quarta-feira, 17 de março de 2021

SILENCIADAS: BRUXAS OU FEMINISTAS?


Uma das coisas que o Netflix trouxe de bom foi a variedade de opções de filmes e séries de diversos países. Em tempos de pandemia isso tem sido uma ótima opção, que faz com que a gente possa fugir das já batidas produções estadunidenses e conhecer outros tipos de cinema, descobrindo diretores, roteirista e autores talentosos que até então eram desconhecidos de boa parte do público brasileiro. Da mesma forma, produções brasileiras têm ganhado o mundo e conquistando fãs.

Dito isso, quero falar hoje sobre o filme, “Silenciadas”, uma produção do Netflix. Silenciadas foi dirigido pelo argentino Pablo Agüero e o roteiro é de Katell Guillo. O filme estrelado por Amaia Aberasturi (Ana), Alex Brendemühl (juiz Rostegui), Daniel Fanego (como Consejero), Garazi Urkola (Katalin), Yune Nogueiras (María), Jone Laspiur (Maider), Irati Saez de Urabain (Olaia), Lorea Ibarra (Oneka) e Asier Oruesagasti (Padre Cristóbal). É um filme histórico e, também, um filme que pode ser considerado feminista. Eu o assisti sem grandes expectativas e saí muito satisfeita, tanto com enredo de forma geral, quando com a atuação das atrizes, que protagonizaram a trama.

O filme se passa no início do século XVII, mais precisamente em 1609, numa vila de pescadores, no país Basco, e narra a história de um grupo de jovens mulheres que foram aleatoriamente acusadas de bruxaria, aprisionadas e condenadas como hereges por um inquisidor. A história é uma adaptação do livro "A Feiticeira", de Jules Michelet. Estima-se que por acusação de bruxaria, cerca de 100 mil mulheres podem ter sido executadas durante ao longo da história. O número pode ser até maior. Um verdadeiro genocídio de mulheres, tutelado pelo Estado.

O que mais me chamou atenção nessa produção foi o fato de não encarar as bruxas como seres sobrenaturais. Na verdade, a bruxaria em si não é o centro do debate, mas sim a arbitrariedade com a qual as mulheres são julgadas, sem direito à defesa. São culpadas por serem mulheres. Os homens as temem, isso é deixado bem claro pela narrativa. 

Silenciadas é também um filme que mostra a resistência dessas mulheres, agredidas e humilhadas, que encontram forças para se erguer contra seus opressores. Elas resistem cantando, resistem rindo, quando não há mais esperança, resistem ao desafiarem seus opressores e utilizarem seus medos e superstições contra eles mesmos. Não há como não querer se unir a elas contra o fanatismo e o preconceito.

Do ponto de vista histórico, é um filme que pode servir como referência para estudos sobre a caça às bruxas e a inquisição espanhola. Ele traz muitas boas referências e gira em torno dos mistérios do ritual do shabbat, festa profana que, segundo a Igreja Católica, as mulheres realizam para invocar o Diabo. Um ritual cujo imaginário foi construído ao longo da inquisição a partir de relatos de mulheres que, sob tortura, descreviam essa festa profana usando de toda a imaginação que pudessem acessar, a fim de colocar fim às longas sessões de tortura.

O shabbat foi posteriormente apropriado pela literatura, notadamente a feminista, como um símbolo de libertação das mulheres. Na França da década de 1970, por exemplo, uma das revistas feministas de maior destaque daquele período chamava-se Socières. Artistas como a quadrinista italiana Cecília Capuana, que publicou nas revistas Métal Hulant e Ah! Nana, neste período, utilizaram as bruxas como um símbolo feminino de rebeldia e libertação.

Por fim, algo que eu não posso deixar de comentar. Eu consultei alguns artigos e críticas ao filme antes de escrever a minha e, praticamente em todas elas, o filme está sendo colocado como se passando no século XV, durante a Idade Média. Um erro gravíssimo, pois a história se passa em 1609, portanto, século XVII, Idade Moderna e após a Reforma Religiosa. Não custa pesquisar um pouco ante de escrever a resenha de um filme histórico.

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