domingo, 23 de outubro de 2022

HELENA FONSECA NA PAPIERS NICKELÉS


Recentemente publiquei um artigo sobre a quadrinista Helena Fonseca na revista francesa Papiers Nickelés, nº 73. Uma autora que eu admiro muito mas sobre a qual não tenho muitas informações, infelizmente. Ela inclusive foi escolhida para ser homenageada pelos alunos da minha escola, quando da escolha do nome da nossa gibiteca escolar. Tenho até uma postagem sobre ela, um pouco menor do que o artigo que eu enviar para a revista.  Quem quiser conferir, é só clicar aqui. Caso algum pesquisador queira usar o texto em francês para alguma referência, mas não tem acesso a revista, pode ler o artigo, clicando aqui!

domingo, 9 de outubro de 2022

CAPÍTULO SOBRE QUADRINHOS AUTIOBIOGRÁFICOS NO LIVRO " QUADRINHOS & CONEXÕES INTERMÍDIAS"

Esta semana tivemos mais dois lançamentos da ASPAS: os volumes 01 e 02 de Quadrinhos e Conexões Intermídias, resultado de pesquisas apresentadas em evento da ASPAS de 2021. Eu dei minha pequena colaboração como organizadora e estou participando do primeiro volume com o um texto que eu particularmente adorei escrever, no qual eu trabalhei a questão da autobiografia. Usei como referência três autoras que eu gosto muito Anneli Furmark, Nicole Claveloux e Catia Ana Baldoíno, com seus quadrinhos, produzidos em  períodos e países diferentes, nos quais podemos trabalhar várias questões dentre elas a memória.

Convido a todos e todas conferir não apenas meu capítulo, mas a todos os capítulos dos dois livros. Há textos excelentes, para todos os gostos. Recomendo a leitura e o download dos livros, que são gratuitos, dentro do espírito da ASPAS de contribuir para a democratização e o acesso ao conhecimento. Para ter acesso aos dois volumes, assim como a outras publicações da ASPAS, basta clicar aqui! Segue um breve resumo do meu capítulo.

Os quadrinhos autobiográficos como forma de expressão para as mulheres

No texto iremos analisar o componente autobiográfico na produção de quadrinhos por mulheres, a partir da análise de obras de autoras como Anneli Furmark, Nicole Claveloux e Catia Ana Baldoíno.  São quadrinhos que misturam elementos ficcionais com as experiências das autoras que, por meio de seus personagens, trazem suas auto-representações e utilizam os quadrinhos como recurso como um espaço para autoconhecimento e autoanálise. Partimos da ideia de que, ao utilizar suas experiências, essas mulheres quadrinistas transformaram seus quadrinhos em “lugares de fala”, nos quais podemos encontrar não apenas representações sociais, ideias políticas ou posicionamentos ideológicos, mas, também, experiências de vida a serem apropriadas e compartilhadas com seus leitores e leitoras. Podemos, também, por meio deles, adentrar ao ambiente privado, tão restrito e pouco documentado enquanto objeto de análise. Neste sentido, trataremos essa produção midiática como um produto da cultura material e uma fonte para se estudar a História das Mulheres, uma vez que esse componente autobiográfico, muitas vezes implícito em uma obra, nos ajuda a compor um quadro geral acerca de relações familiares e profissionais que envolvem mulheres comuns cujas memórias possivelmente não serão registradas nos anais da história. Como base teórica utilizamos a obra de Michelle Perrot e Roger Chartier.

domingo, 2 de outubro de 2022

A MULHER REI E A HISTÓRIA DAS MULHERES NA ÁFRICA

Divulgação do filme - "A Mulher Rei".

Fazia um bom tempo que eu ia ao cinema assistir um filme que me marcasse, mas A "Mulher Rei" simplesmente puxou o meu tapete, e isso num bom sentido. Eu fiquei sem chão e mergulhei de cabeça em uma história que me fez pensar em muitas coisas. Até então, eu dizia que poucos filmes sobre a África haviam realmente me marcado. Vou citar dois, "O menino que descobriu o vento" e " Pantera Negra". Ambos, de formas diferentes, descontroem muitos estereótipos que temos da África.  Mas a "Mulher Rei" vai além disso. Ele descontrói a própria história da África e das mulheres africanas, sempre representadas como fracas, submissas, vítimas constantes de violência e mutilação.  

Um filme que traz um reino africano, em sua plenitude, enfrentando seus inimigos, não se curvando aos homens brancos europeus. Um filme de mulheres fortes e com um elenco composto por atrizes experientes, muitas delas de ascendência africana, valorizando não apenas as atrizes negras, mas atrizes negras africanas. Além disso, salvo a licença poética característica de obra de ficção, é um filme com fortes bases históricas e com uma pesquisa realmente bem feita. Podemos perceber isso pela preocupação com o figurino, com a contextualização história e com a escolha e elaboração de cenários.

Amazonas de Daomé

O filme é ambientado na África, no Reino de Daomé, atual Benin, um dos reinos mais poderosos daquele continente entre os séculos XVI e XIX. Daomé permaneceu um reino autônomo até 1904, quando o último rei foi destronado e os franceses o anexaram ao seu império colonial, depois de muitos anos de guerra. A história gira em torno das "Agodjié", também chamadas de Ahosi ou Mino, uma tropa de elite formada por mulheres guerreiras a serviço do rei.  O grupo é comandado por Nanisca, personagem de Viola Davis, que além de defender o reino de tribos inimigas e de colonizadores franceses ainda entoa um poderoso discurso contra a escravidão de africanos e sua venda para traficantes europeus. As "Agodjié", inclusive, inspiram as “Dora Milaje, mulheres da guarda real de Wakanda no filme “Pantera Negra.

Essas mulheres guerreiras realmente existiram e foram temidas tanto por africanos quanto por europeus, estes últimos as chamavam de Amazonas, uma referência ao mito grego. Segundo registros, o primeiro regimento de "Agodjié" foi formado durante o reinado de Tassi Hangbe, a primeira e única mulher que reinou em Daomé, no século XVIII e, também, a primeira "Agodjié". Há também relatos que afirmam que elas eram, originalmente, mulheres caçadoras. Essas guerreiras bem treinadas atuavam na segurança da família real, como espiãs e em batalhas.

Elas eram moças recrutadas entre o povo de Daomé ou oferecidas, quando meninas, pelas suas famílias ao rei. Elas podiam ser também mulheres capturadas de outras tribos e transformadas em cativas. A essas últimas era feita a oferta de servir ao rei como mulheres livres. Isso aparece em uma passagem do filme. Quando uma mulher de uma tribo inimiga é questionada sobre a razão que a leva a aceitar a oferta ela responde algo como “Aqui vou ser o caçador e não a presa”. E não deviam ser poucas que aceitavam pois dos escravos traficados do reino, a minoria era de mulheres.

Grupo de durante uma visita a Paris, 1891 - Fonte: https://www.historyvshollywood.com/reelfaces/woman-king/

Tornar-se uma "Agodjié" dava às mulheres um novo papel dentro de uma sociedade dominada por homens. Elas abriam mão do casamento e dos filhos e recebendo em troca o reconhecimento e um status social que as colocava entre as pessoas mais respeitadas e admiradas de Daomé. Os homens comuns não podiam encará-las, inclusive as temiam, e tinham que abrir caminho quando elas passavam. Apesar de todos os riscos e do treinamento intenso muitas mulheres escolhiam se tornar "Agodjié", tanto que elas representavam cerca de um terço das topas de Daomé. Além disso, as "Agodjié" tinha influência política e participação de decisões importantes. Em muitos reinos africanos mulheres chegaram a assumir posições de liderança ou mesmo certo status social, mas em Daomé as mulheres encontraram-se em uma posição de empoderamento única, o que torna ainda mais interessante sua história, contada no filme.

O Brasil tem uma ligação com o reino de Daomé que começou com Portugal, durante as navegações. Os portugueses estabeleceram relações econômicas e diplomáticas na região, tendo lá construído uma feitoria no reino de Daomé, posteriormente transformada na Fortaleza de São João Batista de Ajudá. De lá vieram considerável parte dos escravos trazidos para a América. Daomé enriqueceu com esse comércio, trocando prisioneiros de guerra por mercadorias europeus. No entanto, como tempo, o próprio povo de Daomé acabou vendido como escravo. Não atoa a região recebeu o nome de “Costa dos Escravos”. Daomé também tinha relações diplomáticas com o Brasil, tendo sido o primeiro Estado a reconhecer a nossa independência, em 1922, antes mesmo dos Estados Unidos, o que ocorreu apenas em 26 de maio de 1824.

Fortaleza de São João Batista de Ajudá - 1886 - Fonte: wikipedia.

No filme, por exemplo, o próprio rei afirmou que sua mãe havia sido vendida e que ele procurava por ela para trazê-la de volta para África. A maior parte dos escravizados vinha para o Brasil, daí a ligação de Daomé com nosso país. A presença brasileira naquele reino e sua relação com o Brasil está presente no filme.  

Muitos ex-escravizados, inclusive chegaram a retornar para Daomé. Seus descentes representam hoje 5% da população de Benin e são chamados de agudás. Os agudás têm origens diversas e se encontram atualmente em todas as classes sociais. Fazem parte do grupo, também, descendentes de traficantes, de comerciantes brasileiros e portugueses estabelecidos na região. Há ainda aqueles sem ligação ancestral com o Brasil mas que estão de alguma forma ligada aos brasileiros e se apropriaram de seus costumes.

Eu me emocionei no filme porque senti que pela primeira vez vou ter um material realmente rico e empoderador para poder utilizar na escola. Trabalho com muitos alunos afrodescendentes, “A Mulher Rei” traz não apenas uma boa contextualização da história de um reino africano como, também, de empoderamento feminino. Essas mulheres guerreiras, na sua ferocidade, entoam um discurso libertário. Elas agarram a oportunidade e fogem do papel de submissão representado pelo casamento, geralmente arranjado, no qual não seria valorizada e estaria à mercê da violência. Assistam à “A Mulher Rei”, independente do seu gênero e da sua cor, tenho certeza que vai ser uma ótima experiência.

Fontes consultadas:

Agudás - de africanos no Brasil a ‘brasileiros’ na África. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/hcsm/a/vtXQvFkGbHFSHQhs5BQv3rs/?lang=pt>. Acesso em 02 de out. 2022.

Amazonas de Daomé: as mulheres mais temidas do mundo. Disponível em: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-amazonas-daome-mulheres-temidas-mundo.phtml>. Acesso em 02 de out. 2022.

Amazonas: O exército feminino do Reino do Daomé. Disponpível em: https://www.dw.com/pt-002/amazonas-o-ex%C3%A9rcito-feminino-do-reino-do-daom%C3%A9/a-56823669. Acesso em 02 de out. 2022.

JIF : Je vous Présente les Agodjié, Braves Amazones du Danhomè. Disponível em: <https://fafadi323701274.wordpress.com/2020/02/29/jif-je-vous-presente-les-agodjie-braves-amazones-du-danhome/>. Acesso em 02 de out. 2022.

Os guerreiros deste reino de África Ocidental eram formidáveis – e eram mulheres. Disponível em: <https://www.natgeo.pt/historia/2022/09/os-guerreiros-deste-reino-de-africa-ocidental-eram-formidaveis-e-eram-mulheres>. Acesso em 02 de out. 2022.

Reino do Daomé. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_do_Daom%C3%A9>. Acesso em 02 de out. 2022.

The Woman King (2022). Disponível em: <https://www.historyvshollywood.com/reelfaces/woman-king/>. Acesso em 02 de out. 2022.