sábado, 30 de junho de 2007

Ensino público e camadas populares em Leopoldina, durante a I República


Apesar de toda a sua prosperidade, Leopoldina estava submetida a uma legislação fiscal pouco favorável ao município. [1] O Estado de conservação de escolas públicas[2] era o mais precário possível: “Até hoje o engenheiro do districto não veio examinar os edifícios onde funcionam tres escolas publicas estadoaes que ameaçam ruinas. Dar-se-ha caso de providencia ordenada pelo governo se fosse para inglez ver?”[3]

O desfecho para tais casos não poderia deixar de ser outro senão uma situação de grande risco para professores e alunos das escolas públicas estaduais de Leopoldina: “Desabou uma das paredes lateraes das escolas públicas estadoaes. Aquelles predeos estão precisando de grandes e urgentes reparos pelo que pedimos ao honrado governo do estado providenciar neste sentido. A parede cahiu sobre classe de bancos que ali se achava tudo estragado. Felizmente foi a noite e a sala estava vazia...”[4]

A municipalidade agiu neste e em outros momentos de forma negligente colocando parte, ou quase toda, a culpa no Estado. Um artigo publicado em 1899, pela Gazeta de Leopoldina, fazia ferrenha oposição a uma atitude do governo de Silviano Brandão, que ordenou a suspensão das aulas da escola do distrito de Campo Limpo, que segundo o editor não trabalhava em sua capacidade máxima. Chama claramente o governo de incompetente com relação à política dirigida ao ensino público, questionando o papel do Estado nesse sentido.[5] No entanto, a municipalidade tinha compromisso com a manutenção de escolas estaduais e não o fazia. Em artigo publicado em meados de 1896, relatava-se o descontentamento de professores que reclamavam do atraso do salário, por parte do município, e do pagamento de aluguel dos prédios onde funcionavam duas cadeiras, uma feminina e outra masculina. A dívida já se estendia por vários meses obrigando professores a pagarem do próprio bolso para evitar o fechamento das classes. Denunciavam, também, a falta de condições de trabalho devido à insalubridade do local que não permitia o bom funcionamento nem a abertura de novas classes.[6]

A imprensa e os professores por algumas vezes denunciavam o estado precário das construções que abrigavam as classes e pediam providências ao governo estadual, além de apoio, à municipalidade.[7] No entanto, eles possuíam uma posição um tanto elitista com relação ao trabalho e aos alunos.

Um documento de grande importância, cujo conteúdo merece ser discutido, que deu nova vida a este trabalho durante o processo de coleta de dados, foi o artigo publicado no periódico local O Novo Movimento.[8] Ele faz um descrição impressionante da realidade da escola pública e das camadas mais baixas que viviam em Leopoldina, no início da Primeira República. Relata o caso do professor Olympio de Paula Correia, que foi destituído de seu cargo de diretor do grupo escolar, depois de ter exercido o magistério por cerca de 40 anos, e substituído pelo professor Reinaldo Matolla. A atitude foi considerada injusta e o jornal procurou construir um argumento favorável àquele profissional do ensino. Para Ricardo Martins, diretor e editor do periódico, as questões que norteavam a prática escolar estavam subordinadas a fatores além do controle do diretor. O primeiro desses fatores era a pobreza das famílias que para lá enviavam seus filhos: elas não possuíam condições de cuidar do uniforme de seus filhos, pois não tinham recursos nem para o sabão, sendo as crianças obrigadas a trabalhar com seus pais para ajudar na manutenção da casa.

Em segundo lugar vinha a metodologia de ensino, que não encontrava retorno. Os pais das crianças reclamavam que seus filhos não aprendiam a ler, escrever e fazer contas e acabavam por isso tirando as crianças da escola. Em terceiro lugar, ficava a falta de preparo dos professores e sua substituição freqüente por estagiárias da Escola Normal. As substituições eram feitas praticamente a cada quinze dias. As crianças tinham, por ano, vários professores, com isso pouco aprendiam e a disciplina era ignorada. Por mais essa razão, os pais acabavam retirando as crianças da escola.

Por fim, havia o problema da distância entre o grupo escolar e a casa das crianças, que chegava a ser de oito horas ida e volta. As crianças iam apenas com uma xícara de café no estômago. Aqueles que possuíam mais de dois filhos em dois turnos diferentes acabavam retirando-os devido ao fato de não poderem buscá-los.

A leitura desse artigo nos levou a conhecer algumas das dificuldades enfrentadas pelas classes subalternas. Percebe-se que seus núcleos familiares são numerosos, provavelmente seguindo um modelo próximo do patriarcalismo. Viviam isoladas na zona rural e sua pobreza - nem sabão tinham para lavar o uniforme das crianças - indica que provavelmente só podiam contar com a força de trabalho de seus próprios membros. Assim, os filhos mais velhos, já em idade produtiva, estavam excluídos de freqüentar as poucas escolas, seja nos distritos ou na cidade. Nessas famílias supõe-se que somente um ou dois filhos conquistavam a oportunidade de aprender ao menos ler e escrever, até completarem idade para trabalhar na roça com seus pais. Além disso, a distância e a dificuldade com o transporte - fatores que atestam o relativo isolamento desses núcleos familiares - dificultavam o ingresso dos pequenos à escola.

As escolas, por sua vez, eram mal equipadas e os professores não tinham uma boa preparação para atender sua clientela irregular e inconstante. Os professores variavam muito - sendo constantemente substituídos por outros ou por estagiárias da Escola Normal -, não conseguiam cumprir com êxito sua tarefa educativa. Entretanto, é possível perceber que, apesar de não terem condições de manter seus filhos na escola, os pais desejavam que esses adquirissem algum conhecimento e o mínimo de instrução, uma vez que reclamavam de obstáculos, de sua luta diária por sobrevivência, e do descaso de dirigentes, políticos e até educadores. Eram pobres, mas desejavam poder oferecer a seus filhos oportunidade de ascender - ler e escrever já era um trunfo nas mãos de camponeses estigmatizados pela sua situação e pobreza e sua falta de civilização.

Quanto ao comprometimento da administração pública com seus professores, podemos destacar o caso de uma professora, que trabalhou durante um mês em substituição ao diretor e não recebeu o pagamento devido. “Requerendo o pagamento devido pela substituição, mandou a secretaria dar-lhe somente 60 e tantos mil reis. Não se conformando, reclamou por petição e a secretaria do interior deu o seguinte despacho:‘Não tem lugar o que requer.’ (...) Já não é pequeno o desgosto das professoras pelas delongas dos processos das secretarias quando se trata de pagar substitutas, tendo havido casos de levar mais de um anno a serem pagas.”[9]

Há também o caso da nomeação de um ilustre professor paraibano Augusto dos Anjos para dirigir o Grupo Escolar, que provocou revolta e indignação ao editor do jornal O Novo Movimento, por se tratar de uma pessoa que desconhecia a realidade do ensino em Leopoldina. “Em substituição ao professor Matolla, de saudosa memória, foi nomeado pelo governo do Estado, director do Grupo Escolar desta cidade, o sr. dr. Augusto dos Anjos, residente no Rio de Janeiro.No entanto, não podemos calar ante a clamorosa injustiça do governo, preferindo para nomeação um cidadão inteiramente alheio ao magistério mineiro, quando ao cargo, põe sua natureza e de accordo do com as ideas do regulamento escolar deveria ser conquistado por acesso, como justa recompensa ao merito do professorado digno. Facil é comprehender que os professores sentir-se-ao sem estimulos, comprehendendo afinal, com dolorosa experiencia que, neste ramo da actividade humana, o merito tem menos valor que as conveniencias dos politiqueiros.”[10]

O poeta paraibano Augusto dos Anjos foi uma das maiores expressões literárias brasileiras. Foi diretor do Grupo Escolar de Leopoldina durante seis meses, tendo então falecido. Sua casa, localizada na avenida central da cidade - hoje conhecida como Barão de Cotegipe -, virou espaço cultural mantido pela iniciativa particular do artista plástico leopoldinense Raphael Domingues Rosa.

A intenção de se fazer um ensino público de qualidade estava presente no discurso liberal em Minas Gerais e encontrava expressão nas idéias de João Pinheiro. Todavia, esbarrava nas dificuldades da vida diária das camadas menos favorecidas da sociedade. Para um lavrador, educar os filhos, dando-lhes condições de aprender a ler, escrever e contar era uma tarefa quase impossível e um sonho que muitos abandonavam.

Em 8 de janeiro de 1912, através do Decreto 3.399, o governo do Estado criou diversas escolas rurais em Minas. Em Leopoldina foram abertas três: uma na Usina Maurício; outra em Barroso, distrito de Conceição; uma última na Colônia Constança, na Boa Sorte. Esta última foi inaugurada em novembro/dezembro daquele mesmo ano. Possuía classes mistas.[11]

As escolas rurais tinham um ensino voltado para o aprendizado agrícola e durante algum tempo foram consideradas formas de tirar o campo do atraso em que se encontrava. Na escola da Colônia Constança, os meninos recebiam orientações quanto a técnicas de cultivo e as meninas lições de costura, arranjos domésticos e culinária, para que se tornassem boas donas de casa e esposas. Havia, também, o Ensino Agrícola, gratuito, oferecido no Ginásio Leopoldinense. A Escola Agrícola - ou Ensino Agrícola -, anexa ao Ginásio, trazia para sua órbita filhos de pequenos proprietários e agricultores, além daqueles que não possuíam recursos. Essa população era educada dentro de padrões gerais que o estabelecimento mantinha em basicamente todos os cursos, conforme a direção fazia questão de salientar[12].

Refletir sobre o ensino público em Leopoldina é também refletir sobre a ação política e administrativa de um Estado onde se articulavam relações de poder ao nível nacional. É também, uma forma de compreender melhor o envolvimento, ou não, das elites econômicas na área social, visto que promover a educação dos miúdos era também uma forma de assistencialismo, em um Brasil onde o ensino público era encarado antes como uma dádiva do que com uma responsabilidade cívica.

[1] Gostaríamos de, posteriormente, comprovar essa teoria através da análise das livros de despesa do município e atas de reunião da Câmara Municipal.
[2] No tocante ao número de escolas públicas em funcionamento durante esse recorte pouco podemos dizer, pois essas informações estão contidas nos relatórios feitos pelo município para o governo do Estado, fonte que infelizmente não pudemos até o presente momento pesquisar.
[3] A Gazeta de Leopoldina, 08/06/1902, n. 8, p. 3
[4] Idem, 26/04/1903. Anno 9, n. 2, p. 3.
[5]Idem, 22/01/1899. Anno IV, n. 41, p. 2. É necessário salientar o caráter político que possuía este periódico. De propriedade do Deputado José Monteiro Ribeiro Junqueira era tendencioso e, quando possível, usado para fazer oposição a outros políticos mineiros, como aconteceu no caso citado.
[6] Idem. 15/08/1910. Anno 1, p. 1.
[7] Esse tipo de apelo era freqüente nos artigos da Gazeta de Leopoldina, principalmente entre 1896 e 1906.
[8] O Novo Movimento. 21/08/1910. Anno 3, p. 1 - 2
[9] Idem. 17/08/1913. Anno 6; n. 04, p. 01.
[10] Ver: Augusto dos Anjos em Leopoldina. Almanack d’Arrebol. Leopoldina, ano 2, n. 4 , nov. 1984, Arte & Cultura.
[11] A Gazeta de Leopoldina. 14/11/1912. Anno XVIII, n. 180, p. 2.
[12]Tanto no Ementário, quanto em diversos artigos lançados pela Gazeta de Leopoldina, a partir de 1912, a Escola Agrícola pretendia assumir um compromisso mais amplo com relação ao ensino. Embora os estudante lá não tivessem em seu currículo todas as matérias que possuíam os alunos que pagavam para estudarem na cidade, o nível de ensino deveria ser superior ao normalmente encontrado nas escolas públicas. Às aulas práticas eram acrescentadas aulas teóricas e o estudo de matemática, língua portuguesa e ciências, oferecidas por professores conceituados, enquanto que os outros conteúdos, técnicos, por indivíduos capacitados, geralmente, pela prática. Acreditamos que havia uma preocupação em se manter um padrão de ensino para todos os cursos. (Ver: REIS, Botelho, op. cit., e A Gazeta de Leopoldina. Diversos números de 1912).


Fonte: Este fragmento de texto é parte integrante da monografia de especialização que apresente na UFJF, em 1997 – O Ginásio Leopoldinanese: mito político e formação de elites na Zona da Mata Mineira (1906 - 1930), p.60-64

domingo, 24 de junho de 2007

A preocupação com a formação das elites durante a Primeira República (Leopoldina 1896 - 1930)


A elite mineira tradicionalmente considerada conciliatória, articulava-se em torno de amplos projetos que refletiam, geralmente, os anseios regionais. Dentre esses projetos, o ensino possuía uma representatividade expressiva, uma vez que transferia para uma instituição a função de perpetuar uma ordem. H. D. Laswell, com base no pensamento de Mosca e Pareto, definiu elite como aqueles que possuíam maior acesso aos valores e ao seu controle, pois são estes mesmos valores que possibilitam não só a criação, mas a permanência de um ideário.[1]

Buscava-se através do ensino uma forma de progresso. No entanto, era, quase sempre, uma educação voltada para os valores das oligarquias: literária, bacharelista e que buscava educar não o futuro cidadão, mas os futuros dirigentes da Nação, assim como formava também aqueles que iriam auxiliá-los nessa tarefa. No início do século XX, no Brasil, a instrução se tornou para muitos um trampolim para o sucesso. Fernando Azevedo referia-se a ela como uma forma de formação das jovens elites republicanas.[2] Coube às escolas particulares a missão de educar os filhos das elites, não apenas no sentido de oferecer-lhes a base necessária para ingressarem nas faculdades. Cabia a elas, sobretudo, possibilitar a preservação das tradições e traços peculiares dessa mesma elite, mantendo-a coesa em seus princípios enquanto camada dominante. É dentro do sistema escolar que são formadas reproduzidas estruturas de pensamento. Os esquemas de pensamento dominantes em uma época são fruto de um processo de reprodução cultural dinâmico, que em culturas eruditas nasce dentro das escolas e delas se espalha para o restante da sociedade.

Segundo Bencostta, a educação voltada para as elites é considerada uma forma de civilizar os membros que futuramente conduziriam a sociedade.[3] Essa sociedade que buscava se adaptar a um novo contexto político e econômico, assumia características próprias. A escola particular é o espaço onde essa elite se desenvolve intelectualmente, onde valores são elaborados e toda uma cultura dominante é gestada.

Possuir um filho estudando em uma escola conceituada era dar um passo a mais no caminho do poder. No início do século XX ganhava cada vez mais força o mito de que a educação era o caminho para a ascensão social e, dentro das camadas médias, esse axioma ganhou muitos adeptos[4]. No entanto, na prática, vontade e capacidade não podiam vencer a auxência de capital econômico ou cultural. A herança cultural e a conta bancária definiam quem ocupava os melhores cargos e seguia as melhores carreiras.

A escola particular formava a tecnocracia que reproduzia em si os valores dominantes de sua época. Para Bourdieu, ao converter hierarquias sociais em hierarquias escolares, o sistema escolar cumpre sua função de legitimar e perpetuar uma ordem social.[5] Assim, ao abrir suas portas para os filhos de frações de classe economicamente e culturalmente bem providas de recursos, os liceus e faculdades promovem uma separação arbitrária entre aquele que pode freqüentar os cursos por eles oferecidos e aqueles que devem recorrer às escolas públicas primárias.

Em uma pequena cidade como Leopoldina, onde o progresso e a civilização eram temas inflamados nos discursos políticos, a expansão de uma rede de escolas particulares representava o desejo de um futuro próspero, a exemplo do passado de glórias criado pelo café. Interessante notar que, justamente entre 1890 e 1906, a expansão da rede de ensino particular foi notável naquele município. Pelo visto, a crise que na década de 90 deixara apavorados os produtores locais não tirara deles o entusiasmo em investir no ensino de seus filhos. Muito pelo contrário, a demanda por mais escolas, tanto na cidade quanto nos distritos que a circundavam, era considerável, sendo que, paralelamente, os Mestres Escola também eram muito solicitados.

A grande maioria das escolas particulares trabalhavam em regime de internato, oferecendo vagas limitadas para moças e rapazes. Na primeira década do século XX começaram a adotar também os regimes de semi-internato e externado, sem salas mistas. As escolas femininas tinham um currículo voltado para o lar. A princípio havia uma grande diferenciação entre o que se ensinava para rapazes e a moças, mas com o tempo algumas matérias foram sendo introduzidas no currículo escolar das moças, sem que este, no entanto, deixasse de conter os conteúdos necessários para a formação de boas mães e esposas. As prendas domésticas também eram aprendidas na escola.

Dentro das despesas dos estudantes estava incluído desde material para toalete até selos e papel para cartas. Pagava-se (no caso do regime de internato) pela limpeza, pela lavagem das roupas e pelos uniformes, que eram variados - uniforme para uso diário, uniforme de gala, camisola ou pijama e roupa para banho. O Atheneu Victor Hugo (1894) foi um dos primeiro colégios fundados no município de Leopoldina e oferecia até o ensino secundário.

A partir da fundação do Ginásio Leopoldinense (1906), os cursos passaram a ter um direcionamento diferente. A escola normal, a escola agrícola e da escola de comércio formavam técnicos que atuariam nas redondezas, ajudando a reforçar o mercado de trabalho, enquanto que o curso secundário preparava jovens para as poucas faculdades brasileiras e para faculdades estrangeiras.

A fundação do Ginásio Leopoldinense, em um primeiro momento, não provocou mudanças profundas dentro do mercado escolar, que seguia seu processo natural de expansão. O Ginásio Leopoldinense era apenas mais uma escola, com instalações simples e com grandes propostas, que visavam aumentar a qualidade do ensino da região. Dez anos depois ele havia se expandido, tinha novas instalações, aumentou o número de vagas e seus cursos haviam se diversificado. Atendia desde crianças com 5 a 6 anos de idade até jovens que desejavam um diploma universitário ( através dos cursos de Farmácia e Odontologia). No final da década de 1920, tornara-se uma instituição monumental.

Sua ascensão, no entanto, provocou uma grande retração do mercado escolar. Estabelecimentos mais modestos não foram capazes de competir com as modernas e amplas instalações e serviços oferecidos pelo Ginásio. Aos poucos aquele mercado em expansão passou a ser monopolizado por esse colégio e, durante a década de 1920 o número de anúncios de vagas em escolas se tornava cada vez mais raro, salvo àqueles feitos pelo Ginásio Leopoldinense.

Ao que tudo indica, até à abertura do Ginásio Leopoldinense, a expansão escolar teve um ritmo intenso, havendo preocupação das escolas em oferecer o curso secundário, cursos técnicos, como o Comercial, e até mesmo cursos a nível superior.

A busca por um ensino de qualidade que oferecesse aos jovens membros da elite local oportunidades para receber uma instrução dentro do modelo representado pelo Colégio D. Pedro II (Ginásio Nacional) foi colocado em prática com o projeto ambicioso que representava o Ginásio Leopoldinense. No entanto, como veremos mais adiante, o papel de uma escola particular, principalmente em um período tão rico em acontecimentos, como foram as três primeiras décadas do século XX, extrapola o espaço limitado da educação formal para invadir um campo social muito mais complexo.

[1] LASSWELL, H. D. In.: Dicionário de Ciências Sociais, p. 389. Ver também: BOBBIO, Noberto. Dicionário de política. 1991; Dicionário do pensamento marxista.
[2] AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 1943
[3] BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. Ide por todo o mundo: a província de São Paulo como campo de missão presbiteriana - 1869 -1892. 1996
[4] XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. Capitalismo e escola no Brasil: a constituição do liberalismo em ideologia e as reformas de ensino (1931-61).1990
[5] BOURDIEU, Pierre. Op. cit. 1992, p. 310-12.
Fonte: Este fragmento de texto é parte integrante da monografia de especialização que apresente na UFJF, em 1997 – O Ginásio Leopoldinanese: mito político e formação de elites na Zona da Mata Mineira (1906 - 1930), p.45-49

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Leopoldina: a cidade dos estudantes

Em 1913, Custódio de Almeida Lustrosa professor do curso Normal do Ginásio Leopoldinense, faz uma generosa descrição do espaço físico daquela escola[1] que a faz lembrar em muitos trechos das narrativas de Sérgio, jovem personagem de O Ateneu[2], No entanto, o Ginásio não possuía um ambiente repressor e soturno, muito pelo contrário. O Ginásio parecia cultivar um ambiente mais ameno. Talvez seus múltiplos regimes - internato, aberto e semi-aberto- , fossem responsáveis por esta aparência mais suavizada, uma vez que os alunos da escola tinham oportunidade de se integrarem à comunidade local.

A expansão de sua rede física foi necessária para abrigar o grande contingente de alunos que crescia na medida em que se ampliavam os cursos oferecidos. A cidade de Leopoldina possuía uma população reduzida, visto que a maioria dos habitantes do município viviam no campo ou nos pequenos distritos periféricos. Na cidade encontraríamos somente os comerciantes, prestadores de serviços e algumas famílias de fazendeiros, que preferiam fixar-se na cidade. No entanto, a existência de uma escola do porte do Ginásio, oferecendo desde o Jardim de Infância até o ensino superior, atraía estudantes de diversas partes da Zona da Mata. A Leopoldina levava o carregamento de café e em seu lugar deixava os jovens que vinham morar na cidade a fim de estudar. Era uma opção regional e que barateava os custos com a instrução.

Em 1919, Waldemiro Potsch,[3] escolhido pelo Conselho Superior de Ensino para compor a banca de uma das mesas examinadoras naquele ano, em Leopoldina, escreveu curioso artigo - publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro- , no qual deixava registradas suas impressões sobre a cidade. Ficou muito impressionado com o Ginásio, o qual considerou um dos melhores, maiores e mais belos estabelecimentos de ensino da Zona da Mata. Chama Leopoldina de cidade dos estudantes, por constatar que estes pareciam ser, proporcionalmente, em maior quantidade do que os próprios moradores. Aponta um número em torno de 500, afirmando que a cidade não deveria possuir, naquele ano, cerca de 1000 habitantes. Durante as férias escolares Leopoldina literalmente esvaziava-se.

Essa enchente de estudantes podia ser melhor percebida no término do período letivo, quando estes encham os vagões do trem, a fim de retornarem para suas casas.

Potsch mostrou-se surpreso com a disciplina e com a integridade encontrada no estabelecimento - que, ao que parece, foi motivação para que ele escrevesse e publicasse o artigo. Segundo o narrador, foi um dos raros lugares onde a banca não foi assediada pelos alunos e onde não houve, pelo menos naquele ano, uso de pistolões para se conseguir aprovação de alunos.

O Ginásio assumiu um papel fundamental dentro da realidade urbana de Leopoldina. Ele funcionava dentro de parâmetros muito mais amplos do que o simples ensino. Como vimos, ele endossou e encarnou todo um universo simbólico, e funcionando como estímulo para a assimilação de um mito político. Ao mesmo tempo em que agia dentro do imaginário do cidadino, ele trazia também transformações no nível prático. Leopoldina nunca recebeu em um espaço tão breve de tempo um fluxo populacional tão grande, quanto aquela que vinha de distritos e outras cidades da Mata para lá estudar, apesar de o número de escolas particulares ter sido muito representativo no final do século XIX. Houve um estímulo econômico significativo, como o que ocorre em cidades que possuem cursos universitários. Fenômeno intrigante, o Ginásio, como parte de um universo mitológico político, poderá ser melhor compreendido frente ao estudo de alguns dos aspectos gerais do seu cotidiano.

[1] LUSTROSA, Custódio de Almeida. Gymnasio Leopoldinese. Album comemorativo de seu sétimo aniversário: 3 de julho de 1906-1913. Leopoldina/MG
[2] POMPÉIA, Raul. O Ateneu: crônica de saudades, 1988.
[3] In. REIS, José Botelho. Ob. cit., pp. 161-164


Fonte: Este fragmento de texto é parte integrante da monografia de especialização que apresente na UFJF, em 1997 – O Ginásio Leopoldinanese: mito político e formação de elites na Zona da Mata Mineira (1906 - 1930), p.56-59

domingo, 17 de junho de 2007

O ensino da história local: um grande desafio para os educadores

A preservação da memória sempre foi um desafio para o historiador e para os educadores, comprometidos com a disseminação e construção do conhecimento histórico. A memória muitas vezes se perde quando não se dá a devida atenção à documentação, aos monumentos e aos costumes locais. No caso específico de Leopoldina (MG), a história da cidade se resume a um punhado de recortes e anotações que ficam a disposição de alunos da rede escolar municipal. Todos os anos os professores pedem que os alunos façam pesquisas sobre a história da cidade e é sempre o mesmo material que aparece reproduzido. Mas será que a história da nossa cidade se resume a apenas isto?

Onde estão nossos mais de 150 anos de documentação? Onde está o relato das experiências de nossos avós e bisavós? Será que damos a devida atenção ao nosso patrimônio material e humano? Aí se apresenta o grande desafio do educador: como ensinar História do Município quando faltam dados concretos e material de pesquisa?

Em municípios maiores da Zona da Mata, como Juiz de Fora, cidade universitária, existem centros como o "Espaço Murilo Mendes", a Biblioteca "Murilo Mendes", o Museu Mariano Procópio, o Arquivo Histórico da UFJF, o Arquivo Histórico Municipal, dentre outros, que fornecem instrumentos e fontes para que seja produzido material historiográfico e que esse material possa ser utilizado pelas escolas, tanto da rede pública, quanto da rede privada. Esses mesmos espaços são abertos ao público em geral e, através de um trabalho de educação patrimonial, criam condições para que a história de Juiz de Fora seja não apenas resguardada, mas principalmente, partilhada com a comunidade.

Infelizmente os cursos de licenciatura no interior da Zona da Mata não parecem preocupados com a formação do pesquisador. O professor e o historiador encontram-se em mundos diferentes. Esta postura conservadora nos leva à reprodução de um tipo de conteúdo tradicionalista e positivista nas salas de aula.

Muitos dos professores da rede pública local foram formados nas universidades ou faculdades particulares e a maioria deles se afasta do ambiente acadêmico logo após a formatura. Se por um lado as universidades públicas privilegiam a formação dos bacharéis, as particulares dedicam-se à licenciatura, colocando o estímulo à pesquisa em segundo plano. O professor que atua na sala de aula acaba ficando desatualizado, enquanto que o pesquisador fica alheio às necessidades do ensino e às dificuldades dos jovens estudantes em assimilar o conhecimento histórico por eles produzido. Para Macedo, é necessário que haja um amplo diálogo entre universidade e escolas.[1]

Os desafios do professor do Ensino Fundamental

A escola, a que quem foi incumbida a tarefa de formar o cidadão, acaba esquecendo que a cidadania começa a partir da valorização do regional para então remeter-se ao nacional. A valorização da memória do município favorece o surgimento de um espírito crítico e comprometido com o bem comum.

O professor que trabalha com as séries iniciais precisa introduzir as noções básicas de Português, Matemática, Ciências, História e Geografia a crianças que vêm de realidades sociais diversas e possuem ambientes familiares distintos. São lançadas a um mundo de símbolos e abstrações que difere do mundo concreto onde foram criadas até então. Elas têm que aprender a viver em grupo, a se socializarem fora do ambiente familiar ou comunitário e passar cerca de 4 horas por dia confinadas em um espaço limitado, o da sala de aula. O professor é seu guia nessa jornada. Mas ele está pronto para isso?

Embora fala-se muito em renovação curricular, pudemos perceber que o ensino de História nas primeiras séries não sofreu grandes alterações. Na verdade, em Minas Gerais ele praticamente é o mesmo há mais de duas décadas, prendendo o professor a conceitos e métodos superados. Recorremos novamente a Fonseca:

“os programas curriculares cumprem a tarefa de universalização do saber, difundido conhecimentos até certo ponto padronizados, definidos e selecionados na esfera competente – os especialistas das Secretarias de Educação.”[2]

Nesse sentido, o município é estudado nos dois último ano do 1o ciclo (3a e 4a séries), explorando seus aspectos físicos, econômicos, institucionais e históricos. A criança irá localizar-se dentro do seu Estado e do seu país; irá aprender a identificar a economia local, distinguir atividades como agricultura e comércio de forma mais complexa; irá entender como funciona, a grosso modo, as instituições políticas locais; e finalmente, terá contato com a História de seu município. No entanto, dá-se uma grande ênfase ao ensino de uma história voltada para a exclusão, para a alienação do educando. Uma história de conteúdo fragmentado que divide o território em grandes porções e que valoriza aspectos econômicos em detrimento dos aspectos humanos. Fala-se de população, como dado estatístico e não de povo, enquanto agente social.

Mas entendemos que, da mesma forma como somos muitas vezes obrigados a adotar livros didáticos, que em geral são inadequados para o tipo de realidade na qual trabalhamos, e mesmo assim conseguimos transformar esse material em um instrumento positivo de ensino, explorando justamente suas deficiências, também podemos nos libertar da camisa de força que é o currículo. Podemos “desfragmentar” esse conhecimento e ir além daquela história que busca apenas introduzir as primeiras noções de socialização, mas uma história que a coloca como ser que participa de um todo maior, de um grupo amplo de pessoas que tem o estigma de serem cidadãos de um mundo ainda mais amplo e real do que a sua família, a sua escola, o seu bairro.

A valorização da História Local é o ponto de partida para esse processo de formação do cidadão, do agente histórico, pois ela irá romper com a noção de história que se prende apenas ao passado, aos grandes nomes e aos grandes feitos. Mas é preciso preparar o professor para isso.

O educador consciente procura na criatividade uma forma de romper com os obstáculos que enfrenta no dia-a-dia. Mas ser criativo soluciona apenas uma parte do problema. É necessário um ambiente de trabalho adequado, com material, cursos e treinamentos constantes. Ë necessário que haja um constante acompanhamento desses professores, para que eles possam desenvolver suas capacidades. Entenda-se aqui por acompanhamento, um trabalho envolvendo especialistas e professores de outros ciclos, buscando a socialização de conhecimentos e experiências.

Algumas sugestões de trabalho

Acreditamos que o método de ensino através da pesquisa é, atualmente, uma das melhores formas de desenvolver no jovem estudante a capacidade de ordenar e criar conhecimento, tirando do professor o ônus de ser o “dono do saber”, fazendo com que ele se torne um orientador, que aprende e produz conhecimento junto com seus orientados. Deste modo a criança poderá organizar suas idéias e aprender através do debate e da descoberta.

A pesquisa como forma de “criar” um novo conhecimento deve se sobrepor ao péssimo hábito de nossas escolas de estimular a simples clonagem de um conhecimento já existente. O desenvolvimento dessa habilidade deve começar junto com a aprendizagem escolar, ou seja, já no primeiro ano de escolarização. Segundo Knass:

(...) o processo de aprendizagem confunde-se com a iniciação à investigação, deslocando a problemática da integração ensino-pesquisa para todos os níveis de conhecimento, mesmo o mais elementar. A pesquisa é assim entendida como o caminho privilegiado para a construção de autênticos sujeitos do conhecimento que se propõem a construir sua leitura de mundo.”[3]

É preciso, no entanto, que se crie uma estrutura mínima para que o professor possa desenvolver novas habilidades, facilitando assim o seu trabalho na sala de aula e o desempenho do educando. Para tanto, seria interessante o desenvolvimento de um trabalho de educação patrimonial dentro da rede municipal de Leopoldina.

O primeiro passo para o desenvolvimento de um trabalho de educação patrimonial voltado para o ensino de História Local seria a apresentação do professor ao documento. Ele deverá entender que o documento é um importante instrumento de trabalho que pode ser utilizado de diversas formas na sala de aula. Os jornais, por exemplo. Dos mais antigos – que datam do século XIX – aos mais recentes, encarados como fontes de pesquisa para o professor e para o aluno. O professor deve entender que o documento deve ser trabalho de forma cooperativa, ou seja, junto com o aluno, não como um dado, mas como um instrumento de pesquisa através do qual ele e o aluno alcançarão junto o conhecimento. O trabalho com jornais pode variar desde a análise critica das notícias veiculadas e sua apresentação textual até a confecção de um jornal, pelos próprios estudantes. Trabalha-se também a interdisciplinaridade, através da leitura e da análise do documento, onde o professor poderá trabalhar a questão da evolução da lingua portuguesa, do comportamento social – como as relações afetivas e a violência, por exemplo -, a evolução da propaganda e dos meios de produção.

As construções antigas da cidade são outro documento importante. Elas podem ser mapeadas juntos com os alunos, que podem investigar em seus bairros, os edifícios mais velhos, seus antigos donos e suas famílias. Eles podem recriar a cidade a partir de fotos antigas, através de um mapa ou através de uma maquete. Trabalhar com material concreto antecede à criação do conhecimento abstrato. Ele deve criar o hábito de relatar suas experiências e a valorizá-las como forma de registro histórico.

Visitas guiadas são uma outra opção, extrapolando o ambiente formal da sala de aula. Elas podem ser realidades no próprio bairro, nas ruas centrais da cidade, incentivando o aluno a observar e a descrever o que vê. Uma visita ao cemitério, algo que pode parecer à primeira vista sem nexo, é uma atividade enriquecedora pois lá a criança poderá ter um contato mais íntimo com o passado. Entre túmulos e mausoléus ela irá observar obras de arte e até mesmo verificar como mesmo as homenagens aos mortos sofrem transformações com o tempo. Ela irá se deparar com túmulos de familiares e de pessoas que possuem o seu sobrenome e que viveram antes dela. Verá que até mesmo o cemitério, enquanto espaço do passado, está sujeito ao dinamismo do presente.

Visitas à espaços culturais, no caso de Leopoldina, são problemáticas pois a rigor só existem dois: um mantido por um artista plástico local, o senhor Rafael Domingues Rosa , em homenagem ao poeta Augusto dos Anjos, outro criado recentemente pela Companhia Força e Luz Cataguases /Leopoldina, a “Usina Cultural”. Não existe nenhum museu na cidade nem mesmo um arquivo municipal organizado.

A criança poderá explorar o universo da pesquisa, e descobrir que a História é dinâmica e que ela participa da história como sujeito. O professor por sua vez, terá que seguir todos os passos ao lado do estudante e aprender a criar o seu método. Algo simples e prático, mas que poucos fazem é o registro das experiências, mesmo daquelas não alcançaram os objetivos propostos, como referencial para futuros projetos. O planejamento bem feito oferece como retorno o enriquecimento não só do educando, mas sobretudo do educador.

Um trabalho de educação patrimonial pode envolver toda a comunidade, mas deve começar pela escola. Um argumento normalmente utilizado pelas pessoas é de que no município - no caso de Leopoldina -, pouca gente sabe o que é cultura, o que é memória e, portanto, qualquer iniciativa nesse sentido estará fadada ao fracasso. Mas não é justamente a ausência desta consciência que deve orientar o trabalho de preservação?

A escola deve educar para a vida desde bem cedo. O professor tem o direito e o dever de exigir que isso aconteça e deve aprender a se enxergar com elemento crucial para a formação do indivíduo que enxerga a sociedade como um espaço de realizações. Acreditamos no valor do trabalho do professor do Ensino Fundamental e, por acreditar nisso, tomamos a iniciativa de oferecer algumas sugestões de trabalho e levantamos algumas questões com relação ao sistema de ensino e aos vícios por ele reproduzidos.

Defendemos o uso e o desenvolvimento da pesquisa e da história regional ou local como um forma de possibilitar que esse processo ocorra, de tirar da História o estigma de ser uma “matéria de descoberta”, mostrando que não basta apenas saber de cor os fatos para se saber história. Que a história se cria a cada momento.


[1] MACEDO, José Rivair. Algumas considerações em torno da pesquisa e do ensino de história. In: Qual história? Qual ensino? Qual cidadania? – Porto Alegre: ANPUH, Ed. Unisinos, 1997, p. 105-154.
[2] FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada _ Campinas, SP: Papirus, 1993., p. 65
[3] KNASS, Paulo. Sobre a norma e o óbvio: a sala de aula como lugar de pesuisa. In. NIKITIUK, Sônio M. Leite (org). Repensando o ensino de História. – ed. – São Paulo, Cortez, 2001, p. 29-30.


Texto original publicado no IV Seminário Perspectivas do Ensino de História, 2001, Ouro Preto. Anais do IV Seminário Perspectivas do Ensino de História. , 2001, sob o título: Ensino de História Local, um desafio para os professores da Zona da Mata de Minas Gerais (o presente texto foi modificado e adaptado).

sábado, 16 de junho de 2007

Em busca da memória oculta


Meus alunos da sétima série tê feito alguns relatórios sobre o patrimônio histórico da cidade e um deles chamou minha atenção, tanto pela simplicidade, quando pelo conteúdo. Segue a transcrição abaixo:


Casas Antigas em Vista Alegre

Eu fui a Vista Alegre sozinho e lá me falaram que havia muitas casas antigas. Eu fui atrás da primeira que me indicaram, mas os donos não estavam. Então eu fui para a próxima. Lá não tinha ninguém morando.


Eu que sou muito insistente, fui até a uma fazenda em Vista Alegre e lá eu encontrei gente morando: o Sr Pedro e Dona Maria. Eu comecei a perguntar sobre a casa e se havia muitos anos que eles moravam ali. Têm uns 60 anos. A Dona Maria havia ganhado a casa de seus pais, que já morreram há mais de 30 anos. A casa era dos avó dele e havia passado para os pais dela e agora está com o casal.


Acho que no total a casa deve ter pelo menos uns 100 anos. Esta é a história da casa da Dona Maria e do Sr Pedro.

Por: Dênis Duarte Estevão - 7ª A - E. M. Judith Lintz Gueses Machado

quarta-feira, 13 de junho de 2007

O Municipio de Leopoldina e a oposição entre o campo e a cidade


O trecho que segue faz parte do artigo publicado na REVISTA Eletrônica de História do Brasil. Juiz de Fora: UFJF. Semestral. 1997-. http://www.ufjf.br/~clionet/rehb

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Leopoldina foi, durante a segunda metade do século XIX, um dos centros cafeeiros mais prósperos de Minas e da Zona da Mata. Em discurso feito à Assembléia Mineira em 1859, o futuro visconde de Caravelas, Carneiro Campos, apontava o significativo crescimento da lavoura de café naquele município,[1] que havia sido criado apenas há cinco anos, desmembrado de Mar de Espanha.[2] Segundo censo realizado em 1872, a população do município era de 41.886 habitantes, dos quais 15.253 eram escravos: um dos maiores planteis de escravos da Zona da Mata.[3] Em 1900, possuía 33.835 habitantes.[4]

Em torno da produção de café desenvolveu-se todo um complexo sistema que assentava-se na expansão da produção para exportação. Surgiam, paralelamente à expansão cafeeira, novas necessidades principalmente entre as camadas mais abastadas da sociedade local. Nas décadas finais do século XIX, a cidade de Leopoldina possuía, dentre outras coisas, energia elétrica, gerada pela Companhia Força e Luz Cataguases/Leopoldina, e uma das mais importantes redes de transportes da Zona da Mata, a Leopoldina Railway Ltda., criada na década de 1870, formada por capital britânico e brasileiro, com sede em Londres.[5]

Pela ferrovia, os cafeicultores escoavam a produção de café e chegavam à cidade de Leopoldina, mais rapidamente, bens de consumo diversos. Os vagões do trem traziam, também, estudantes que, principalmente na década de 1910, entravam na cidade em grande quantidade, atraídos pela privilegiada rede de ensino particular. Entre 1896 e 1914 foram fundadas cerca de 12 escolas particulares, oferecendo diversos cursos, recebendo a cidade o apelido de Atenas da Zona da Mata. Desses estabelecimento, o que mais se destacou foi o Ginásio Leopoldinense, fundado em 1906 por José Monteiro Ribeiro Junqueira, reconhecido como um dos melhores estabelecimentos de ensino de Minas Gerais, oferecendo diversos cursos em todos os níveis, inclusive o superior.[6] O teatro, a música e o cinema eram formas de arte e lazer muito apreciados pela população urbana. Eram comuns notas em jornais anunciando a apresentação de companhias teatrais, saraus e filmes.[7] O Cine Theatro Alencar foi, durante muitas décadas, centro por excelência de encontro de intelectuais e amantes das artes, além de ser também, espaço reservado para debates políticos.

Na cidade viviam aproximadamente 10% do total de habitantes do município, enquanto que nos distritos rurais estavam o restante dos leopoldinenses. Essa população campesina era formada, principalmente, por pequenos agricultores, agregados, ruralistas que trabalhavam em regime de meação ou em troca de um salário[9]. Havia também imigrantes, notadamente italianos, que residiam na Colônia Constança, que ficava a alguns quilômetros da sede do município. Estes eram os responsáveis por boa parte da produção de gêneros alimentícios comercializados na cidade, como destacou o jornal O Pharol, de Juiz de Fora: "Na colonia ‘Constança’, do município de Leopoldina, foram plantadas este anno 117 alqueires e 35 litros de arroz e 143 alqueires e 37 litros de milho. Segundo calculo feito pelo esforçado director da colonia, sr. Climenio Godinho, a colheita ali será a seguinte: arroz 9360 alqueires, e milho, 858 carros. O tempo tem corrido muito bem para as roças, sendo muito possível que a colheita exceda o calculo.Na ‘Constança’ fizeram este ano tambem grandes sementeiras de fumo".[10]

A indústria de Leopoldina resumia-se (até 1913) em duas máquinas de beneficiamento de arroz e um engenho de café,[11] estando mais próxima do campo do que da zona urbana. A sede do município não agiu, neste caso, como pólo de atração, uma vez que se pregava abertamente uma ideologia ruralista, que defendia o progresso através do campo[12]. A produção do café, a pecuária e demais atividades relacionadas ao campo eram a fonte de renda principal. A ausência de real investimento na indústria - gerada talvez pela incapacidade de retenção capital para investimento em outros setores, que não o agropecuário, e dependência de centros maiores como Juiz de Fora e Rio de Janeiro - fez da área urbana privilégio de uma minoria. Os membros da elite agrária e os comerciantes limitavam-se a conquistar novos benefícios urbanos, mas não a estendê-los a toda a população. No entanto, sabemos que, no caso de Leopoldina, a fonte de toda a riqueza estava no campo, mas para o homem humilde da terra restavam apenas os custos da urbanização.[13]

As classes populares estavam concentradas, principalmente nas periferias agrárias, compostas por distritos rurais. Em torno desses distritos, a população campesina organizava-se e socializava informações, oriundas da cidade - fato que provavelmente ocorria com mais intensidade em momentos de maior aglomeração popular, como aos domingos, quando havia missa, nas festas folclóricas ou religiosas, por exemplo. As transformações ocorriam em ritmo lento e, na maior parte do ano. Esse contingente populacional permanecia afastado dos problemas políticos e econômicos do país, quer por seu relativo isolamento, quer pelo pouco interesse que se tinha em levá-los a essa camada pouco participativa, em decorrência de sua exclusão social e econômica.

Apesar de ser um município basicamente agrário, onde a economia girava em torno do café, leite e gêneros como arroz, Leopoldina, a cidade, era um espelho que refletia a aspiração de suas elites em querer acompanhar de perto o ritmo da modernidade. A cultura era tratada com respeito, assim como quem a detinha. Havia preocupação com a informação - daí a presença de jornais na cidade, como a Gazeta de Leopoldina e o Novo Movimento.

A cidade representava o avesso do campo. Estava constantemente preocupada com os avanços do progresso e com a civilização. Essa preocupação com a civilidade é uma herança colonial das Minas Gerais, que no século XVIII[14], sob reflexo do processo civilizador[15] europeu criou modelos de comportamento que serviram para distingir os membros de camadas sociais privilegiadas do restante da população.

No nosso estudo de caso, o campo era o habitat das classes subalternas, incivilizadas, enquanto a cidade era o berço da civilidade, onde se desenvolviam as boas maneiras, a arte de bem tratar, com base no que se convencionou chamar de educação. Essa diferenciação é o que estabelece o equilíbrio das relações de poder e legitima o domínio da cidade sobre o campo - ou, segundo uma visão marxista, do explorador sobre o explorado.

A escola passou a ser, com o aumento da demanda por instrução e especialização - frutos do avanço do capitalismo no Brasil - parte importante desse processo, que pode ser melhor compreendido ao analisarmos o ensino público, destinado às classes menos privilegiadas como forma de civilizar aqueles que eram considerados menos afortunados, ainda mergulhados na barbárie, adequando-os dentro do modelo social burguês que se implantava no país.


[1] ALVES, Márcio Resende Ferrari. Economia na Zona da Mata Mineira: passado e presente; dois casos de análise econômica. Folha de Viçosa. Viçosa - MG, p. 13, 1993.
[2] ACAIACA. Centenário de Leopoldina. Leopoldina, 1954.
[3] ANDRADE, Rômulo. Cafeicultura na Zona da Mata. Revista Brasileira de História. São Paulo. n. 22, p. 93-131, 1992.
[4] CARRARA, Ângelo Alves. A Zona da Mata: diversidade econômica e continuismo (1834-1909). Dissertação de Mestrado. Niterói. UFF. 1993.
[5] Sobre a Leopoldina Raiway Ltda. ver BLASENHEIN, Peter. Uma história regional: a Zona da Mata mineira (1870-1906). Seminário de Estudos Mineiros: a República Velha em Minas. Belo Horizonte: UFMG/PROED 1982, p. 73-90; e As ferrovias de Minas no século XIX. Locus: Revista de História. Juiz de Fora, v. 2, n. 2, p. 81-110, 1996.
[6] Ver. REIS, José Botelho. Ementário do Gymnasio Leopoldinense. 1925.
[7] Raphael Gimenes organizou com artistas da companhia de Zarzuelas e artistas iniciantes do município, a apresentação de espetáculos teatrais: a comédia O caipora Feliz Mimoso, depois Dois velhos de bom gosto e A cabana do Pe. Thomás. (A Gazeta de Leopoldina. Leopoldina, 17/10/1897. Anno III, n. 27, p. 2). "Estreou no dia 8 do corrente com seu 'cinematografo Lumiére' o sr. Germano Alves" (A Gazeta de Leopoldina, 11/06/1899. Ano V, n. 9, p. 2).
[8] Almanack Henalt. Anuário Brasileiro Comercial Illustrado. Rio de Janeiro, anno 6, 1912-1913, p. 52.
[9] Sobre regime de propriedade fundiária e relações de trabalho remuneradas, pré-capitalistas, na Zona da Mata, ver PIRES, Anderson. Capital agrário, investimento e trabalho na Zona da Mata. Dissertação de Mestrado em História. Niterói: UFF. 1993.
[10] O Pharol, Juiz de Fora, 13/01/1916, n. 11, p. 01.
[11] Almanack Henalt, op. cit., p. 53.
[12] Esse tipo de metalidade estava presente em muitos dos editoriais e artigos do jornal local A Gazeta de Leopoldina. Nos períodos de crise do café públicava-se o uma coluna chamada “Em defesa do Café”, e outra com o título de “Policultura”. Ver A Gazeta de Leopoldina, diversos números, 1896-1914.
[13] A nível de comparação, ver: ARIAS, José Miguel Neto. O Eldorado: Londrina e o Norte do Paraná - 1930/1975. Dissertação de Mestrado, São Paulo: USP, 1993. O autor trabalha o processo de urbanização de Londrina e do Norte do Paraná tendo como base a expansão cafeeira. Embora sejam casos de análise usando objetos e contextos diferentes, o trabalho oferece elementos que ajudam a esclarecer alguns porquês com relação ao desenvolvimento das cidades, de forma geral.
[14] Sobre a sociedade nas Minas Gerais do século XVIII, ver: SILVEIRA, Marco Antônio. O universo indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-1808). São Paulo: HUCITEC, 1997.
[15] Segundo Nobert Elias, a civilização é um aspecto específico do desenvolvimento de estruturas socias. Na civilização barbárie e civilization confundem-se, sendo ao mesmo tempo opostos e interdependentes. (ELIAS, Nobert. O processo civilizador. 2. ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, v. 1.)

Uma breve história de Leopoldina (1828-1930)

A Zona da Mata de MG não era desconhecida dos colonos portugueses. Quando a cana-de-açúcar entrou em decadência, no século XVII, Portugal incentivou bandeirantes a penetrarem os sertões de Minas Gerais em busca metais e pedras preciosas. Essa incessante busca por riquezas para os cofres reais levou ao descobrimento de grandes jazidas de ouro em Minas Gerais. Durante esse processo, várias áreas até então desconhecidas foram ocupadas. Outras, não atraindo atenção do governo português, ficaram reservadas para posterior exploração.

Originalmente conhecida como sertões proibidos, a Zona da Mata era utilizada pelos contrabandistas de ouro, que no desejo de escapar da rígida fiscalização da Coroa, utilizavam-na como rota alternativa para chegar ao Rio de Janeiro, por esse motivo, o governo Português proibia a colonização da região, alegando que os indígenas que lá habitavam eram extremante perigosos.

No final do século XVIII a mineração estava em crise, em Minas Gerais. A migração para a região mineiradora havia diminuído e sendo redirecionada para áreas até então despovoadas. A decadência das zonas mineradoras aumentou consideravelmente a circulação de migrantes, para as chamadas “áreas proibidas”. À medida que os desbravadores penetrando nesses sertões, à procura de metais e pedras preciosas, iam criando condições para o surgimento de pequenos povoados. Os tropeiros também tiveram igual importância nesse processo. A doação de sesmarias, mais tarde, possibilitou a implantação de uma nova economia, diferente daquela que caracterizou o Centro de Minas.

A zona da mata começou a ser mais intensamente ocupada a partir do início do século XIX, quando o governo português doou sesmarias a famílias que desejassem aqui se fixar, dada a necessidade de revigorar a economia da colônia. A doação de sesmarias era feita, também, por critérios políticos. D. Pedro I, por exemplo, doou terras onde hoje localiza-se Juiz de Fora a homens que lhe prestaram serviços por época da pacificação do Brasil, como foi o caso de Henrique Halfeld. A abertura do caminho novo foi muito importante nesse processo, pois ao longo de seu percurso, fundaram-se ranchos e desenvolveram-se atividades ligada á agricultura e à pecuária. A região caracterizava-se pela presença de matas virgens e de um considerável número de tribos indígenas, até então intactas graças à proibição do governo português de exploração da região.

Localizado na Zona da Mata Leste, o município de Leopoldina ocupa atualmente uma área de 899 km2, originalmente habitado pelos índios das tribos do coroados e puris, estes últimos ainda bem numerosos em 1832, quando já haviam se instalado aqui os primeiros colonizadores[1]. Em 1828, os primeiros exploradores de que se tem registro chegaram ao território que hoje pertence ao município de Leopoldina, que ficou inicialmente conhecido com Arraial do feijão Cru, no Sertão do Pomba, nome dado ao local pelos habitantes de Barbacena. Essa história é narrada de forma folclórica, pela Lenda do Feijão Cru, tida como marco do surgimento de Leopoldina, na verdade o processo de nascimento do município foi bem mais complexo.

São considerados seus fundadores, e receberam as primeiras sesmarias, o tenente Joaquim Ferreira de Brito e seu genro Francisco Corrêa de Lacerda.[2] Em 1831, eles doaram terras de suas sesmarias para que fosse construída a primeira igreja (onde hoje está a Igreja do Rosário) e as duas primeiras casas do arraial. A lei que teria criado o distrito de paz e policial, também o Curato, foi aquela referida pelo Dr. Antônio José Monteiro de Barros[3], de 30 de setembro de 1830, por época da elevação da localidade a distrito da Vila de São Manuel do Pomba, em 1837 tendo pertencido, anteriormente, a Barbacena e mais tarde a Mar de Espanha.

Em 1854 foi desmembrado do município de Mar de Espanha e, no dia 27 de abril daquele ano, através da Lei 666, criou-se o município da vila de Leopoldina, que compreendia os distritos de: Piedade, Rio Pardo, Madre de Deus, São José do Paraíba, Conceição da Boa Vista, São Francisco de Assis do Capivara, Laranjal e Meia Pataca. Sua instalação ocorreu no ano seguinte, no dia 20 de janeiro. Em 1861 a vila de Leopoldina, sede do município, é elevada à categoria de cidade. Desde então sua circunscrição sofreu muitas alterações, tendo ganhado e perdido distritos.

O café surgiu como uma cultura viável na Zona da Mata, graças ao clima, presença de fronteiras agrícolas e de mão-de-obra para as lavouras, escravos que podiam ser adquiridos, depois do fim do tráfico (1850), de áreas decadentes do nordeste açucareiro e da mineração. Seu desenvolvimento se dá no mesmo período do Vale do Paraíba. Até 1830, o Vale do Paraíba era a região pioneira na produção de café e estava ligado à Minas Gerais através de picadas abertas por viajantes no século XVII, tendo esse influenciado a implantação da cultura do café na Zona da Mata. Com o declíneo do Vale, Minas passa a liderar, durante algum tempo a produção de café. Destacaram-se na produção municípios como Leopoldina, Juiz de Fora, Mar de Espanha, Cataguases e Ubá dentre outros. Em discurso feito à Assembléia Mineira, em 1859, o futuro Visconde de Caravelas, Carneiro Campos, aponta para o significativo crescimento da lavoura de café nos municípios de Mar de Espanha e Leopoldina[4].

As fazendas eram bastante numerosas. De 1883 a 1887, em Leopoldina existiam cerca de 42 unidades produtivas, com um área média de 703 hectares, ocupando um perímetro total de 29.554 hectares, tendo cada unidade uma média de 114.047 pés de café plantados. Já no recenseamento de 1920, esse número havia se multiplicado, reduzindo-se a área média - havia um total de 899 estabelecimentos, dos quais apenas 303 possuíam área superior a 100 hectares, mas que, no entanto, ocupavam cerca de 79,5% da área total de cultivo. Predominavam as pequenas propriedades, mas dominavam o espaço geral, as grandes propriedades, com mais terras e melhores condições de expansão do cultivo[5].

Segundo censo realizado em 1872, a população do município era de 41.886 habitantes, dos quais 15.253 eram escravos e 26.633 livres. Na Zona da Mata concentrava-se cerca de 26% do total de escravos da província, sendo que os municípios que possuíam os maiores plantéis eram Juiz de Fora e Leopoldina[6]. A respeito da escravidão na Zona da Mata, vale a pena examinar o trabalho realizado por Roberto B. Martins e Amilcar Martins Filho, posteriormente reavaliado e criticado por Robert W. Slenes, mas cuja importância ‚ fundamental na medida em que abre novas discussões a respeito da escravidão e da economia na Zona da Mata no século XIX[7].

Com o fim da escravidão, em 1888, Minas enfrentou, juntamente com São Paulo, o problema da mão-de-obra. No entanto, ambos os estados iriam tomar caminhos diferentes. A transição das relações de trabalho escravistas para livre na Zona da Mata obedeceu padrões diferentes de São Paulo, devido a problemas internos e ao baixo fluxo imigratório. Entre as relações de trabalho prevaleceram em Leopoldina a meação e o salário[8].

O trabalhador nacional foi a solução mais viável, embora tentativas de integração de trabalhadores estrangeiros na lavoura de café da Mata tenham sido realizadas, sua utilização era muito pequena, restringindo-se mais aos centros urbanos. Na Zona da Mata houve uma tendência em adotar o trabalho livre pobre, em detrimento ao imigrante, visto que, naquele período, entre outras coisas, Minas era a província mais populosa do Brasil e o Imigrante procurava preferencialmente instalar-se nas cidades, onde acabavam proletarizando-se ou abrindo seus próprios negócios[9].

Em torno da produção de café desenvolveu-se todo um complexo sistema que assentava-se na expansão da produção para exportação. Surgiam, paralelamente à expansão cafeeira, novas necessidades principalmente entre as camadas mais abastardas da sociedade local. Nas décadas finais do século XIX, a cidade de Leopoldina possuía, dentre outras coisas, energia elétrica, gerada pela Companhia Força e Luz Cataguases/Leopoldina, e uma das mais importantes redes de transportes da Zona da Mata, a Leopoldina Railway Ltda., criada na década de 1870, formada por capital britânico e brasileiro, com sede em Londres.[10]

Pela ferrovia, os cafeicultores escoavam a produção de café e chegavam à cidade de Leopoldina, mais rapidamente, bens de consumo diversos. Os vagões do trem traziam, também, estudantes que, principalmente na década de 1910, entravam na cidade em grande quantidade, atraídos pela privilegiada rede de ensino particular. Entre 1896 e 1914 foram fundadas cerca de 12 escolas particulares, oferecendo diversos cursos, recebendo a cidade o apelido de Atenas da Zona da Mata. Desses estabelecimento, o que mais se destacou foi o Ginásio Leopoldinense, fundado em 1906 por José Monteiro Ribeiro Junqueira, reconhecido como um dos melhores estabelecimentos de ensino de Minas Gerais.[11] O teatro, a música e o cinema eram formas de arte e lazer muito apreciados pela população urbana. Eram comuns notas em jornais anunciando a apresentação de companhias teatrais, saraus e filmes.[12]

A cidade refletia em si a prosperidade proporcionada pelo café. Em 1907, durante o 3o Congresso das Municipalidades – realizado durante a Exposição Agropecuária da cidade -, Leopoldina foi assim descrita pelo correspondente enviado pelo Jornal do Commercio (Periódico de Juiz de Fora): “Leopoldina apresenta deslumbrante aspecto. Nas ruas, pelas quaes se viam palmeiras, galhardes, flores, era enorme o movimento notando-se a presença de grande numero de pessoas vindas de fora.Á entrada da rua Cotegipe, foi erguido um arco triumphal, no qual se lê o nome do sr. Dr. João Pinheiro, circundado de bandeiras da nossa nacionalidade.Essa rua á noite, apresentava brilhante aspecto, pela sua profusa illuminação”[13]

Em 1913, o Almanack Hénault assim descrevia o município: “A cidade é toda iluminada a luz elétrica, calçada e conta com 4 jardins públicos. Sua população é calculada em 35.000 habitantes, dos quais 3.000 vivem na cidade, com 3.327 eleitores.”[14] Na cidade viviam aproximadamente 10% do total de habitantes do município, enquanto que nos distritos rurais e estavam o restante dos leopoldinenses. Essa população campesina era formada, principalmente, por pequenos agricultores, agregados, ruralistas que trabalhavam em regime de meação ou em troca de um salário[15]. Havia também imigrantes, notadamente italianos, que residiam na Colônia Constança, que ficava a alguns quilômetros da sede do município. Estes eram os responsáveis por boa parte da produção de gêneros alimentícios comercializados na cidade.

A indústria de Leopoldina resumia-se (até 1913) em duas máquinas de beneficiamento de arroz e um engenho de café,[16] estando mais próxima do campo do que da zona urbana. A sede do município não agiu, neste caso, como pólo de atração, uma vez que se pregava abertamente uma ideologia ruralista, que defendia o progresso através do campo[17]. A ausência de real investimento na indústria - gerada talvez pela incapacidade de retenção capital para investimento em outros setores, que não o agropecuário, e dependência de centros maiores como Juiz de Fora e Rio de Janeiro - fez da área urbana privilégio de uma minoria. Os membros da elite agrária e os comerciantes limitavam-se a conquistar novos benefícios urbanos, mas não a estendê-los a toda a população. No entanto, sabemos que, no caso de Leopoldina, a fonte de toda a riqueza estava no campo, mas para o homem humilde da terra restava apenas os custos da urbanização.[18]

As classes populares estavam concentradas, principalmente nas periferias agrárias, compostas por distritos rurais. Em torno desses distritos, a população campesina organizava-se e socializava informações, oriundas da cidade - fato que provavelmente ocorria com mais intensidade em momentos de maior aglomeração popular, como aos domingos, quando havia missa, nas festas folclóricas ou religiosas, por exemplo. As transformações ocorriam em ritmo lento e, na maior parte do ano. Esse contingente populacional permanecia afastado dos problemas políticos e econômicos do país, quer por seu relativo isolamento, quer pelo pouco interesse que se tinha em levá-los a essa camada pouco participativa, em decorrência de sua exclusão social e econômica.

Apesar de ser um município basicamente agrário, onde a economia girava em torno do café, leite e gêneros como arroz, Leopoldina, a cidade, era um espelho que refletia a aspiração de suas elites em querer acompanhar de perto o ritmo da modernidade. Tomando alguns termos emprestados de Bourdieu, pode-se dizer que havia uma tendência a se valorizar o capital cultural[19] usado como forma de distinção entre as frações de classe.

A cidade representava o avesso do campo. Estava constantemente preocupada com os avanços do progresso e com a civilização. Essa preocupação com a civilidade é uma herança colonial das Minas Gerais, que no século XVIII[20], sob reflexo do processo civilizador[21] europeu criou modelos de comportamento que serviram para distinguir os membros de camadas sociais privilegiadas do restante da população. Na política, de fundo paternalista, predominava o coronelismo e o clientismo traço característico da República Velha[22]. O principal líder político foi José Monteiro Ribeiro Junqueira, que representou Minas e a Zona da Mata no cenário político nacional durante muitos anos.

O século XX trouxe consigo o agravamento da crise do café no Brasil, gerado, entre outros fatores, pelo aumento da concorrência externa e pela superprodução. Minas era segundo maior produtor de café do Brasil, perdendo apenas para São Paulo. No entanto, nosso café era considerado de baixa qualidade e, portanto, não alcançava pelos elevados como o paulista. Além disso, Minas enfrentava uma crise mão-de-obra, já que a imigração não havia sido tão intensa quanto em São Paulo. Durante as três primeiras décadas o município de Leopoldina, a reflexo do contexto nacional, lutava para salvar a lavoura do café, considerada até então, a única forma de sobrevivência.

As lideranças da Zona da Mata buscavam soluções para os problemas econômicos que a região, a exemplo do Estado, estavam passando. Dentro desse espírito foram realizados fóruns e debates. Leopoldina, sob liderança de Ribeiro Junqueira foi em 1907 sede do 3o Congresso das Municipalidades da Zona da Mata, que teve em sua pauta dois temas polêmicos: a defesa da lavoura e a autonomia dos municípios. Participaram do Congresso figuras eminentes como: Francisco Bernadino, João Pinheiro, Francisco Salles, Wenceslau Braz, Bueno Brandão, entre outros.[23]

Com a crise de 1930, o município enfrentou sérios problemas financeiros e teve que se adaptar aos novos tempos. Apesar da diversificação das atividades. A policultura foi incentivada e a criação de gado leiteiro tomou destaque em Leopoldina[24], onde café e leite foram marcas registradas na primeira metade do século XX[25]. Para os moradores de Leopoldina, assim como os de outras cidades da Mata, era do campo que viria a riqueza que sustentaria a cidade. Era essa a dinâmica que movia as pequenas comunidades e o pensamento disseminado pelas elites locais.

Aquele que foi um dos mais ricos e promissores municípios de Minas Gerais sofreu uma forte retração econômica e populacional. A industria nunca conseguiu se instalar de forma hegemônica, tendo o campo permanecido como principal fonte de divisas. A população foi aos poucos reduzindo e houve uma tendência de fluxo inverso: a cidade que recebia trabalhadores e estudantes vindos de várias regiões de Minas e do Brasil e que, em 1872 possuía mais de 40 mil habitantes, atualmente conta com um número similar, mais de 100 anos depois. Apesar dos estereotipos que surgiram mais tarde – referindo-se à decadência sofrida pelo Município -, o processo que levou ao fim do ciclo cafeeiro e ao empobrecimento da região se deveu à combinação de fatores internos e externos e não foi um evento localizado. Poucos foram os municípios da Mata que conseguiram burlar as dificuldades e sobreviver ao declínio da economia agrário-exportadora. Resta a nós, através do resgate ad história local, tentar identificar esses fatores e buscar construir um futuro diferente, já que a Época de Ouro não pode ser resgatada em sua íntegra, mas a busca por um padrão de vida digno – escolas de qualidade, emprego e incentivo à cultura, devem partir de uma mentalidade moderna e empreendedora são fundamentais para o desenvolvimento da Leopoldina de hoje.



[1]JOSÉ, Oiliam. O indígena de Minas Gerais: aspectos sociais, políticos e etnológicos. Belo Horizonte, 1965, p.35
[2] Esse afirmação é confrontada pelos dados que a pesquisadora Nilza Cantoni encontrou no livro de memórias de Francisco de Paula Ferreira de Rezende, o Livro Minhas Recordações, onde ele afirma que a primazia de ocupação sempre foi disputada por duas famílias: Monteiro de Barros e Almeida. Os Almeidas se misturaram ou já para cá vieram confundidos com os Britos e os Netos. O autor descreve a disputa de posses que levou ao início da ocupação. Mais dados a respeito ir em http://www./piacatuba.cjp.net/.
[3] Formado em direito em Pernambuco, foi dono da Fazenda Paraíso, uma das maiores de Leopoldina e foi o primeiro vereador de Leopoldina e, mais tarde, Deputado Estadual. É considerado o fundador da localidade, mas esse dado‚ contestável. Os Monteiro de Barros chegaram um pouco depois que os Brito e os Lacerda, por isso o mérito do povoamento e da formação do município não pode lhes ser concedido individualmente.
[4] ALVES, Márcio Resende Ferrari. Economia na mata mineira: passado e presente dois casos de análise econômica, 1993, p. 51
[5] PIRES, Andersorn. Capital agrário, investimento e crise na cafeicultura de Juiz de Fora (1870-1930). UFRJ, Dissertação de Mestrado, 1993, p. 31-47.
[6]ANDRADE, Rômulo. Escravidão e cafeicultura em Minas Gerais: o Caso da Zona da Mata. Revista Brasileira de História, 1994, p. 83-131.
[7] Quanto a isso, ler o artigo de Robert W. Slenes, publicado na revista de Estudos Econômicos, n. 03, 1988, pp. 449-495.
[8] PIRES, Anderson op. cit., 1993..
[9] OLIVEIRA, Mônica, op. cit., 1991.
[10] Sobre a Leopoldina Raiway Ltda. ver BLASENHEIN, Peter. Uma história regional: a Zona da Mata mineira (1870-1906). In.: Seminário de Estudos Mineiros: a República Velha em Minas. Belo Horizonte: UFMG/PROED 1982, p. 73-90; e As ferrovias de Minas no século XIX. In.: Locus: Revista de História. Núcleo de História Regional/UDUFJF, v. 2, n. 2, p. 81-110, 1996.
[11] Ver. REIS, José Botelho. Ementário do Gymnasio Leopoldinense. 1925.
[12] Raphael Gimenes organizou com artistas da companhia de Zarzuelas e artistas iniciantes do município, a apresentação de espetáculos teatrais: a comédia O caipora Feliz Mimoso, depois Dois velhos de bom gosto e A cabana do Pe. Thomás. (GAZETA de Leopoldina. Leopoldina, 17 de outubro de 1897. Anno III, n. 27, p. 2). "Estreou no dia 8 do corrente com seu 'cinematografo Lumiére' o sr. Germano Alves" (GAZETA de Leopoldina. Leopoldina, 11 de junho de 1899. Ano V, n.9, p. 2).
[13] Jornal do Commercio, Juiz de Fora, 15 out., 1907, p. 01, n. 3436
[14] ALMANACK, Henalt. Anuário Brasileiro Comercial Illustrado; Rio de Janeiro, anno 6; 1912-1913, p. 52.
[15] Sobre regime de propriedade fundiária e relações de trabalho remuneradas, pré-capitalistas, na Zona da Mata, ver PIRES, Anderson. Capital agrário, investimento e trabalho na Zona da Mata. Dissertação de Mestrado. UFF. 1993.
[16] ALMANACK, Henalt. Op. Cit., p. 53.
[17] Esse tipo de mentalidade estava presente em muitos dos editoriais e artigos do jornal local A Gazeta de Leopoldina. Nos períodos de crise do café publicava-se o uma coluna chamada “Em defesa do Café”, e outra com o título de “Policultura”. Ver A Gazeta de Leopoldina, diversos números (1896-1914).
[18] A nível de comparação, ver: ARIAS, José Miguel Neto. O Eldorado: Londrina e o Norte do Paraná - 1930/1975. Dissertação de Mestrado, São Paulo. USP. 1993. O autor trabalha o processo de urbanização de Londrina e do Norte do Paraná tendo como base a expansão cafeeira. Embora sejam casos de análise usando objetos e contextos diferentes, o trabalho oferece elementos que ajudam a esclarecer alguns porquês com relação ao desenvolvimento das cidades, de forma geral.
[19] Bourdieu distingue capital econômico de capital cultural, que é não apenas aquilo que se aprende na escola ou nos livros, mas também toda a herança cultural de um indivíduo (BOURDIEU, Pierre. Op. cit. 1992).
[20] Marco Antônio Silveira trata da questão da implantação da civilidade nas Minas Gerais do século XVIII, (SILVEIRA, Marco Antônio. O universo indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735-1808). São Paulo; HUCITEC, 1997, p. 29-84).
[21] Segundo Nobert Elias, a civilização é um aspecto específico do desenvolvimento de estruturas sociais. Na civilização barbárie e civilization confundem-se, sendo ao mesmo tempo opostos e interdependentes. (ELIAS, Nobert. O processo civilizador. /trad. Ruy Jungmann/ 2.ed; vol. 1; Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed.; 1994).
[22] Os coronéis tiveram um papel marcante a nível regional, principalmente até a década de 30. Sobre coronelismo ver: CARVALHO, José Murilo. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. 1995; LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, voto e enxada. 1975.
[23] Jornal do Commercio, Juiz de Fora, 15 de out., de 1907, p. 01, n. 3436
[24] A lei 353 de 20 de setembro de 1900, criava a feira de gado de Leopoldina, tipo de iniciativa que objetivava incentivar a produção oferecendo prêmios e comendas (IGLÉSIAS, Francisco, Política econômica do Estado de Minas (1890-1930). 1982). A Cooperativa dos Produtores de Leite de Leopoldina tornou-se em pouco tempo uma das maiores fornecedoras do produto para o Estado do Rio de Janeiro (ACAIACA, Centenário de Leopoldina. 1954).
[25] Já em 1859 comentava-se sobre o desenvolvimento da cultura do café em Leopoldina e Mar de Espanha, na Assembléia provincial (ALVES, Márcio Resende Ferrari, Economia na Zona da Mata mineira: passado e presente- dois casos de análise econômica. 1993).