terça-feira, 31 de dezembro de 2013

As 10 postagens mais lidas de 2013

No espírito dos melhores do ano, resolvi dar uma olhada nas minhas postagens do Blog de História e Ensino e fiz uma listagem com as postagens mais acessadas de 2013. Confira se você leu e, se não leu, não custa dar uma espiadinha, né?

  1.  EXPOSIÇÃO CONTA A HISTÓRIA DE LEOPOLDINA - 204 leituras
  2. DOAÇÃO DE LIVROS PARA CABO VERDE - 190 leituras
  3. SÍMBOLOS REGIONAIS: O BRASÃO DE LEOPOLDINA - 182 leitura
  4. Matéria do 7º ano: Período colonial (parte 01) - 155 leituras
  5. REVOLUÇÃO FRANCESA: SLIDES PARA ALUNOS DO 7º ANO - 152 leituras
  6. Lado a lado: história e feminismo - 150 leituras
  7. A CHACINA DA LAPA - DITADURA MILITAR - 138 leituras
  8. A poesia chegou antes do poeta: Augusto dos Anjos - 132 leituras
  9. ENQUETE MOSTRA O QUANTO (NÃO) SABEMOS SOBRE A NOSSA HISTÓRIA - 129 leituras
  10. Artigo publicado na Revista labrys, estudos feministas (UnB) - 127 leituras


As sete melhores coisas de 2013



Nunca parei para elencar as melhores coisas que me aconteceram durante um ano. Parece estranho, mas a gente tende a lembrar das coisas ruins e esquecer as coisas boas que acontecem. Então eu resolvi listar (até para manter essa memória positiva) algumas das coisas boas de 2013.


1. Minhas férias em Arraial do Cabo com a Renata e a Luisa. 
Eu estava triste e traumatizada com o acidente de carro que eu sofri no final de dezembro. Renata e Luisa me convenceram a ir com elas para Arraial do Cabo. Eu não queria, a princípio, mas acabei me divertindo muito e me ajudou a dar uma relaxada depois de tanto stresse.

2. O Mestrado em Niterói.
O Rodrigo Fialho praticamente me obrigou a fazer a inscrição no mestrado em história. Eu não tinha lá muita fé de que passaria, mas meu projeto foi aprovado, então eu arrisquei. E não é que fui aprovada? O mestrado fica entre as melhores coisas que me aconteceram este ano. Não apenas por poder voltar para a faculdade (sinto saudades), mas porque me permitiu conhecer pessoas maravilhosas e fazer novas amizades, tanto com colegas mestrandos, quanto com professores. Quando é que eu ia sonhar em fazer pesquisa sobre quadrinhos, num mestrado de história e tendo como orientadora Mary Del Priore? Pois é, como dizem meus ex-alunos, é top!

3. A criação da ASPAS e o 1º Entre Aspas.
Duas coisas muito importantes, uma relacionada a outra. Demos o ponta pé inicial para ampliação de nossas pesquisas em arte sequencial com a criação da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial (ASPAS), com sede aqui em Leopoldina. Em seguida, oficializamos isso reunindo pesquisadores vindos de todas as partes do país, durante três dias, no 1º Entre Aspas. Foi muito bom, principalmente porque possibilitou estar próxima aos amigos distantes, com quem a gente muitas vezes se comunica apenas por e-mail e rede social.

4. Novas amizades e demonstrações de afeto
Uma coisa que aconteceu durante o ano, que me deixou muito contente, foram as várias visitas que recebi de ex-alunos, como Artur, Lucas, Camilla, Eduarda, Clara, Lucca, Jaime, Carol Bárbara e tantos outros. Foi tão bom receber o afeto deles, mesmo não sendo mais sua professora. Foi algo que me marcou muito, principalmente porque não foram acontecimentos isolados. Todo mês, pelo menos uma, alguém aparecia para me ver.  Eles me convidam para vistá-los, me chamam para suas festas, ou me dão susto no meio da noite tocando minha campainha para me dar amendoim doce. Isso marca a gente. Receber carinho nunca é demais, né! Além disso, as novas amizades, de todas as idades e os recadinhos dos ex-alunos os quais eu não tinha notícias há anos, que pipocaram no facebook (até me animei a manter minha rede social). Entre os colegas de trabalho acabei reforçando amizades e passando a admirar pessoas com quem eu tinha pouco contato e pouca abertura para conversar. A gente acaba descobrindo que por trás de uma fachada séria se escondem pessoas doces e meigas. Não é pouca coisa não.

5. A visita do meu amigo Jalil, em setembro. 
Pois é, a gente às vezes faz amizades e elas se perdem com o tempo e a distância. Não é o caso do Jalil. Eu o conheci em 1994 e desde de então não perdemos contato. Digo e repito: ele é responsável pelos meus sucessos profissionais até mais do que eu. Foi a pessoa que me incentivou a pesquisar e estudar mais, que viu potencial em mim onde eu não via e que me deu as minhas primeiras oportunidades de publicação. Ano que vem, serão 20 anos de amizade, eu aqui no Brasil e ele lá na Suíça. Isso merece ser lembrado, né?

6. Conhecer Alto Caparó.
De longe, um dos melhores passeios que eu fiz na minha vida. Renata e Luisa acham que viajar é um bom remédio para mim. Pois é, em janeiro me levaram acidentada para a praia, em novembro, me carregaram com infecção de garganta para a cachoeira. E não é que voltei quase boa? Alto Caparaó é lindo. Quero poder voltar em breve, com mais amigos e sem garganta inflamada.

7. Redescobrindo o prazer da leitura
Pois é, isso foi uma das melhores coisas do ano. De uns tempos para cá tenho lido por obrigação e acumulado leitura, havia esquecido do prazer da leitura por diversão. E quem fez voltar o meu prazer por ler foi a Bárbara Pontes, que me indicou um livro da Cassadra Clare. Li, gostei, comprei outro, outro e mais outro. Fiquei fã e li 8 livros em 40 dias (quase 4000 páginas). E com essa ânsia por leitura me ajudou no mestrado pois tornou minhas leituras de estudo mais dinâmicas. Minha mente relaxou com a ficção e deixou a história fluir melhor.

Imagino que esteja esquecendo algumas coisas, mas sempre se pode editar um texto, né? 

No mais, agradeço imensamente o carinho dos amigos e a considereação dos colegas, agradeço pela saúde da minha família e dos meus familiares e seu que 2014 será um ano muito melhor até porque acho que 80% daquilo que nos faz estar feliz é resultado das nossas ações e apenas 20% ficam para o acaso. 

Feliz 2014!



sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Guerra nas Estrelas, educação, cultura pop, religião e tecnologia

Hoje eu recebi na minha casa algumas ex-alunas e um agregado (que poderia ter sido meu aluno). Vieram para assistir a um clássico do cinema de ficção científica Guerra nas Estrelas (Star Wars), episódio IV. Eles tinham um conhecimento prévio do enredo (em maior ou menor escala), mas não tinham visto ainda o primeiro filme.

Para quem é da minha geração (e da geração anterior a minha) não tem como não conhecer a famosa trilogia, lançada em 25 de maio em 1977 e que, muito tempo depois, em 1999, foi estendida ganhando mais três filmes.

Fonte: http://goo.gl/bJW69x 

 O que é interessante nesses filmes é que eles não perdem o encanto. Hoje, por exemplo, eu vi a garotada levar até susto e se admirar com a qualidade dos efeitos especiais. É difícil encontrar quem não conheça a série ou já ouviu falar dos filmes,  ou que não conheça Darth Vader, o vilão. 

De Guerra nas Estrelas foram (e ainda são) produzidos jogos, animações, brinquedos e uma série de produtos que fazem sucesso e rendem rios de dinheiro.

E olhe que se passaram 36 anos!

"Efeitos surpreendentes para a época, simplesmente fantástico. Star Wars sempre será incrível, até mesmo daqui a 100 anos" (Darlan Mariano, 16 anos)

“O filme pra época tem efeitos muito bons. É muito legal e prende nossa atenção, nos deixa querendo ver os outros pra ver o que ira acontecer” (Clara Fioresi, 15 anos).

Mais do que uma revolução nos efeitos especiais, sua mensagem também atravessou o tempo. É uma saga épica, uma odisseia no bom estilo grego e possui, também, um enredo recheado de mensagens de fundo religioso.

Ser Jedi é incorporar e  passar uma mensagem religiosa.  Existe em Guerra nas Estrelas (e me corrija Iuri Reblin, se eu falar alguma besteira nesse sentido), a ideia de conversão e de salvação.

Por exemplo, Han Solo, a princípio, é um cético, alguém sem fé. Durante a trilogia, ele muda, se converte e passa a acreditar na "força". Luke  Skywalker se entrega desde o início, como se abraçar a filosofia Jedi fosse algo predestinado. No final do episódio IV o espírito de Obi-Wan Kenobi lhe dá uma ordem: "Desligue o computador e confie nos seus sentimentos". Ele o faz, mesmo que isso contrarie a lógica. Um salto de fé, como muitos outros que acontecerão até que a trama se encerre, no episódio VI.

Fonte: http://goo.gl/Inuz4L

Aquele pequeno grupo, que se une pela fé, que enfrenta um inimigo que não pode, teoricamente, ser vencido pois é militarmente e numericamente mais forte, oferece esperança, oferece salvação. Luke Skywalker assume o lugar do pai, Anakin, como salvador.

Há também o arrependimento e o perdão. O perdão do filho pelos pecados do pai, o arrependimento do pai pelas ações que levaram à morte da esposa, de amigos e inocentes. Eu diria que o conteúdo teológico é imenso e não tem como não ser abordado numa sala de aula sem que se produza aí um material riquíssimo.

Aliás, criou-se uma igreja inspirada na série que, em países como Austrália, República Checa e Inglaterra, possui quase 100 mil de adeptos (cavaleiros Jedi).
O filme em si, se tornou atemporal, mas os atores que interpretaram os protagonistas envelheceram. E é um choque quando se percebe isso. A imagem que está no filme é aquela que se fixa na nossa mente. 

Logo após assistir ao filme de 1977, eu busquei imagens dos atores atualmente e, mesmo racionalmente sabendo que eles estavam diferentes, não deixei de me espantar. 

Fonte: http://goo.gl/b1a89d
Fonte: http://goo.gl/KG9Wqg

Reconheço meu próprio envelhecimento (tinha seis anos quando o filme foi lançado e só fui mesmo assistir quando tinha meus 11 ou 12 anos), mas perceber essa mudança em ícones da cultura pop que marcaram minha juventude, parece mais difícil. Mostrei as imagens para os meus convidados e registei suas reações:

"Eles mudaram muito, mas ainda tem um pouco dos personagens em cada um deles." (Luisa Arantes, 16 anos)

A idade chega para todos, porém seus personagens serão eternos! (Darlan Mariano, 16 anos)

Eles mudaram muito! Alguns (atores) nem são mais fisicamente reconhecidos. (Clara Fioresi, 15 anos).

Não devemos esquecer, também a questão do contexto histórico em que a série foi originalmente produzida. Em plena Guerra Fria. 

A ideia de Império Galáctico, de tirania, de revolução tem tudo a ver com o que acontecia naquele momento.  Países imersos em conflitos, rebeldes que recebiam apoio dos Estados Unidos ou da antiga União Soviética. 

Outra questão que ganha destaque é a da tecnologia, muito presente nos anos de 1970 e 1980. É a época da corrida espacial, da criação de novas armas de destruição em massa (no filme temos a estrela da morte), a expansão dos meios de comunicação, da robótica, etc. É quase impossível dissociar tudo isso do material que era produzido nos Estados Unidos para consumo, seja ele tecnológico ou cultural.

Fonte: http://goo.gl/FvwlJT

É fascinante como um produto, destinado para o consumo em massa acaba, assumindo um papel mítico dentro do imaginário social. Um artefato cultural que gerou e ainda gera reações diversas, apaixonadas e que sobrevive num tempo em que conhecimento parece tão volátil e efêmero, em constante mudança. 

Eu consigo enxergar aqui tema para aulas e história, sociologia, teologia, filosofia, ciências, física e até robótica. Mania de professora.

Mas são apenas alguns devaneios inspirados possivelmente pela experiência de dividir com a garotada uma experiência de infância. No mais, que a força esteja com você.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O PRINCIPE MALDITO: COMENTANDO A LEITURA

Como nas férias estarei envolvida com leituras obrigatórias e opcionais, acho que é um bom exercício resenhar, mesmo que brevemente, os livros que vou ler, até para uma referência futura.

Ao contrário dos outros textos que escrevi, fazendo análises críticas dos livros que eu li para o mestrado neste segundo semestre de 2013, o texto de hoje é bem mais curto e leve. São comentários e impressões sobe o livro, e não uma análise teórico-metodológica.


Minha primeira leitura oficial de férias, que encerrei há alguns minutos, foi o livro "O príncipe maldito", da historiadora e escritora Mary Del Priori. O livro fala sobre um personagem da história do Brasil que eu praticamente não conhecia: o príncipe Pedro Augusto, filho da Princesa Leopoldina, neto mais velho de D. Pedro II. 

No livro, a família real desfila sua intimidade. Dom Pedro II, Princesa Isabel, Conde d’Eu e outros personagens históricos estão envolvidos em uma trama que envolve a sobrevivência da monarquia brasileira.

Império não é necessariamente um período sobre o qual eu tenha muitas leituras. Sou uma pesquisadora do século XX e da República. No entanto, estou com muitos livros sobre Império que preciso ler inclusive outros da Mary Del Priori. Preciso, não porque sou obrigada, mas porque me sinto carente de conhecimento sobre o tema.

Voltando ao livro, a primeira coisa que chamou minha atenção foi o fato dele ter sido escrito a partir de fontes como correspondências pessoas entre membros da família real brasileira e deles com outros personagens da nossa história, uns mais outros menos conhecidos. Durante toda a leitura do livro, eu me deparei com nomes familiares e de interesse pessoal como, por exemplo, a Baronesa do Bonfim e o Barão de Teffé.

Outra coisa que me despertou o interesse foram as várias passagens onde se fala da vida privada da Princesa Leopoldina. Eu fiquei encantada. Minha cidade, Leopoldina, tem seu nome em homenagem a ela. No entanto, eu nunca tinha lido mais do que alguns poucos parágrafos sobre a princesa. O livro traz detalhes da sua vida, seu casamente e vai até sua morte, muito jovem. Uma gama de informações que me pegaram de surpresa. Uma boa surpresa, pois ano que vem, Leopoldina (cidade) faz 160 anos. A leitura do livro, nesse sentido, foi no mínimo inspiradora.

Dom Luís Augusto, dona Leopoldina e dom Pedro Augusto, primeiro filho do casal e primeiro neto de dom Pedro II, em 1867.

A forma como o texto é construído é outro atrativo. A narrativa é muito valorizada, dando um ar de romance a um livro de não ficção. Há quem critique esse estilo. A ausência de notas de rodapé e de referências precisas, etc. Mas não acho que isso desmereça o trabalho de pesquisa. Ficar atado a métodos e metodologias pouco criativas que tornam a leitura enfadonha não vai fazer a história nem mais, nem menos científica.

Sou de opinião que conhecimento tem que ser compartilhado. O historiador não deve escrever apenas para si mesmo, mas para todos. De que serve um conhecimento confinado a um grupo restrito? É como encontrar a cura para uma doença mortal, mas guarda-la em um cofre. Não serve para nada!

Por fim, vale destacar a erudição da autora que, habilidosamente, nos traz informações sobre vários temas, lugares e situações a partir das passagens que comenta envolvendo os personagens centrais.

A leitura foi fácil e foi prazerosa. Eu indico para quem gosta desse gênero. A autora tem outros livros sobre a família real, que eu pretendo ler nessas férias, embalada pelo “Príncipe Maldito”. 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A civilização Chachapoya e o culto aos mortos

Nas férias a gente faz (graças a Deus) o que não consegue durante o ano. Ontem eu vi um programa da National Geographic que adorei. Foi a Série Enigmas da História, com duas partes. A segunda que me interessou mais. Falou (e mostrou) uma série de múmias, de mais de 600 anos, que foram encontradas nas remotas regiões montanhosas do Peru. 

Eles pertenciam a uma civilização chamada de Chachapoya, conhecida como povo do céu, que era desconhecida até a descoberta de uma antiga cidade no topo da montanha. As investigações arqueológicas poderiam revelar que este povo antigo acreditava que as múmias eram mortos-vivos. Os chachapoyas eram temidos pelos Incas e por outros povos e tratavam seus mortos de uma forma peculiar. Eu particularmente adoro história pré-colombiana. Não é uma área de pesquisa, está mais para um hobby, ler textos e assistir programas sobre o assunto.


História pré-colombiana é riquíssima, é a nossa história antiga. Temos pirâmides, múmias, cidades perdidas, lendas de tesouros maravilhosos. Se você para para pensar, é todo um mundo de mistérios que intriga pesquisadores e encanta as pessoas. Adoro!

Sempre rola um pouco de especulação, é claro, mas isso é mais do que natural, principalmente quando se estuda o passado. Muitas vezes é apenas especulações que temos para começar a pesquisar e montar hipóteses e teorias. Mas quanto mais misterioso, maior a curiosidade e mais desafiadora é a tarefa de tentar dar uma resposta a perguntas que estão aí nos desafiando há dezenas ou mesmo centenas de anos

Mas então, um conhecimento novo é um conhecimento que pode trazer novas experiências. Eu assisti ao programa e corri hoje para buscar informações sobre os chachapoya. Esse povo é, inclusive citado no primeiro filme de Indiana Jones, Caçadores da Arca Perdida. Lá no começo (lembra da cena da caverna) ele está atrás de uma relíquia Chachapoya.

Mapa usando por Indiana Jones no filme para encontra o templo chachapoya
Fonte: http://www.pinterest.com/pin/171840542005497626/


Lembram desta cena? 
Indiana Jones "roubando" um ídolo Chachapoya.
Fonte: http://www.indyintheclassroom.com/projects/archaeology/raiders.asp

Lógico, o que se fala desse povo no filme não pode ser levado muito a sério, assim como o mapa acima não representa exatamente a região habitada pelos Chachapoyas, também chamados de povo das nuvens e do céu, habitando, portanto, as regiões elevadas dos Andes. Vale lembrar, que em uma das cenas, o protagonista é perseguindo por remanescentes dos Chachapoyas, coisa meio difícil de acontecer, já que a civilização praticamente desapareceu.


Mapa mostra a região do nordeste andino peruano, habitada pelos chachapoyas.
Fonte: 
http://atwabrasil.com/wp-content/uploads/2010/12/1.jpg


Bom, o que eu aprendi sobre os Chachapoyas nessa manhã é que os Chachapoyas reinavam sobre grande parte da Amazônia Alta, na bacia do rio Marañon. Eles tinham uma cultura muito avançada, originada mais de 2.000 anos antes de serem derrotados pelos Incas.  Eram conhecidos como os “guerreiros das nuvens”, pois, além de serem grandes combatentes viviam num ambiente onde as neblinas são frequentes, floresta da nevoas, como é característico da Amazônia Andina alta (1).

O nome Chachapoya foi dado pelos incas e até o momento é como a civilização é conhecida. A forma como eles se autodenominavam é desconhecida. Esse nome também batiza uma cidade uma cidade peruana (2).  Os Chachapoyas foram descritos pelo cronista espanhol Pedro Cieza de León:

Eles são os mais brancos e os mais lindos de todos os povos que eu já vi. Suas mulheres são tão bonitas que, por causa da sua beleza, tornam-se esposas dos incas e são levadas para o Templo do Sol. (3)


Já se encontraram muitos sítios arqueológicos Chachapoyas. Os mais conhecidos são a fortaleza (cidadela) de Kuélap, em Amazonas e a cidade do Gran Pajaten, dentro do Parque Nacional Abiseo, em San Martín. 

A cidade que mais visitada e de melhor acesso é Kuélap, situada sobre um morro isolado a 3.000 metros de altitude dominando o vale do rio Utcubamba. Kuélap foi construída provavelmente no século VIII para defender a região contra o império Wari, que se expandiu antes que o Inca. 

Assim como Macchu Picchu, a cidadela foi descoberta apenas recentemente, estando escondida em uma das áreas mais distantes da Amazônia. Ela se encontra na borda de um abismo que a tribo pode ter utilizado como um mirante para espionar inimigos


Vista panorâmica da cidade perdida de Kuélap

A cidade está bem conservada. Estende-se sobre cerca de 600 metros de comprimento e dispõe de três plataformas superpostas que suportam uns 400 recintos. Suas muralhas externas chegam a 20 m de altura e tem apenas três entradas muito estreitas para facilitar a defesa. Uma delas tem paredões que se elevam a 10 metros de cada lado (4). Uma verdadeira fortaleza.



Ruínas de Kuélap
Fonte: http://www.oeco.org.br/marc-dourojeanni/27071-chachapoyas-a-heranca-dos-guerreiros-das-nuvens

As casas são todas redondas, dotadas de silos, pedras para moenda de grãos e fogões. Muitas ostentam decorações feitas com o mesmo tipo de pedra com que foram construídas. Uma caraterística especial da cultura dos Chachapoyas são as máscaras funerárias e o costume de instalar os restos funerários em cavidades nas paredes quase verticais de montanhas.

Essas casinhas coloridas, construídas nas encostas das montanhas, eram mausoléus onde os mortos era sepultados.
Fonte: http://filosofiaimortal.blogspot.com.br/2012/02/os-chachapoyas-guerreiros-das-nuvens.html

Esse, justamente, foi o tema do documentário que eu assisti, um estudo sobre a morte e os rituais fúnebres dos Chachapoyas. Pelo que tudo indica  esse povo acreditava na imortalidade. Para eles se vivia na morte, por isso mantinham os corpos perto de si (muitos emparedados em casas), faziam sarcófagos requintados e mumificavam os corpos. 

Embora muitas culturas antigas tenham na morte um tabu, a forma como os mortos são tratados diz muito de como a sociedade se organiza e os valores que defende.

Um pressuposto teórico fundamental desse artigo assume que, para o ser humano, o ato de morrer, além de um fenômeno biológico natural, contém intrinsecamente uma dimensão simbólica, relacionada tanto à psicologia como às ciências sociais. Enquanto tal, a morte apresenta-se como um fenômeno impregnado de valores e significados dependentes do contexto sociocultural e histórico em que se manifesta (5 ).

Foram descobertos, até 2010, setenta e nove sepulturas humanas na fortaleza de Kuélap, entre 300 e 350 indivíduos enterrados, o que leva confirmar a importância da hierarquia religiosa de Chachapoyas antiga. Segundo o pesquisador Alfredo Narvaez, gerente de projeto restauração e conservação do local, a cidade era muito mais do que uma fortaleza, era um lugar sagrado, um centro religioso de grande importância (6).


Uma das coisas que eu achei mais interessante: essas estátuas são, na verdade, sarcófagos (tem um corpo aí dentro). Como se os mortos estivessem vigiando, protegendo os vivos.
Fonte: http://nadanoslibradeescorpio.blogspot.com.br/2012/10/cultura-chachapoyas-los-hombres-de-la.html

O escritor e arqueólogo Federico Kauffmann, em uma expedição realizada no ano de 1984, em uma gruta, sarcófagos verticais, construídos pelos Chachapoyas (7). Toda essa preocupação com os mortos, com a vida após a morte, fez com que eu me lembrasse dos antigos egípcios. Acho que não tem como não fazer uma comparação. Assim como o antigo povo africano, eles davam uma atenção especial aos mortos. 

Não que a representação da morte feira pelos Chachapoyas seja bonita (pelo menos para o olhar contemporâneo). Suas múmias são bem conservadas mas assustadoras. Eu acho múmias artefatos culturais bonitos, a seu modo. Elas, geralmente, têm uma expressão serena. Se esteticamente não são belas, passam uma ideia de eternidade que não é espiritual mas sim, material.

Mas as múmias Chachapoyas são bem bizarras, assustadoras até. No documentário foram mostradas dezenas delas, em posições estranhas, que sugerem sofrimento, em contraste com a ideia que prevalece em muitas religiões da morte como alívio para o sofrimento. Isso contrasta com a forma como a morte e o morto são significativos para essa sociedade.

Múmia Chachapoya: assustadora, não é? Parece que a morte veio em  agonia.
Fonte: http://claudiotatu.blogspot.com.br/2012/12/os-guerreiros-das-nuvens.html

Para os Chachapoyas, os mortos eram tratados com os mesmos privilégios que mereciam os vivos, às vezes, até mais, dizem os pesquisadores. Eram abrigados em casas de até dois andares. Tudo para proteger os corpos e as múmias da chuva e principalmente dos inimigos (8) . Nos muros de fortalezas e nas paredes das casas os pesquisadores encontraram ossos de pessoas. O mistério é justamente saber quem eram essas pessoas. Muitas perguntas e pouquíssimas respostas. Um desafio para gerações e mais gerações de pesquisadores. 

Os Incas foram um povo conquistador que em 100 anos dominou quase toda a região da cordilheira dos Andes. Os chachapoyas eram um povo antigo e muito temido e era esse medo que mantinha muitos dos seus inimigos afastados. Quando os Incas, em sua expansão, perderam o medo, os Chachapoyas foram massacrados e tiveram que servir ao Império Inca. No século XVI, os Chachapoyas uniram-se aos espanhóis para lutar contra a dominação Inca. No final, acabaram morrendo por conta das doenças trazidas pelos espanhóis (o que também, causou a morte de uma grande parcela do povo Inca).

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(1) DOUROJEANNI, Marci. Chachapoyas, a herança dos guerreiros das nuvens (2013). Disponível em, http://www.oeco.org.br/marc-dourojeanni/27071-chachapoyas-a-heranca-dos-guerreiros-das-nuvens, acesso em 23/12/2013. 

(2) Os Chachapoyas - Guerreiros das nuvens. Disponível em, http://forum.jogos.uol.com.br/_t_1983439acesso em 23/12/2013.

(3) Os Guerreiros das Nuvens. Dispónível em: http://claudiotatu.blogspot.com.br/2012/12/os-guerreiros-das-nuvens.html,  acesso em 23/12/2013. 

(4) DOUROJEANNI, Marci. Chachapoyas, a herança dos guerreiros das nuvens (2013). Disponível em, http://www.oeco.org.br/marc-dourojeanni/27071-chachapoyas-a-heranca-dos-guerreiros-das-nuvens, acesso em 23/12/2013. 

(5) COMBINATO, Denise Stefanoni, QUEIROZ, Marcos de Souza. Morte: uma visão psicossocial. Estudos de Psicologia 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v11n2/a10v11n2.pdfacesso em 23/12/2013.

(6) Especialistas trabajan en mantenimiento de fortaleza de Kuélap. Disponível em: http://arqueologiamericana.blogspot.com.br/2010/04/especialistas-trabajan-en-mantenimiento.html, acesso em em 23/12/2013.

 (7) Cultura Chachapoya: los hombres de la niela. Disponível em: http://nadanoslibradeescorpio.blogspot.com.br/2012/10/cultura-chachapoyas-los-hombres-de-la.html,  acesso em 23/12/2013. 

(8) Cidade dos mortos é herança do povo chachapoya. Disponível em: http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL1169076-16020,00-CIDADE+DOS+MORTOS+E+HERANCA+DO+POVO+CHACHAPOYA.htmlacesso em 23/12/2013.





domingo, 15 de dezembro de 2013

RAZÃO HISTÓRICA. TEORIA DA HISTÓRIA: OS FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA HISTÓRICA

Foi o primeiro trabalho que eu fiz para o professor Falcon, este ano. Gostei muito do livro. Na verdade, a leitura dos livros que ele indicou durante o semestre, somados às aulas, me ajudou muito na parte de teoria da história. Espero que os meus resumos possam ajudar outras pessoas, também.




LA HISTÓRIA SOCIAL Y LOS HISTORIADORES RESUMO DA OBRA DE JULIÁN CASANOVA

O Pasquim e o papel do humor na resistência contra a Ditadura Militar

Para a disciplina Resistência Política e Cultural na Ditadura Militar Brasileira, ministrada pela Professora Dra. Angélica Müller, eu fiz um artigo sobre o Pasquim. Foi divertido poder mergulhar no mundo do humor de resistência, representado por esse periódico e vários outros, durante os anos de chumbo.É um texto simples e que eu encarei como um exercício que me rendeu um conhecimento extra. Eu me inscrevi na matéria sobre ditadura militar justamente pela necessidade pessoal de saber mais sobre o tema, que foi pouco explorado na faculdade (quando eu fiz, há duas décadas atrás). 

sábado, 14 de dezembro de 2013

SOBRE AS MULHERES REVOLUCIONÁRIAS EUROPEIAS

Natania A. da Silva Nogueira*

Et nous aussi, nous sommes citoyennes
(Sta. Jodin, 1790)

As mulheres estiveram presentes em muitos dos movimentos que ajudaram a moldar a sociedade ocidental, mas nem sempre sua presença e sua participação ativa receberam o devido reconhecimento. Tanto na historiografia quanto nos registros documentais, elas foram em muitos momentos ocultadas. Legalmente quase não existiam, uma vez que a elas eram negados os mesmos direitos que os homens.
Econômica, a história ignora a mulher improdutiva. Social, ela privilegia as classes e negligencia os sexos. Cultural ou “mental”, ela fala do Homem em geral, que não tem mais sexos do que a Humanidade. Célebres – devotas ou escandalosas – as mulheres alimenta as crônicas da “pequena” história, boas apenas para a revistas História (PERROT, 2005: 197).
Durante muito tempo as vozes das mulheres foram silenciadas pela história e essa mesma história, na atualidade, procura por essas vozes perdidas, resgatando a memória de mulheres que foram, também, sujeitos históricos ativos. A França e a Inglaterra nos oferecem bons exemplos de participação feminina em movimentos reivindicatórios de pequena ou grande amplitude. Nesses dois países mulheres de grupos sociais distintos tiveram papel significativo na vida social e política.
Na França do século XVI, por época da Reforma Protestante, quase todas as mulheres tomavam parte da vida econômica da cidade. Elas trabalham e muito. Das esposas dos artesãos às mulheres mais pobres, uma grande parte delas ajudava no sustento de seus lares. Elas estavam nas ruas, vendo, ouvindo, absorvendo informações. Elas tinham consciência das mudanças que ocorriam ao seu redor e não passavam por elas sem sentir seu efeito. Mas o fato de serem membros produtivos da sociedade ou mesmo viúvas ricas não lhes conferia participação alguma na vida política.
A vida pública das mulheres urbanas não se estendia, entretanto, às assembléias cívicas ou aos conselhos. Mulheres que chefiavam unidades domésticas aparecem em listas de impostos e até nos registros militares, e esperava-se delas que contribuíssem com dinheiro ou com homens conforme a demanda do governo municipal.  Mas essa era a extensão da participação política da citoyenne. (DAVIS, 1990: 68).
Se oficialmente, sua participação não era permitida, ela acontecia de outras formas. As mulheres de famílias de posses eram, em geral, aquelas que tinham acesso a algum tipo de instrução. Elas eram encorajadas a ler e escrever pelas suas famílias como uma forma de promover uma maior distinção. A mulher educada era apreciada pela sociedade e animava os encontros sociais. Serão elas, também, que irão se destacar na organização de salões literários importantes, tanto em Paris quanto em Lion (DAVIS, 1990: 68), citando alguns centros importantes da França naquele período. 
Já as esposas e filhas de artesãos não tinham acesso ao ensino e poucas entre elas sabiam ler e escrever. Essas eram qualidades dispensáveis no dia a dia, marcado pelo trabalho duro e exaustivo. Distantes do mundo letrado, elas aprendem com o que ouvem nas ruas, e se colocam a par dos acontecimentos da cidade. Elas também serão vítimas dos massacres e perseguições desencadeadas pela reforma. São elas, tanto mulheres de elite quanto do povo que irão ajudar a conversão de muitos católicos ao protestantismo.
Aqueles que desejavam enfraquecer o movimento reformista, afirmavam que as mulheres convertidas eram de vontade fraca e intelecto débil (DAVIS, 1990: 63). Mas mesmo todo o discurso limitador acerca do papel da mulher na esfera pública e privada não é suficiente para esconder o fato de que, já no século XVI, e possivelmente bem antes, muitas mulheres se atreviam a participar mais ativamente dos movimentos socais, independente ao grupo a que pertencia.
Nancy Roelker vê as nobres huguenotes como esposas e viúvas já bastante independentes, que encontram na causa da Reforma um modo de ampliar sua atividade (convertendo seus parentes, protegendo os pastores, oferecendo dinheiro e conselhos para os líderes masculinos e assim por diante), conservando, ao mesmo tempo, sua identidade feminina (DAVIS, 1990: 64).
Entre as mulheres católicas havia aquelas que sabiam ler e participavam de confrarias. Muitas eram estimuladas pela literatura devocional a promover especulações teologias, o que muitas vezes costuma ser desqualificado pelos pregadores. As mulheres católicas queriam fugir ao silencio imposto pelos padres. Havia já naquela época as que desejavam o mesmo direto dos homens de pregar para a comunidade. Muitas delas encontraram no protestantismo uma forma de se libertar do controle dos padres, de terem acesso aos textos religiosos, sem as limitações antes impostas. Essas mulheres são revolucionarias de seu tempo, muitas delas vítimas das violências deflagradas aos hunguenotes durante o tempo que durou a reforma religiosa na França.
Se por um lado temos as mulheres que lutam por maior liberdade religiosa, por outro o catolicismo encontra em Catarina de Médicis um defensora implacável. Ela dá início a uma série de acontecimentos que resultam no assassinato de líderes protestantes, no episódio que ficou conhecido com "A Noite de São Bartolomeu", em 1572.
Já na Inglaterra, nos séculos XVIII e do século XIX, em plena revolução industrial, as mulheres aparecem nos motins de fome, em muitos momentos liderando a turba raivosa, reivindicando preços mais justos para a farinha, protestando contra as autoridades, comerciantes e moleiros. Entre os anos de 1790 e 1810 foram identificados 240 motins de fome, desses 35 foram predominantemente femininos e em 42 deles homens e mulheres caminharam lado a lado. Em 82 casos, os manifestantes foram classificados como de gênero desconhecido (THOMPSON, 1998: 237).
A presença e até mesmo liderança das mulheres nos motins de fome, pelo menos inicialmente, demonstram sua importância na economia familiar, e na economia local de uma forma geral. Os eventos nos apresentam uma mulher que não aparece nos livros e nos relatos oficiais: autoconfiante e portadora de autoridade, uma mulher que é seguida pelos homens e não o contrário.
Segundo Thompson (1998: 248), as mulheres eram frequentemente formadoras de opinião na comunidade onde viviam, com suas famílias, e eram elas que davam início a ações como os protestos. Essas mulheres possuíam um papel ativo nos movimentos, embora isso não signifique que as diferenças de gênero tenham sido esquecidas. No entanto, a sobrevivência da família muitas vezes dependia da ação das mulheres. Elas gerenciam o lar e, em alguns casos, são as provedoras. São elas que buscam estratégias e soluções para contornar a penúria e a fome. Não é de admirar que tenham sido elas as primeiras a liderarem manifestações como motins de fome, seguidas pelos homens e por seus filhos.
Na França pré-revolucionária do século XVIII nem mesmo as ideias da ilustração foram capazes de oferecer às mulheres direitos iguais aos dos homens. Principalmente entre aquelas que pertenciam a grupos socialmente ou economicamente privilegiados a vida pública era negada e poucos eram os momentos em que lhe era permitido interagir com os homens. Sua formação era voltada para o casamento, sua educação era mínima não havendo, nesse sentido grandes mudanças entre o século XVI e o século XVIII.
Desde os primeiros anos de vida, as meninas recebiam ensinamento que visavam a assumir o papel ao qual sua natureza reservara. A educação das mulheres tinha como objetivo o casamento ou a vida religiosa. A educação religiosa tinha o objetivo de preparar para a função religiosa ou preparar as meninas para o casamento, cujo destino seria cuidar do marido, responsabilizar-se pela administração da casa e educação dos filhos. (SCHMIDT, 2012: 08)
O espaço público pertencia ao homem, enquanto que a mulher deveria ser relegada ao espaço privado. Segundo Bourdieu (2010: 41), dentro da lógica da dominação masculina, cabia ao homem, no espaço público, realizar todos os atos espetaculares, que exigissem riscos e bravura, ações onde pudesse fazer valer suas habilidades e força física superiores. À mulhere, relegada ao espaço privado, atribuía-se os trabalhos domésticos, privados, invisíveis e vergonhosos, sujos monótonos e mais humildes.
Mas na França do século XVIII, as mulheres fizeram muito mais do que isso. Antes da eclosão da Revolução de 1789 elas se fazem presentes no movimento ilustrado como tema dos debates políticos ou mesmo sendo suas incentivadoras. Nesse período desenvolveram-se na França duas correntes de pensamento acerca do papel da mulher na sociedade. Uma, que teve menos penetração, baseava-se nas ideias de Paullain de La Barse, que defendia a igualdade entre homens e mulheres. Segundo La Barse e seus seguidores, as mulheres deveriam ter os mesmo direitos que os homens e compartilharem da mesma educação (GODINEAU, 1997: 313).
De outro lado, havia Jean Jacques Rousseau, para quem a mulher não é apenas diferente do homem, mas inferior a ele. Ela seria marcada por suas funções sexuais, uma eterna doente e incapaz de possuir um pensamento racional. Sua função é tão somente ser mãe e esposa, dedicando-se às atividades domésticas. Para Rousseau e seus seguidores, as mulheres situavam-se fora da história uma vez que sua razão e sua natureza não são capazes de evoluir (GODINEAU, 1997: 314-135)
No caso da revolução Francesa, foram poucas as referências feitas a mulheres que estiveram presentes ou atuantes durante a revolução. As mais citadas em biografias são Maria Antonieta, a rainha odiada pelos franceses, injustiçada de muitas formas pela historiografia tradicional, e Charlotte Corday, que ficou famosa por assassinar o revolucionário Marat.
Atualmente sabemos que Revolução Francesa foi marcada por uma intensa participação das mulheres, que representavam os diversos grupos que acreditavam estar lutando por mudanças na sociedade. Elas acompanhavam os trabalhos na Assembleia e manifestavam-se, apoiando ou pressionando os deputados. Apesar de não terem direitos de representação, eram elas que levavam informações e reivindicações aos membros da Convenção.  
Entre os anos de 1789 e 1791 formaram-se as primeiras organizações mistas ou femininas. Esses clubes eram compostos por mulheres que assumiam sua direção e administração. Inicialmente formados por mulheres de origem burguesa, mas, à medida que a revolução ganhava as ruas, eles começaram a se abrir para mulheres de todos os grupos. Neles, as mulheres desenvolviam atividades assistenciais e começavam a se interessas pela política (MORIN, 2009: 95-96). Nesses clubes elas expressavam seu patriotismo por meio da caridade, reunindo-se em celebrações de cunho cívico e religioso, enfim, com atividades que eram consideradas socialmente adequadas para as mulheres.
 Entre 1791 e 1793, foram criados clubes políticos femininos em cerca de cinquenta cidades. (SCHMIDT, 2012: 16). Nesses clubes as atividades eram direcionadas à ação política efetiva e neles as mulheres faziam debates sobre os direitos da mulher e sobre os rumos da Revolução. O patriotismo feminino evolui e, a certo ponto, chega a ameaçar os homens, dada a intensidade das campanhas e o ativismo feminino. Nesse momento, algumas mulheres vão se destacar.
Uma dessas mulheres foi Claire Lacombe, uma artista de província, que recebera uma coroa cívica por ter participado da Tomada das Tulherias. Em maio de 1793, ela foi uma das fundadoras da Sociedade das Republicanas-Revolucionárias, de orientação jacobina, o mais famoso clube de mulheres durante a Revolução (BESSIÈRES, 1991: 08). Elas participavam de manifestações populares que geralmente terminavam em embates com girondinos, com quem poderiam ser implacáveis. 
As Repúblicanas-revolucionárias chegaram a ser aceitas nas reuniões dos conselhos das secções parisienses, mas não sem causar indignação dos homens, que negaram a elas os direitos políticos que tanto desejavam. Podiam participar, até se pronunciar, mas não tinham o direito de votar, de decidir. Não que isso as tivesse impedido de influenciar o resultado de muitas votações. No entanto, entre os anos de 1793 e 1795 sua participação foi sendo limitada até que os clubes políticos femininos foram proibidos.
Outra personagem importante foi Olympe de Gouges, a primeira mulher a reivindicar para as mulheres direitos políticos. O seu verdadeiro nome era Marie Gouze,  oriunda de uma família burgueses de Montauban. Olympe colocou fim a um casamento infeliz e mudou-se para Paris onde acabou se destacando graças à sua inteligência e beleza. Acabou militando pela causa revolucionária, tornando-se uma grande oradora. Teve influência na Assembleia Nacional, que em geral não escutava as mulheres. Liderou campanhas contra a fome da população e para ajudar instituições que recebiam os pobres, como os hospícios, organizando caixas de socorro públicas (BESSIÈRES, 1991: 13-14)
Em 1791, escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher, à qual dedicou à rainha Maria Antonieta. Nela, exigia para todas às mulheres a igualdade de direitos e deveres diante da lei. Além disso, reivindicou ainda o direito ao sufrágio universal. Foi presa em 20 de Julho de 1793, julgada em novembro pelo tribunal revolucionário e executada na guilhotina. Era  acusada de ter "tentado sabotar a República com os seus escritos", sendo aí sido citado o texto de sua autoria Les trois umes ou le Salut de la Patrie. (BESSIÈRES, 1991:16).
As mulheres não estavam apenas nas reuniões políticas. Tal como ocorria na Inglaterra, elas também chegaram a liderar revoltas populares. Em muitas ocasiões estiveram  à frente do povo que ia para as ruas reivindicar direitos, chamar a atenção do governo para as dificuldades enfrentadas pela população das cidades, que carecia de gêneros alimentícios básicos. Elas também reivindicavam melhores salários e protestavam contra a exploração dos patrões.
Na primavera de 1789, a manufatura Réveillon fora atacada por um grupo de manifestantes liderados por uma mulher grávida, Marie-Jeanne, que instigou um grupo à invasão, justificada pela oposição do proprietário aos salários durante uma assembleia eleitoral do terceiro estado. As mulheres responsáveis pela alimentação dos filhos sentiam mais os efeitos da escassez de alimentos (SCHMIDT, 2012: 14)
As mulheres também pegaram nas armas, enfrentaram tropas leais ao rei e defenderam a revolução. Chegaram a exigir frente à Assembleia o direito ao porte de armas. Os deputados alegavam que as mulheres eram delicadas demais para manejar armas de fogo, mas isso não impediu que elas, de fato, o fizessem, participando de marchas armadas e até mesmo de enfrentamentos.
No dia 05 de outubro, motivadas pela falta de pão e insultadas com o pisoteamento da cocarda (insígnia militar) tricolor, símbolo da revolução, um grupo de mais de 7000 mulheres guiadas por Maillard, oficial da Guarda Nacional e herói da Bastilha, escolhido por elas para liderá-las, seguiram em direção a Versalhes com a missão de trazer de volta o rei à Paris, acreditando que ele iria resolver os problemas econômicos do pão. (SCHMIDT, 2012: 14)
O discurso acerca da fragilidade do corpo feminino pode até justificar a  recusa dos homens em liberar o porte de armas, mas não impede que muitas mulheres tomem a iniciativa. Mulheres se alistaram como voluntárias no exército ou simplesmente se disfarçavam de homens para poderem lutar, como soldados-cidadão. As mulheres soldados desejavam a oportunidade de lutar pela Pátria e pela revolução, defendendo-a de seus inimigos. O número exato de mulheres que se ingressaram no exército assim como daquelas que participaram das milícias urbanas é impreciso. Eram, possivelmente, mais numerosas do que se imagina. Mas a participação das mulheres em guerras não era necessariamente uma novidade.
Segundo Morin (2009), mulheres pertencentes à nobreza já haviam substituído os homens nos campos de batalha. Esposas de aristocratas se envolviam diretamente nos conflitos, quando isso se fazia necessário. A já citada Catarina de Médicis, por exemplo,  conduziu o exército francês no cerco de Havre (MORIN, 2009: 110).
Não podemos esquecer as donzelas guerreiras, que povoam até hoje a literatura: jovens, fictícias ou personagens reais, que enfrentaram preconceitos para lutarem ao lado dos homens. Na Espanha podemos citar a Monja Alferes, cujo nome era Catalina de Erauso, que fugiu do convento ainda adolescente, disfarçou-se homem, tornou-se soldado e viveu muitas aventuras na América, antes de ser descoberta (GALVÃO, 1998: 13). Na própria França temos a lendária Joana D’ Arc, que liderou com sucesso os exércitos do rei contra os ingleses.
As mulheres soldados francesas vinham um grupo social considerado modesto, sendo filhas de camponeses, operários e artesãos, não lutavam por suas terras, títulos ou privilégios ou desejavam fugir da repressão que lhes era imposta pelos seus pais e pela sociedade. Eram mulheres politizadas, apesar de possuírem pouca ou nenhuma instrução. Elas desejavam exercer seu dever cívico de proteger a nação. Muitas delas não militavam pela defesa dos direitos da mulher ou mesmo pelo sufrágio. Sua ação era cívica. A revolução instaurava um novo sentido de cidadania ao qual muitas se sentiam impelidas a compartilhar, seja por meio das armas ou dos clubes femininos.


Referências

BESSIÈRES, Yves, NIEDZWIECKI, Patrícia. As mulheres na Revolução Francesa: bibliografia. Bruxelas: Comissão das Comunidades Europeias, 1991.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. (ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do povo: sociedade e cultura no início da França moderna: oito ensaios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

GALVÃO, Walnice Nogueira. A donzela-Guerreira. São Paulo: Ed. SENAC, 1998.

GODINEAU, Dominique. A Mulher. In: VOVELLE, Michel (dir.) O homem do iluminismo. Lisboa: Presença, 1997.

MORIN, Tânia Machado. Práticas e representações das mulheres na Revolução Francesa. Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós- Graduação em História Social do departamento de História da Universidade de São Paulo, 2009.

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC, 2005.
SCHMIDT, Joessane de Freitas. As Mulheres na Revolução Francesa. Revista Thema, n. 09, 2012.

THOMPSON. Costumes em comum: Estudos Sobre a Cultura Popular Tradicional – São Paulo: Companhia das Letras, 1998.





* Aluna do curso de Mestrado em História do Brasil da Universidade Salgado de Oliveira (Niterói, RJ); especializada em História do Brasil, com concentração em História Regional, pela Universidade Federal de Juiz de Fora(UFJF), Juiz de Fora (MG);  licenciada em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Artes de Cataguases (FAFIC), Cataguases (MG); professora da Educação Básica no município de Leopoldina (MG); Membro da Academia Leopoldinense de Letras e Artes de Leopoldina; Diretora Cultural da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial, com sede em Leopoldina (MG).