quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

CHANTAL MONTELLIER, QUADRINHOS E PESQUISA

Chantal Montellier é uma pioneira nos quadrinhos franco-belgas tendo sido a primeira mulher a participar da imprensa política. Em defesa de uma maior participação e visibilidade das mulheres cartunistas, Chantal foi co-fundadora do Prêmio Artemisia, e atualmente é presidente da Associação Artemisia, que tem por objetivo valorizar o trabalho de jovens cartunistas. 

Uma das características marcantes do seu trabalho é o uso da ficção social: pega uma sociedade em um dado momento e, levando em conta que ela contém em si os germes da desigualdade, do autoritarismo, da violência econômica, sexismo, etc., imagina seu futuro, duas, três ou cinco décadas mais tarde.

Para quem quiser conhecer melhor o trabalho da quadrinista, mas não tem acesso à produção europeia, no Brasil foi publicada a HQ "O Processo", pela editora Veneta, adaptação do famoso de Franz Kafka, que conta a história de Joseph K, preso sem explicação e forçado a enfrentar um processo jurídico caracterizado por uma burocracia autoritária. É deste romance que nasce a expressão “kafkaniano” (expressão atrelada à ideia do surreal, do absurdo; confusão entre o real e a ficção, estados hipotético de penumbra, de danação absoluta e de submissão ao imaginário; crise de identidade entre o mundo e o indivíduo). 

Há aproximadamente um ano atrás eu comecei a ter contato com Chantal Montellier e a conhecer seu trabalho em defesa das mulheres cartunistas. Chantal Montellier. Foi um pouco antes do atentado ao Charlie Hebdo, que completa hoje um ano. Por sinal, trocamos nos dias que se seguiram à tragédia e eu pude sentir um pouco mais de perto o impacto que o atentado teve sobre os quadrinistas franceses. Independentemente de concordaram ou ao não com o conteúdo das charges e caricaturas do Charlie Hebdo, para eles o atentado foi um ataque à liberdade de expressão, tão cara ao meio artístico, em seu todo.

O motivo do meu contato com Chantal Montellier foi profissional. Eu estava buscando por fontes para uma pesquisa que precisava fazer sobre mulheres e religião nos quadrinhos franco-belgas (publicada ano passado em um livro sobre como título "Religiões nas Histórias em Quadrinhos", organizado pelos pesquisadores Iuri Reblin e Amaro Braga). Confesso que até então eu não tinha quase conhecimento algum sobre a participação feminina no mercado europeu. Meu trabalho era mais focado na produção estadunidense, até por influencia da minha pesquisa de mestrado.

Quando ela respondeu minha primeira mensagem e comecei a trocar ideias e impressões eu, que tinha algumas pequenas questões passei a ter a mente inundada por uma curiosidade sobre a realidade francesa que só podia ser saciada de uma forma: pela pesquisa. Foi através da biografia de Chantal que eu conheci a “Ah! Nana”, que passou a ser meu novo objeto de trabalho. Transformei a revista no tema da minha apresentação do Encontro Nacional da ANPUH, de 2015. Não satisfeita, consegui comprar toda a coleção, que deve chegar na minhas mãos ainda este ano.

Pois bem, conhecer Chantal abriu não apenas um leque de possibilidades de pesquisa como, também, ampliou minha visão acerca da presença feminina neste amplo universo que é a indústria dos quadrinhos. Isso incluiu, também, a produção feminina no Brasil, para a qual eu já tinha despertado interesse após participar do encontro Lady’s Comics, em 2014. Mas após conhecer Chantal esse interesse não apenas cresceu como também surgiram novas perspectivas, novas formas de abordar o tema a partir da experiência das mulheres na França.

Acho importante que as nossas quadrinistas possam conhecer um pouco mais sobre a realidade feminina em outros países, que não apenas os Estados Unidos.  Mesmo com todo o avanço que temos tido dos últimos anos ainda precisamos romper muitas barreiras. Chantal, em sua experiência, pode não apenas nos inspirar como até fortalecer nossa determinação em buscar por mais visibilidade não apenas na produção de quadrinhos mas nas muitas áreas profissionais onde o talento da mulher ainda não é reconhecido.

Dito isso, devo esclarecer que esta postagem será dividida em duas partes. Eu pretendo compartilhando na segunda parte algumas partes da entrevista que ela me concedeu, no primeiro semestre de 2015.  É claro, não é uma postagem exclusivamente para mulheres. As opiniões e considerações da autora são de interesse de todos que atuam ou pesquisam na área de quadrinhos. 

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