está sempre sente. Uma poesia que buscou aproximar todas as mulheres, mesmo aquelas que a sociedade estigmatizou. 

Mulher da vida

Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.

Cora era uma transgressora em vários sentidos. Fugiu para viver com um homem mais velho e divorciado, contrariando a família e a moral da sua época. Vendeu livros, trabalhou em jornais, fez doces e criou seis filhos após a viuvez. Ela tinha apenas o ensino primário e se tornou um dos maiores nomes da literatura do Brasil. 

Não era propriamente uma desconhecida do mundo literário. Chegou a ser convidada para participar da semana da  Arte Moderna, em 1922, mas seu marido não permitiu. Já idosa, sua obra foi apresentada ao grande público por ninguém menos do que Carlos Drummond Andrade, que sobre sua poesia disse:

"É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia."

O mesmo Carlos Drummond, mineiro de Itabira, que reconheceu o talento daquela senhora e que este ano foi homenageado pela FLIMINAS - Festa Literária de Minas Gerais -, que ocorreu entre os dias 17 e 20 de agosto,  na cidade de Rio Novo (MG), encerranda justamente no dia do nascimento de Cora Coralina.

E como não se encantar por aquilo eu nos faz sentir prazer, que nos faz descobri novos mundo e aflorar novas paixões? O mundo seria mais triste sem a poesia, sem a literatura, sem os quadrinhos. Tudo que nos faz sonhar e nos leva pra longe da realidade é o que, na verdade, nos fortalece para que possamos enfrentar os obstáculos do dia a dia. 

O poder da palavra é inegável. Dela se constroem os discursos, dela se edificam nações. Ela abre o mundo para as muitas "Coras", que se expressam através das letras. 

Ana Lins morreu em 10 de abril de 1985, mas Cora Coralina vai viver para sempre na memória da literatura brasileira.


quinta-feira, 3 de agosto de 2017

BIOGRAFIAS EM QUADRINHOS - ANÁLIA FRANCO

Já há algum tempo eu estou para ler a analisar uma publicação em quadrinhos sobre a obra e vida de Anália Franco. É um quadrinho biográfico que fala de dois episódios da vida desta mulher, nascida na cidade de Resende no dia 19 de fevereiro de 1856 e falecida em 20 de Janeiro de 1919.

Anália foi professora, jornalista, poetisa, romancista e filantropa, tendo fundado mais de sessenta escolas e pelo menos vinte asilos para abrigar meninas órfãs. Dedicou sua vida a ajudar outras mulheres, através de uma instituição que criou em 1901, em São Paulo, quando para lá se mudou, a “Associação Feminina Beneficente e Instrutiva”, que presidiu até sua morte, em 1919.

É uma rara obra em quadrinhos sobre uma mulher que dedicou-se a ajudar outras mulheres. Pelo menos em termos de biografias, os quadrinhos nacionais se dedicaram a falar da vida de santos ou de figuras históricas como a Princesa Isabel, por exemplo. Um quadrinho contando a vida de uma mulher comum, uma professora, é uma novidade para mim.

Mas Anália não foi bem uma mulher comum, foi uma mulher notável, mas que só ganhou visibilidade por estar ligada ao espiritismo. Ela seguia a doutrina espírita kardecista, Foi basicamente uma missionária que dedicou sua vida a servir ao outro. 

HQs religiosas não são minha especialidade mas, como leitora, eu até então não tinha visto nada relacionado à doutrina espírita em quadrinhos, salvo a biografia de Chico Xavier. Por isso eu pesquisei e encontrei outros quadrinhos espíritas, como o Espiritismo Kids, o blog Quadrinhos do Invisível, que tem webcomics espíritas, O personagem infantil "O Espiririnha" e até uma edição da Turma da Mônica!

Voltando à HQ dedicada a Anália Franco, a obra é assinada por Roque Jacintho, jornalista, contabilista e radialista, autor de vários livros nas áreas  jurídica, tributária, economia, administrativa, infantil e espírita. O quadrinho foi publicado pela editora espírita, FEB e pode, inclusive, ser adquirido pelo site da editora. O ano original da publicação não foi possível determinar, pelo menos não numa busca inicial e nem a autoria das ilustrações. O único autor creditado é Roque Jacintho.


As duas passagem narradas nos quadrinhos falam sobre dois temas que marcaram a vida desta mulher. Primeiro sua relação com a Igreja Católica, que muitas vezes atacou sua obra por ser ela baseada na doutrina espírita. Na primeira passagem a HQ mostra o preconceito contra a religião e, ao mesmo tempo, uma lição de tolerância religiosa. 

A segunda narra um episódio ligado à epidemia de febre espanhola, em 1918, que ameaçou as meninas de um abrigo gerenciado por Analia Franco. Mostra a luta da benfeitora para tentar salvar as meninas. Ironicamente, Anália morre no ano seguinte, vítima da febre espanhola, uma vez que se arriscou para cuidar das crianças e não foi forte o suficiente para sobreviver à doença.


Não entrando no mérito religioso, vale destacar que se trata de um quadrinho que pode ser considerado alinhado ao feminismo, uma vez que a protagonista é uma mulher e uma mulher dedicada a ajudar outras mulheres. Mas não é uma quadrinho feminista.

É um quadrinho histórico, pois narra fatos que ocorreram no início do século XX. Um quadrinho educativo, por assim dizer, e que pode ser usado para tratar de questões sociais e mesmo para discutir sobre a questão das doenças e da medicina no Brasil da Primeira República.

Fica como dica a leitura de uma dissertação de mestrado defendida recentemente sobre esta curiosa personagem feminina da nossa história.

CHAGAS , Floriza Garcia. Álbum das meninas, Revista Literária e Educativa dedicada às jovens brasileiras: estudo de um impresso de anália franco (1898-1901). Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo, na linha de pesquisa: sujeitos, saberes e processos educativos, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, Guarulhos, 2016. Disponível em: http://ppg.unifesp.br/educacao/defesas-1/formularios/dissertacoes/2016/floriza-garcia-chagas, acesso em 03 ago. 2017.