I Congresso Internacional de Quadrinhos - MASP - 1970. Imagem retirada do livro "50 anos: edição Comemorativa da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos (2001)", de Álvaro de Moya.
Novembro
passado o I Congresso internacional de
Quadrinhos, que ocorreu no Museu de Arte de São Paulo (MASP), entre os dias
23 e 29 de novembro, de 1970, completou 50 anos. O evento teve como instituição
de fomento a Escola Panamericana de Arte,
fundada em 1963 pelo artista plástico Enrique Lipszyc, um dos idealizadores do
congresso. O acontecimento representou um marco para a pesquisa acadêmica sobre quadrinhos e uma mostra da
crescente valorização dessa mídia, que, ao longo dos anos de 1950, sofreu um
forte preconceito por parte de setores conservadores da sociedade.
Se
ainda havia aqueles que ainda consideravam a leitura de quadrinhos nociva, crescia e se
fortalecia um grupo de intelectuais, artistas e educadores que percebiam os
quadrinhos como algo além de uma forma de entretenimento barata. Isso pode ser observado tanto em âmbito local quanto nacional.
Naquele ano de 1970, escolas da educação básica receberam cartilhas educativas
na forma de quadrinhos e os correios, em benefício da Federação das Entidades na Luta Antituberculose do Estado
de São Paulo (FELASP), promoveram uma campanha para venda de seloscom os personagens da Turma da Mônica.
São
Paulo se destacava não apenas como um polo produtor de quadrinhos mas, também, como irradiador de pesquisas. Nada mais natural que partisse de lá a iniciativa para
se colocarem os quadrinhos em debate, a partir de um evento acadêmico, reunindo
não apenas autores como pesquisadores. No âmbito local, o I Congresso
Internacional de Quadrinhos recebeu atenção de jornais da capital e do interior
do Estado de São Paulo, tanto pelo tema abordado quanto pelos convidados,
brasileiros e estrangeiros.
A
Tribuna, jornal de Santos, no litoral, dedicou quase meia página para noticiar o
evento no MASP, destacando a presença estrangeira.
Nomes consagrados da indústria dos quadrinhos, representando gêneros e
tendências diferentes.
Tabela
*
Dados biográficos retirados da wikipedia e da Enciclopédia dos Quadrinhos.
Paralelamente,
Pietro Bardi (criador do MASP) e Enrique Lipszy foram responsáveis pela
curadoria de uma Exposição Internacional de Quadrinhos, narrando a história da
mídia a partir de 1900. A exposição ficou aberta ao público até 15
de dezembro daquele ano. Um dos colaboradores da exposição foi escritor e ilustrador
santista Diamantino Silva.
No dia 23 de novembro, a Folha de S. Paulo colocou os quadrinhos ao lado de Cândido Portinari e de Mário Gruber em uma matéria sobre o início da
Exposição Internacional de Quadrinhos, no dia 23 de novembro. [...] “No museu
de arte a manifestação das histórias [sic] em quadrinhos com cerca de 400 trabalhos
de autores nacionais e do exterior abre-se hoje, às 19 horas, o que poderá ser
vista até janeiro: esta [sic]montada no primeiro pavilhão da instituição.”
I Congresso Internacional de Quadrinhos - MASP - 1970. Imagem retirada do livro "50 anos: edição Comemorativa da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos (2001)", de Álvaro de Moya.
A imprensa fluminense também cedeu espaço para o I Congresso
Internacional de Histórias em quadrinhos. O Jornal do Brasil e o Diario da Noite, por exemplo, publicaram matérias detalhadas sobre o evento e seus participantes, até mais completas do que os jornais paulistas. Numa delas, destacou-se um dos temas que foram debatidos durante o evento: a questão
dos direitos autorais.
O Jornal do Brasil ainda trouxe a toma uma questão
relevante: as dificuldades que o evento encontrou, sendo a maior delas a falta
de verba para trazer especialistas. Enrique Lipszyc de ao Jornal do Brasil o seguinte depoimento: “Não tivemos apoio de ninguém [...] ficaremos sem a participação de
grandes psicólogos, sociólogos, estudiosos dêsse [sic] meio de comunicação. A verba
não deu. Apesar disso, conseguimos trazer grandes desenhistas do gênero,
façanha que nem o Congresso de Lucca, na Itália, conseguiu até hoje.”
A
década de 1970 foi marcada por outras iniciativas de cunho acadêmico com o
objetivo de valorar os quadrinhos, tanto como objeto de estudo quando arte. Livros de autores como Umberto Eco foram traduzidos para o
português. Um exemplo é “Apocalípticos e Integrados", um clássico do semiótico italiano, publicado em maio de 1970. Ainda
neste ano, Álvaro de Moya, um dos organizadores da I Exposição Internacional de
Quadrinhos de 1951, publicou o libro teórico Shazam! Aos olhos de muitos, os quadrinhos nas escolas e na academia apareciam como sendo uma tendência.
Por todo o país exposições sobre quadrinhos eram
recebidas em espaços considerados nobres e/ou monopolizados pela elite cultural
e intelectual brasileira. Em 1970, antes
do I Congresso Internacional de Quadrinhos e a Exposição Internacional de
quadrinhos no MASP, em fevereiro, a Secretaria de Educação e Cultura da
Prefeitura Municipal de Campinas promoveu uma exposição de quadrinhos no Museu
de Arte Contemporânea daquele município. A exposição não só incentivava a
leitura dos quadrinhos como, também, recomendava seu uso nas escolas.
A
Faculdade de Comunicação da UnB e a Fundação Cultural do DF realizaram uma
Exposição de Histórias em Quadrinhos que, segundo o professor Francisco Araújo
promovia uma [...] “ideia mais vasta de cultura [...]” porque “[...]os problemas
contemporâneos estão colocados diariamente nas tiras das histórias em
quadrinhos”.
A
ocorrência de um congresso de grande porte num espaço nobre como o MASP,
fez-me entender mais profundamente o longo percurso que os quadrinhos trilharam
desde o século XX até os dias atuais em busca de reconhecimento.
Reconhecimento enquanto forma de leitura, como mídia, arte e também como
instrumento de ensino e pesquisa. É importante pensar que, há cinquenta anos, estávamos conquistando
a primeira grande vitória após uma longa caminhada.
Cinquenta
anos depois, o que temos são uma coleção de outras vitórias com a expansão do
campo de estudos dos quadrinhos para além das ciências da comunicação.
Atualmente são realizadas pesquisa multidisciplinares envolvendo essa
mídia/arte, que é fruto da cultura material dos últimos dois séculos. Foram
criados grupos de pesquisas tanto independentes como vinculados às universidades.
Em
2012, surgiu a Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial – ASPAS, que reúne
mais de 70 pesquisadores em constante intercâmbio e com uma considerável produção
anual de conteúdo acadêmico. Para 2021 a
Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA/USP), em São Paulo, já este
preparando sua 8ª Jornada Internacional de Quadrinhos, evento que reúne anualmente
cerca 300 pesquisadores, das mais diversas disciplinas, numa busca constante
pela valorização e reconhecimento dos quadrinhos como objeto de estudo.
Campanha com selos. A Tribuna, Santos, 19 de set. de 1970, n. 162 p. 6.
Tarzan,
Mandrake e Fantasma em discussão neste Congresso. A Tribuna, Santos, 12 de
novembro de 1970, n. 215, p. 06.
Portinari, Quadrinhos, Gruber, Primitivas e de nova visão. Folha de s. Paulo 23
de novembro de 1970, p. 11, n.15135.
Congresso Internacional de Quadrinhos debaterá direitos autorais. Jornal do Brasil, 17 de nov. 1970, Rio de Janeiro, nº 192, 1º Caderno, p. 15
[5] A Tribuna, Santos, 9 de maio de 1970, n. 37 p. 15.
A história que os quadrinhos não contam. Fato Novo, São Paulo, editora verde
Amarelo, p. 6, nº 20.