quarta-feira, 15 de julho de 2020

MULHERES E SUPERAVENTURA: UM RETORNO À ERA DE OURO?

Imagem capturada em: <https://www.metropoles.com/entretenimento/televisao/stargirl-trailer-final-da-nova-serie-de-live-action-da-dc-e-lancado>. Acesso em 15 jul. 2020.
Nos últimos anos temos assistido um aumento cada vez maior do protagonismo feminino na Superaventura. Nova e velha geração de super-heroínas vem ganhando  espaço tanto nos quadrinhos quanto na televisão e no cinema. Em 2013, o lançamento da nova Miss Marvel, uma adolescente muçulmana, chamada Kamala Khan, trouxe para a cena dos quadrinhos não apenas a questão do empoderamento feminino, mas da diversidade cultural. 

Imagem capturada em: <https://marvel.fandom.com/wiki/Kamala_Khan_(Earth-616)>. Acesso em 20 jul. 2020.
Uma personagem que deveria ser passageira e que conquistou o público global, passando a integrar os quadros permanentes da Marvel. Envolta em uma série de debates, abraçando um discurso de tolerância, Miss Marvel é um quadrinho bem humorado e que marca a tendência em se  levar ao público jovem temas atuais e polêmicos, que caracterizou a Marvel a partir da década de 1960, com personagens como Homem Aranha, um jovem adolescente cheio de problemas.

No cinema, o filme da Mulher Maravilha, de 2017, trouxe uma heroína clássica, que passou por diversas releituras desde o final dos anos de 1940, perdendo algumas de suas características originais mas retomando seu caráter feminista e atraindo para as salas de cinema um número astronômico de expectadores, de todas as idades. 

Em 2019, A Capitã Marvel repete o feito, trazendo para o cinema uma personagem menos conhecida mundialmente, mas que conquistou o público com seu discurso empoderado, trazendo a representação de uma mulher comum cuja vida foi marcada pela necessidade de romper com as barreiras impostas pelo gênero, desafio persiste mesmo após a conquista de poderes sobre-humanos. Para 2020, temos a esperada sequencia do filme da Mulher Maravilha e da Viúva Negra, que tiveram a data de estreia alterada por conta da pandemia do covid-19.


Nas séries de televisão as mulheres também vêm se destacando em gêneros como a aventura e a superaventura. É uma novidade? Não! Já tivemos sucessos como a série da Mulher Maravilha na década de 1970, estreada por Linda Carter. Não devemos nos esquecer do tremendo sucesso que foi a Mulher Biônica, que conta as aventuras de Jaime Sommers, interpretada pela Lindsay Wagner, que ganhou membros biônicos, tornando uma espécie de ciborgue, após um acidente. 

A série teve três temporadas e estreou na mesma época da série da Mulher Maravilha. Estas duas super-heroínas se destacaram pelo ser perfil feminista. Eram personagens que não dependiam dos homens e que não estavam preocupadas com romance ou casamento. Elas estavam disposta a salvar o mundo, na maior parte das vezes, ameaçado pelos homens.

A década de 1970 foi período da internacionalização do movimento feminista, chamado por muitos autores de "segunda onda". Eu, eu particularmente não consigo pensar nestas duas personagens sem relacioná-las a este contexto. Também não consigo deixar de identificar uma tendência crescente na vida do século XX de uma releitura de personagens femininas nos quadrinhos e/ou a criação de novas personagens, que destoam de alguma forma com a estética dos anos de 1990 e dialogam com os clássicos dos anos de 1940. 

A  "era de ouro dos quadrinhos" foi o momento que também foi marcado pelo protagonismo das “mulheres de papel”, termo usado por Selma de Oliveira em seu livro "Mulher ao Quadrado: as Representações Femininas nos Quadrinhos Norte-Americanos: Permanências e Ressonâncias", ao de referir às personagens femininas de quadrinhos (2007). 

Imagem capturada em: <https://br.pinterest.com/pin/433753007865032439/>.
Acesso em: 15 jul. 2020.
Este retorno das super-mulheres tem se feito notar também em séries como Supergirl e, mais recentemente, Stargirl. No caso da primeira, temos uma releitura de uma personagem criada no final dos anos de 1950, cuja origem veio da necessidade de buscar um modelo de adolescente, dócil e submissa, cuja devoção à família estivesse acima de tudo. A Supergirl original era uma personagem coadjuvante no universo do Superman, uma ajudante insegura e incapaz de reconhecer seu próprio potencial. Um exemplo típico de personagem que se submete à dominação feminina.

A nova Supergirl rompeu os estereótipos de gênero e provou ser tão poderosa e tão capaz quanto qualquer outro super-herói, inclusive o Superman. Na série, lançada em 2015, e que está em sua quinta temporada, temos uma super-heroína num momento mais maduro. Não mais uma adolescente insegura, mas uma mulher determinada. 

Em um episódio da primeira temporada da série, ela enfrenta um antigo inimigo do Superman e vence. Ela recebe o reconhecimento do primo na seguinte mensagem: “ele me derrotou, mas você o venceu”. Esta cena pode ser  interpretada como a comprovação de que no universo da superaventura gênero não é elemento definidor dos limites de um personagem.

Imagem capturada em: <https://www.aficionados.com.br/stargirl-dc/>. Acesso em: 15 jul. 2020.
No caso de Stargirl temos não apenas um caso de empoderamento feminino, mas um resgate da memória dos quadrinhos da “era de ouro”. Aquele tipo de quadrinho que aconchega que beira à inocência, que diverte mesmo tendo seus momentos de seriedade. Para quem não conhece a personagem, vale uma pequena introdução antes de aprofundar mais sobre a série e as representações nela contidas.

A personagem foi criada por por Geoff Johns em 1999, publicada pela DC Comics.  Johns, roteirista, teria baseado a personagem em sua irmã que morreu durante um acidente de avião. Resumidamente, Courtney Whitmore é uma adolescente rebelde que se muda para uma cidade do interior com o padrasto, Pat Dugan, e a mãe. Dugan havia sido, quando mais jovem, ajudante de um super-herói, o Starman (Sylvester Pemberton), também conhecido como Sideral. Um personagem dos anos e 1940 que foi posteriormente reformulado. 

Ele atendia pelo codinome de Stripesy. Resumindo, Courtney acaba descobrindo o equipamento do antigo Starman e se resolve assumir a identidade de Stargirl. Dugan tornou-se seu ajudante, o F.A.I.X.A, utilizando uma armadura de alta tecnologia. Stargirl vai se tornar membro da Sociedade da Justiça e vai atuar, também, de vários outros super-heróis e, claro, ter ser suas próprias aventuras solo.

A série de televisão é até certo ponto fiel á origem da personagem e traz para a tela um tipo de superaventura que há algum tempo não se via. Como eu disse, ela resgata a inocência da era de ouro dos quadrinhos e tira um pouco da obscuridade que há algum tempo domina as séries de superaventura, que em determinado ponto se tornam tão sérias que esquecem que os super-heróis foram criados para serem divertidos, também. Os fãs com a média de 40 e 50 anos de idade se lembram de como Batman podia ser divertido e como era bom dar boas risadas assistindo Adam West e seu Batman nada musculoso.

Ao trazer de volta heróis da década de 1940, Geoff Johns não apenas se apropriou da linguagem original dos quadrinhos de superaventura como criou algo novo. Stargirl não deixa de ser vista como uma tentativa forma hibrida de quadrinhos, que mistura o antigo com o novo, que faz inverte a relação de história (passado) e memória (presente). A personagem transporta para o século XXI a linguagem dos quadrinhos da primeira metade do século XX realizando aplicando a ela a metalinguagem.

O uso da metalinguagem é bem perceptível na série, quando a personagem e seus colegas adolescentes questionam, por exemplo, os nomes dos antigos super-heróis, suas roupas e a dinâmica de suas aventuras. Outro ponto que pode ser destacado na série de TV é justamente o protagonismo da nova geração de super-heróis: adolescentes que estão lidando com os problemas típicos da idade e ainda precisam a prender a lidar com o fardo de ser super-herói ou mesmo supervilão.

Gostaria de terminar me justificando por não ter citado a série da Batwoman. Eu ainda não consegui assistir esta série, portanto seria um tanto irresponsável escrever qualquer coisa sobre ela. Mas assistirei em breve e poderei atualizar esta postagem ou mesmo fazer uma nova, dependendo das impressões que a série me passar.

sábado, 4 de julho de 2020

LIVRO "GÊNERO, SEXUALIDADE & FEMINISMO NOS QUADRINHOS"



Sabe aquele projeto que fica muito tempo na gaveta? Pois é "Gênero, Sexualidade & Feminismo nos Quadrinhos" foi um destes casos. Um projeto que ficou maturando durante quase três anos e que, finalmente, conseguimos concluir.  O mentor intelectual foi Amaro Braga, que já havia organizado outros dois livros com uma temática semelhante. Eu entrei como colaboradora e ajudei a reunir textos e fazer contato com alguns autores. 

Mas se a conclusão deste projeto talvez tenha sido tardia, o seu resultado valeu a a pena.  Os 10 capítulos que compõem esta obra trazem um rico material não apenas sobre a História das Histórias em quadrinhos, mas um debate profundo sobre as relações de gênero e do papel das mulheres na sociedade ao longo dos últimos cem anos. Temáticas que se complementam e alimentam a curiosidade dos amantes doa amantes dos quadrinhos e de pesquisadores que encontram neste produto da cultura pop uma fonte trabalhar questões extremamente pertinentes para a nossa sociedade.

São textos que perpassam várias realidades, com quadrinhos produzidos em países como França, Japão, Estados Unidos, Suécia e Chile. É uma obra que conta com a colaboração de autores nacionais e estrangeiros, alguns deles sendo traduzidos e publicados pela primeira vez no Brasil, como Trina Robbins e Fredrick Strömberg. O prefácio é de Sonia Luyten, uma das pioneiras nos estudos sobre quadrinhos no Brasil.

Confira o sumário:

Prefácio - Gênero, Sexualidade e Feminismo Comprova: a mulher não deve se converter em refém
de posição raramente escolhida por ela.
Sonia M. Bibe Luyten

Apresentação - Aprendendo as Questões de Gênero por Imagens Desenhadas
Amaro Xavier Braga Jr
Natania Aparecida da Silva Nogueira

1. Sangue de Artista: mulheres nos quadrinhos durante a segunda guerra mundial
Trina Robbins

2. Quadrinhos Suecos no Século XXI: a liderança feminina
Fredrik Strömberg

3. Ah! Nana - A Revolução Feminina nos Quadrinhos Franceses
Natania Aparecida da Silva Nogueira

4. Bécassine e as Selvagens: a mulher rural nas histórias em quadrinhos
Valéria Aparecida Bari

5. Mangá Feminino, Revolução Francesa e Feminismo: um olhar sobre a Rosa de Versalhes
Valéria Fernandes da Silva

6. Representação de Etnia e Gênero nos Quadrinhos de Super-heróis
Amaro Xavier Braga Jr

7. A Representação Feminina nas HQs de Super-Heróis:
uma demanda por superação de velhos estereótipos
das "Mulheres na Geladeira”
Amanda Freitas Ramos
Camila C. Magalhães de Miranda
Maria Amália Arruda Camara

8. Por esta eu não esperava! Gênero e Sexualidade
nas Páginas de X-factor
Lucas do Carmo Dalberto

9. Temidos e Odiados pela Sociedade que Juraram Proteger: a mutação como metáfora da condição queer
Guilherme Sfredo Miorando

10. Brasil e Chile: quadrinhos contra a lesbofobia
Daniela dos Santos Domingues Marino

Agradecimentos especiais e Attila Piovesan, responsável pela revisão dos textos, e Rapha Pinheiro, criador da capa do livro. 

O lançamento será dia 02 de agosto de 2020, e o livro ficará disponível gratuitamente, na forma de e-book. Mais detalhes, em breve!