domingo, 8 de março de 2020

NO DIA DAS MULHERES, A HISTÓRIA DE UMA MULHER GUERREIRA: MARIA FELIPA DE OLIVEIRA

Maria Felipa de Oliveira - Heroína da Independência.
Imagem capturada em: https://br.pinterest.com/pin/363806476147652941/?lp=true

Paulo Freire já dizia que a educação sozinha não transforma a sociedade, mas sem ela a sociedade não tem como mudar. Se o conhecimento é um caminho para a mudança, em que direção deveremos trilhá-lo? Como estamos educando nossos meninos e meninas e qual a direção que esta educação deve tomar?

Neste dia Internacional de Mulher, de 2020, e não apenas nele, devemos refletir sobre a educação como formação do indivíduo que trilha o caminho da tolerância e da justiça. Por isso, dedico esta postagem às mulheres guerreiras do presente e do passado, homenageando-as na forma de uma breve narrativa da história de Maria Felipa de Oliveira, personagem que não figura nos livros didáticos, mas cujo exemplo serve para inspirar aquelas mulheres que, todos os dias, são testadas em seus limites. 

As mulheres por muito tempo passaram pela história como vítimas, como seres incapazes de se defender, como pessoas lamentáveis. Mas e aquelas que reagiram? Aquelas que enfrentaram os agressores? Aquelas que lideraram outras mulheres e outros homens em batalhas que podemos descrever como épicas?

Dizer que não há guerra que as mulheres não tenham lutado pode parecer exagero, mas não está tão longe assim da realidade. Ao longo da história, as narrativas sobre as guerras foram monopólio dos homens. Mas as mulheres lutaram, em diversos momentos, seja defendendo seus lares e filhos, seja na frente de batalha com armas em punho.

Das mulheres pré-históricas às espartanas, passando por aquelas que mulheres que ajudaram a defender as muralhas de castelos e cidades na Idade Média. Das índias americanas, das africanas, das indianas, chinesas, coreanas, inglesas, francesas, russas, mulheres de todas as nacionalidades que, em algum momento, reuniram coragem para enfrentar, armadas ou não, o perigo. Todas elas lutaram ao lado dos homens ou até mesmo para salvar seus homens, maridos, filhos ou pais.

Se mergulharmos na história, elas irão brotar, aos montes. Estas mulheres esquecidas, mas cujas ações foram importantes para a construção do presente e, cujo exemplo, espero que guie outras mulheres para o futuro. Uma dessas mulheres foi Maria Felipa de Oliveira.

Maria Felipa foi uma das heroínas das Guerras de Independência do Brasil, mas que, ao contrário de Maria Quitéria, não é mencionada nos livros de história. Ela ajudou a liderar e organizar o movimento de resistência na ilha de Itaparica, na Bahia, entre os anos de 1822 e 1823. Provavelmente descendente de sudaneses, nasceu escrava e conquistou sua liberdade. Trabalhava como marisqueira e era capoeirista[1]. Lutava para poder se defender, afinal, negra e mulher aprendeu bem cedo o que era o preconceito e o sexismo.

Ela ficou conhecida como sendo a Heroína Negra da Independência.  Atuou tanto na logística da guerra, organizando o envio de suprimentos para o Recôncavo baiano, como também participou de várias batalhas, nas quais seu grupo, formado por pessoas de diferentes origens étnicas e sociais, incendiavam embarcações portuguesas e impediam o desembarque de tropas[2].

"Durante as batalhas seu grupo ajudou a incendiar inúmeras embarcações: a Canhoneira Dez de Fevereiro, em 1º de outubro de 1822, na praia de Manguinhos; a Barca Constituição, em 12 de outubro de 1822, na Praia do Convento; em 7 de janeiro de 1823, liderou aproximadamente 40 mulheres na defesa das praias. Armadas com peixeiras e galhos de cansanção surravam os portugueses para depois atear fogo aos barcos usando tochas feitas de palha de coco e chumbo".[3]

Sua liderança na comunidade de Itaparica permaneceu mesmo após o final do conflito, assim como o registro e relato de seus feitos. a heroína também se destacou como exemplo de resistência contra o preconceito racial, já nas primeiras décadas do século XIX. Maria Felipa teve uma vida longa, tendo falecido em 1873, já durante o governo de D. Pedro II, cuja monarquia ela ajudou a instaurar, lutando nas guerras de independência.

Para registrar a história desta heroína, a historiadora Eny Kleyde Vasconcelos Farias, depois de oito anos de pesquisa, publicou, em 2010, o livro  "Maria Felipa de Oliveira – Heroína da Independência da Bahia". Não menos importante foi à iniciativa do professor Carlos Eduardo Gomes Nascimento (UFBA), que desenvolveu com seus alunos do ensino fundamental um e-book com temática étnico-racial. O objetivo era de preservar a memória dos afrodescendentes baianos a partir da história de Maria Felipa de Oliveira.

"Nos dias atuais, é importante que a história de Maria Felipa de Oliveira seja redescoberta nas escolas para que as crianças compreendam que as pessoas negras tiveram ativa e efetiva participação na construção da história do Brasil. A memória das gerações mais antigas pode ser transmitida, recontada para as próximas gerações e assim conservar essas experiências de vida e resistência que foram invisibilizadas, como a de Maria Felipa de Oliveira"[4].

No caso desta experiência, o professor não apenas realizou um belíssimo trabalho de memória como, também, de construção de conhecimento histórico colocando os alunos como protagonistas deste processo. Além disso, ele colocou em foco uma mulher, negra e corajosa, que certamente inspirou suas alunas e trouxe admiração a seus alunos. Esse, a meu ver, é um dos caminhos que a educação deve tomar. O caminho da tolerância, da igualdade e do reconhecimento justo dado a quem deixou sua marca na história e não deve nunca ser esquecida(o).





[1] LEVINO, José. Maria Felipa de Oliveira: Negra, pobre e heroína (2012). Disponível em: <http://averdade.org.br/2012/09/maria-felipa-de-oliveira-negra-pobre-e-heroina/>. Acesso em: 8 mar. 2020.

[2]SANTOS, Lucas Borges.  Maria Felipa de Oliveira. Resgate da Memória. n.º 02. Jul. 2014. Disponível em: < http://200.187.16.144:8080/jspui/bitstream/bv2julho/841/1/RM_n02_Maria%20Felipa.pdf>. Acesso em 8 mar. 2020, p. 30
[3] Idem
[4] NASCIMENTO, Carlos Eduardo Gomes. Pensar o passado, narrar à história dos afrodescendentes na Bahia: um e-book sobre Maria Felipa de Oliveira no Ensino Fundamental.Revista Trama. Volume 15, número 35, 2019, p. 3-12 |. Disponível em: < http://e-revista.unioeste.br/index.php/trama/article/view/21503>. Acesso em: 8 mar. 2020, p. 9.

Um comentário:

Valeria disse...

Obrigada por partilhar seu conhecimento! Eu não tinha conhecimento algum sobre esta notável heroína Brasileira.