quinta-feira, 26 de março de 2020

JORNAIS COMO FONTE DE PESQUISA PARA HISTÓRIA LOCAL

Os periódicos podem ser utilizados como objeto e fonte de pesquisa para a História. Eu, particularmente, utilizo periódicos desde que comecei a pesquisar História Regional, em 1994. Eles se tornaram uma fonte que eu aprecio e valorizo muito e um recurso inestimável, tanto no que diz respeito ao estudo da História Local, quanto de outros campos da história. 

Nesta postagem eu pretendo falar um pouco sobre esta experiência e tentar dar algumas sugestões para quem tem interesse em estudar história regional, mas encontra dificuldades em conseguir acesso a fontes.

Mas o que são exatamente os periódicos?

As publicações periódicas são aquelas publicadas em intervalos de tempo regulares, que podem abordar um assunto específico ou vários assuntos. Elas podem ser publicadas em papel ou em meio digital. Sua periodicidade pode variar. Eles podem ser semanais, quinzenais, mensais, semestrais, anuais, etc. O número de publicações vai variar de caso para caso. Podemos citar como publicações periódicas os jornais, as revista informativas, revistas científicas e as revistas em quadrinhos.

Os periódicos podem ser utilizados como fontes de pesquisa não apenas para a História, mas para outras disciplinas. Mas seu uso deve ser realizado a partir de critérios bem definidos. É preciso ter em mente que cada estudo deve partir de uma hipótese, que para confirmar esta hipótese devem ser estabelecidos objetivos e questões precisão ser respondidas. É preciso criar uma base metodológica para que o resultado do estudo possa contribuir de alguma forma para a construção do conhecimento legítimo.

Não podemos nos limitar a utilizar apenas uma fonte de pesquisa. Isso porque toda fonte possuí alguma limitação. Por isso é aconselhável e necessário que as fontes documentais sejam respaldadas por uma boa bibliografia e uma teoria que permitam construir os alicerces da pesquisa. 

Há algum tempo atrás os jornais e as revistas populares tinham sua importância como fonte questionada, uma vez que geralmente seguiam as tendências ideologias e políticas de quem as produzia. Ou seja, tinham um discurso que partia de um ponto de vista em particular. Atualmente, considera-se que a análise do discurso é uma das formas de se entender como, por exemplo, os diversos segmentos sociais se posicionavam em dado contexto histórico.

Ou seja, o jornal ou a revista se tornaram fontes importantes justamente por sua subjetividade, por trazerem as representações da realidade de pontos de vista particulares. Assim, tudo aquilo que a humanidade produziu, a sua cultura material, é fonte para estudos variados. Algumas fontes podem trazer para o pesquisador muitas informações relevantes acerca de determinado tema. Outras, mais do que informações, trazem problemas, questionamento.

Qual delas em minha opinião é a melhor?

- Aquela que me faz questionar e buscar soluções para os problemas que ela me propõe.

Desta forma, se os periódicos estão carregados de discursos e representam o ponto de vista de determinados grupos. Ele estimula o pesquisador a buscar outros pontos de vista, a identificar representações, a buscar a melhor teoria para embasar suas hipóteses.  Além disso, o periódico, muitas vezes, é a única fonte disponível para o historiador, notadamente aquele que se dedica a pesquisas em história local, uma vez que muitos pequenos municípios não possuem arquivos organizados e a documentação oficial, quando existe, nem sempre está disponível para pesquisa.

Assim, para quem deseja pesquisar história local, os jornais são uma ótima fonte de pesquisa. A princípio porque normalmente pode-se obter mais de um título de jornal e, desta forma, ter acesso a mais de um tipo de informação e/ou discurso.  Por exemplo, eu hipoteticamente quero entender o impacto da lei áurea na minha cidade. Tenho disponível um jornal de 1888, publicado por um grupo de advogados abolicionistas. 

No entanto, me interessa analisar não apenas um ponto de vista. Para isso, posso recorrer a outro periódico, do mesmo período, que represente o ponto de vista daqueles que se consideravam lesados pela lei da abolição. Caso não exista, nos arquivos que eu tenho disponíveis para consulta este material, uma alternativa é buscar nos jornais de cidades vizinhas informações sobre o assunto.  Levantados estes dados, posso fazer um cruzamento com fontes bibliográficas sobre abolição da escravidão e, então, terei material para compor uma parte da história local ou regional partindo do micro para o macro.

As pesquisas realizadas a partir dos jornais criam ainda a possibilidade de se escrever uma história do cotidiano, A história das pessoas comuns e dos obstáculos e mesmo alegrias do seu dia a dia. Este tipo de história é importante para a criação de uma identidade coletiva regional e reforça o sentimento de pertencimento de quem vive numa dada localidade.

Por exemplo, determinada matéria do jornal fala sobre os problemas ocasionados pelas chuvas em meados o século XIX. A partir desta matéria podemos encontrar dados que ajudem a entender mais sobre a questão urbana e os desafios enfrentados pela população. Estes dados podem ser cruzados, por exemplo, com as posturas municipais vigentes no período. 

Posturas municipais são as leis criadas para regulamentar a vida nos municípios. Do saneamento, construções, funcionamento dos cemitérios e até circulação de pessoas, as posturas estabelecem o que é permitido ou não em um município como forma de manter a ordem local. No caso de Minas Gerais estas leis, as mais antigas, podem se encontradas digitalizadas para consulta ou mesmo download no site do CEDPLAR – UFMG, que possuí uma coleção das leis de Minas Gerais de 1842 a 1888. Os sites das prefeituras também costumam disponibilizar suas posturas que estão em vigor.

Outra fonte para pesquisa que pode ajudar muito quem quer estudar história local por meio de jornais são as hemerotecas. Hemerotecas são coleções de periódicos, que fazem parte de arquivos, bibliotecas ou centros de documentação.  Foram criadas para guarda e conservação desta documentação e, também, para garantir acesso à informação. Atualmente temos a possibilidade de utilizar as hemerotecas digitais, o que permite, por exemplo, que uma pessoa que more numa cidade do interior tenha acesso aos centros de documentação de grandes capitais brasileiras ou mesmo estrangeiras.

Uma das maiores hemerotecas que temos no Brasil é a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, que possui uma coleção enorme de periódicos, inclusive de cidades do interior do Brasil. Nem todas as coleções estão completas, mas os bancos de dados estão constantemente sendo atualizados com novos títulos. Além disso, o sistema de busca permite que o pesquisador encontre em jornais de outras cidades ou mesmo estados, matérias referentes à sua cidade ou mesmo de personalidades que nela viveram.

Além disso, demos ainda a bibliografia referente à história local que pode e deve ser usada para dar maior embasamento à pesquisa. Desta bibliografia faz parte livros e revistas que trazem a história da cidade ou município, assim como biografias e memórias. Este material geralmente pode ser encontrado nas bibliotecas municipais.

Outro recurso são textos publicados em revistas científicas ou em anais de congressos, geralmente disponíveis na internet. Uma ferramenta que permite ter acesso a este material, a partir de palavras-chave é o “Google Acadêmico” ou “Google Scholar”, uma ferramenta de pesquisa do Google que permite pesquisar em trabalhos acadêmicos, literatura escolar, jornais de universidades e artigos variados. Além disso, há uma quantidade enorme de sites que disponibilizam livros digitalizados de autores renomados em formato pdf. 

Desta forma, sem nem mesmo sair de casa, temos como trabalhar com bancos de dados de jornais, utilizar documentos oficiais (legislações) para complementar ou cruzar dados, nos apoiar em material bibliográfico sobre a história geral e regional e, a partir daí, produzir um bom material historiográfico que pode enriquecer tanto o ensino de história quanto a própria memória regional.

SUGESTÃO DE BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, Agnaldo de Sousa. A propósito de um Estatuto para a História Local e Regional: algumas reflexões, XII Semana de História da UNESP/Franca,1998.  disponível em <http://www.franca.unesp.br/PROPOSITO_REGIONAL.pdf>, acesso em  26 mai. 2009.

BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 103-124, p. 149-174. Disponível em: < http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/navegacoes/article/download/11085/7610>. Acesso em 22 mar. 2020.

BORRAT, H. El periódico, actor político. Analisis 12, Barcelona, 1989, p. 67-80. Disponível em: <https://ddd.uab.cat/pub/analisi/02112175n12/02112175n12p67.pdf>. Acesso em 20 de mar. 2020

GERHARDT, Tatiana Engel, SILVEIRA, Denise Tolfo (ORG). Métodos de pesquisa. Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS, Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. Disponível em: < http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf>. Acesso em 22 mar. 2020.

LUCA, Tania Regina. Fontes Impressas. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSK, Carla B. Fontes históricas. São Paulo, Contexto, 2008. P. 111-156.

LUCCA, Tania Regina. A grande imprensa na primeira metade do século XX. MARTINS, Ana Luiza, LUCA, Tania Regina de. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2011, p. 149-175.

MORAIS, Delsa Maria Santos de. RAMALHO, Elinalva dos Montes. SILVA, Maria do Socorro Borges da. História local como eixo temático nas séries iniciais. IV Encontro de Pesquisa em Educação da UFPI A pesquisa como mediação de práticas sócio-educativas, GT8, História Local, 2006. Disponível em <http://www.ufpi.br/mesteduc/eventos/ivencontro/GT8/historia_local.pdf> acesso em 21 out. 2008.

MOREL, Marco. O surgimento da imprensa no Brasil: questões atuais. Maracanan. Rio de Janeiro, nº 3, 2005/2007, p. 17-30. Disponível em: < https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/maracanan/article/view/13620>. Acesso em: 23 de mar. 2020.

Nogueira, N. A. da S., & Silva, L. N. (2011). Os desafios para a construção de uma história local – o caso de Leopoldina , Zona da Mata de Minas Gerais. Revista Polyphonía21(1), 242. Disponível em: < https://www.revistas.ufg.br/sv/article/view/229>. Acesso em: 22 mar. 2020.

SALVATORI, Angela Borges. História, ensino e patrimônio. Araraquara, SP: Junquera & Marin, 2008.
SILVA, Francisco Ribeiro da. História Local: Objectivos, Métodos e Fontes. Universidade do Porto, 1998.  Disponível em: <http://repositorio.up.pt/aberto/bitstream/10216/8247/2/3226.pdf>, capturado em 26 mai. 2009.

SANTOS, Nilza Maria Almeida, NilzaA imprensa em leopoldina (MG) entre 1879 e 1899Rio de Janeiro, 2012, 23p.   Artigo apresentado ao Departamento de História da Universidade Gama Filho como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em História Cultural.

SILVA, Márcia Pereira da; FRANCO, Gilmara Yoshihara. Imprensa e Política no Brasil: considerações sobre o uso do jornal como fonte de pesquisa histórica. Revista História em Reflexão: Vol. 4 n. 8 – UFGD - Dourados jul/dez 2010. Disponível em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/941. Acesso em 22 mar. 2020.

ZICMAN, Renée Barata. História através da imprensa: algumas considerações metodológicas. Projeto História. Volume 4, 1985. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/12410/8995>. Acesso em 20 de mar. 2020.


domingo, 22 de março de 2020

VAMOS ESCREVER CARTAS

Imagem capturada em: https://blog.myheritage.com.br/2019/10/preservando-cartas-antigas-de-familia/
Em  tempos de pandemia nós temos poucas opções para passar o tempo. Fazer a limpeza de um armário, colocar as coisas em ordem dentro de casa, ler um livro e assistir televisão são algumas das coisas que certamente à maioria das pessoas que tem uma casa para estar (não podemos nos esquecer dos milhões, sem teto e até sem pátria que estão espalhados pelo mundo, vivendo ao relento ou em barracas improvisadas). Outras pessoas, como eu, estão usando seu tempo para escrever.

Estou postando praticamente todos os dias nos meus blogs, além de escrever textos técnicos para os congressos adiados dos quais eu irei participar quando a crise acabar. Mas ontem, depois de assistir a um filme, daqueles bem bobinhos para passar o tempo, eu fiquei com vontade de fazer outra coisa: escrever cartas.

Foi algo que me veio depois de uma cena na qual o protagonista abre uma caixa cheia de correspondências antigas. Eu mesma tenho uma assim, guardada no fundo de um armário. Cartas e cartões que eu recebi durante minha juventude, antes dos e-mails e das redes de mensagens rápidas. Subitamente me veio o desejo de pegar uma folha de bloco e escrever uma carta.

Uma carta para os alunos que eu já tive e que ainda quero ter.
Uma carta para as pessoas em risco que eu ignorei nas ruas.
Uma carta para a natureza tão maltratada pela humanidade.
Uma carta para as mulheres e crianças vitimas de abusos.
Uma carta pra os desabrigados e para os refugiados.

De repente me bateu uma vontade imensa de dizer a eles como me sinto das minhas preocupações, dos meus sonhos e dos meus arrependimentos. Cartas que eu nunca vou enviar, mas que vão ser os testemunhos físicos daquilo das minhas expectativas, dos arrependimentos e sonhos acumulados ao longo de décadas.

Eu quero escrever cartas, mesmo que elas nunca sejam lidas.
É um sentimento melancólico, eu reconheço, mas que me trouxe certo conforto. Escrever de próprio punho cartas que eu espero poder reler daqui a uma década e colocar frente a frente o Eu do passado com o Eu do futuro.

Fica aqui meu convite para quem quer preencher o tempo durante a quarentena: vamos escrever cartas?

sábado, 21 de março de 2020

O NOVO CORONAVÍRUS NA ÁFRICA: DESAFIOS

Imagem disponível em: <https://www.liberation.fr/checknews/2020/03/21/covid-19-combien-y-a-t-il-de-cas-en-afrique_1782480>. acesso em 21 de mar. 2020

A África até recentemente não havia registrado casos de infecção pelo novo coronavírus, mas isso mudou. No princípio de março, a República Democrática do Congo (RDC) registrou seu primeiro caso de um novo coronavírus, tornando-se o décimo primeiro país africano afetado pelo COVID-19 depois do Egito, Argélia, Tunísia, Nigéria, Marrocos, África do Sul, Senegal, Togo, Camarões e Burkina Faso[1]Na sexta, dia 20 de março, somavam um total de 800 infectados, em 34 países do continente africano.[2]

Em um relatório publicado em fevereiro, Argélia, Egito e África do Sul eram apontados como os países com maior risco à importação do vírus devido ao grande o tráfego aéreo sustentado com as províncias infectadas na China. Mas eles, ao menos, têm condições de conter a epidemia. Em situação pior se encontram países como Nigéria, Etiópia, Sudão, Angola, Tanzânia, Gana e o Quênia pois estes países não possuem um sistema de combate eficiente, com poucos recursos na área da saúde para detectar o vírus, o que permite que ele se espalhe rapidamente[3].

E o isolamento dos países já começou. O Ministério das Relações Internacionais e Cooperação na África do Sul (DIRCO) estão proibindo a entrada de estrangeiros. Num primeiro momento foi proibida a emissão de vistos de estrangeiros vindos de países como a França, Itália, Espanha, Alemanha, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos, Irã, Coréia do Sul e China,[4] mas essa proibição pode ser estendida a outras nações à medida que a pandemia se alastrar.

 Marrocos, uma das portas de entrada para a Europa Ocidental e com um dos aeroportos mais movimentados do noroeste africano, proibiu todos os voos internacionais. O primeiro país africano a ser contaminado, em fevereiro, o Egito, que já entrou em quarentena, assim como o Senegal e a Costa do Marfim, países onde as escolas foram fechadas e a aglomeração de pessoas foi proibida. A Tunísia anunciou medidas semelhantes nesta sexta, dia 20 de março[5].
Imagem disponível em: <https://www.futura-sciences.com/sante/actualites/epidemie-sont-pays-afrique-plus-vulnerables-coronavirus-79699/>. Acesso em 20 mar. 2020.
O continente africano é uma das regiões mais vulneráveis do planeta, no que diz respeito à disseminação de doenças. Esta vulnerabilidade se deve tanto aos sistemas de saúde deficitários e, em muitos casos, mesmo ausentes, quanto à situação de pobreza e miséria em que milhões de africanos estão sujeitos.

Em números atualizados, em 20 de março, o Centro Africano de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), calculou o número de mortes pelo novo coronavírus em cinco países , Argélia (8), Egito (7), Marrocos (2) Burkina Faso e Sudão (um cada), num total de 19 vítimas. Os países africanos mais afetados até agora são Egito (256 casos), África do Sul (150), Argélia (82), Senegal (38) e Tunísia (39), segundo o CDC África[6]

Segundo o diretor do CDC África, John Nkengasong, foram criados três polares para combater a pandemia e seis efeitos no continente: "O primeiro pilar da nossa estratégia é a prevenção, o segundo pilar é evitar os mortos e o terceiro evitar danos sociais"[7]

Para combater a pandemia, os países africanos estão se unindo num esforço continental, a fim de dar suporte aos países nos quais os recursos sanitários são escassos. A China é praticamente o único país a oferecer alguma solidariedade, com apoio técnico e logístico e quem saiu na frente no combate à epidemia.

Para muitos especialistas, a África pode vir a se tornar uma das principais vítimas desta pandemia. Entre as dificuldades temos não apenas a falta de um sistema de saúde eficaz há, também, a questão política. A África do Sul, por exemplo, a principal economia do continente, está passando por sua mais grave crise econômica, política e até moral desde o fim da apartheid.[8] 

Para muitos sul-africanos, a pandemia ainda é uma abstração frente às questões mais pragmáticas enfrentadas no dia a dia. Isso pode ser dito sobre outras nações, mergulhadas na fome e na pobreza, sem acesso os meios de comunicação ou recursos básicos para sobrevivência. Por outro lado há questão da juventude da população e o fato de que epidemias como as de malária, HIV e ebola já deixaram alguma experiência acerca do combate a doenças contagiosas. O que não significa que o número de mortes será pequeno.







[1] (COVID-19) Les pays africains s'efforcent de contrôler l'épidémie du nouveau coronavirus (SYNTHESE). Disponível em: http://french.xinhuanet.com/afrique/2020-03/11/c_138866752.htm>. Acesso em 20 mar. 2020.

[2] Covid-19 : combien y a-t-il de cas en Afrique ? Disponível em: <https://www.liberation.fr/checknews/2020/03/21/covid-19-combien-y-a-t-il-de-cas-en-afrique_1782480>.  Acesso em 21 mar. 2020.
[3] Quels sont les pays d'Afrique les plus vulnérables au coronavirus ?
[4] Coronavirus - COVID-19 en Afrique du Sud. Disponível em: <https://za.ambafrance.org/Coronavirus-COVID-19-en-Afrique-du-Sud>. Acesso em 20 mar. 2020
[5] COVID-19: au tour de l’Afrique?. Disponpivel em: <https://www.lapresse.ca/international/afrique/202003/20/01-5265773-covid-19-au-tour-de-lafrique.php>. Acesso em 21 mar. 2020.
[6] L'Afrique face au coronavirus : l'Union africaine en ordre de bataille. Disponível em < https://www.lepoint.fr/afrique/l-afrique-face-au-coronavirus-l-ethiopie-sous-pression-20-03-2020-2368040_3826.php>. Acesso em 20 mar. 2020.
[7] L'Afrique face au coronavirus : l'Union africaine en ordre de bataille. Disponível em < https://www.lepoint.fr/afrique/l-afrique-face-au-coronavirus-l-ethiopie-sous-pression-20-03-2020-2368040_3826.php>. Acesso em 20 mar. 2020.
[8] HASKI, Pierre. L’Afrique se prépare au choc de l’arrivée du Covid-19. Disponível em: < https://www.franceinter.fr/emissions/geopolitique/geopolitique-20-mars-2020>. Acesso em 20 de mar. 2020.


sexta-feira, 20 de março de 2020

O MUSEU DE LA CIÈNCIA I DE LA TÈCNICA DE CATALUNYA

Prédio principal do complexo do qual faz parte do Museu de la Ciència  i de la Tècnica de Cataluya, em Terraça, Espanha/Catalunha.
Este ano, nas férias de janeiro, tive o prazer de conhecer um com instalações muito amplas dedicado exclusivamente à tecnologia. Trata-se do Museu de la Ciència  i de la Tècnica de Cataluya (mNACTEC), ligado ao Departamento de Cultura da Generalitat da Catalunha, localizado na cidade de Terrassa, na Catalunha, região autônoma da Espanha.

Terrassa  é uma cidade com cerca de 200 mil habitantes que fica na comarca do Vallès Ocidental, cuja ocupação remonta à pré-história (com vestígios de quase um milhão de anos) e que fez parte do antigo Império Romano (Municipium Flavium Egara) e, é claro, uma cidade que passou por todo o processo de feudalização que marcou a Idade Média.  A Catalunha foi a região que primeiro se industrializou na Espanha e lá estão presentes muitas empresas, além de diversos centros universitários, como a Escola Técnica Superior de Engenharia Industrial e Aeronáutica de Terrassa e a Universitat Autònoma de Barcelona. 

Parte externa do museu.
Ele foi instalado numa antiga fábrica têxtil, a "Aymerich, Amat y Jover", construída entre os anos de 1907 e 1908, obra do arquiteto Luís Muncunill. O prédio em si é um patrimônio histórico, sendo considerado um dos maiores exemplos de arquitetura industrial modernista d a região autônoma da Catalunha.  

A ideia da criação do museu remonta à década de 1930, mas tornou-se realidade apenas em 2 de novembro de 1990, quando a Lei dos Museus declarou o lugar como museu nacional e estabeleceu-o como uma entidade independente. O prédio da antiga fábrica foi adaptado para receber a coleção que faz parte do seu acervo permanente, assim como para abrigar um grande número de peças e documentos que são exibidos nas exposições temporárias. Há ainda espaço para guarda e consulta de documentos.

As exposições fixas
O museu possui um acervo que gira em torno de 20.000 objetos, de instrumentos rudimentares utilizados na agricultura a réplicas de capsulas espaciais. As exposições fixas são as seguintes:

1. "A fábrica Têxtil”, que mostra objetos e máquinas, além de reproduzir parte do ambiente, de uma fábrica do final do século XVIII. A imagem abaixo mostra uma antiga máquina de fiar. A exposição apresenta uma mostra das diversas máquinas que foram utilizadas na indústria têxtil.

2. A exposição “Energia”, que apresenta objetos e informações, além de espaços interativos sobre a produção e uso da energia ao decorrer da história. A parte da interatividade é superinteressante, ideal para professores em visitas escolares.

3. A “LHS: Explorando as origens do Universo”, que explica a teoria física da junção de partículas para a formação do planeta terra. Infelizmente, as fotos que eu tirei não ficaram boas, por conta da iluminação.

4. “O enigma do computador”, com uma enorme coleção que mostra a evolução dos computadores, além do história do desenvolvimento tecnológico.

5. “Tudo é Química”, que apresenta fotos os elementos da tabela periódica, além de demostrar como a química influencia a nossa vida diária.

6. A exposição “O Transporte”, a maior delas, com uma coleção de objetos ligadas ao transporte, de automóveis a aviões.Uma das exposições que eu mais gostei, com modelos antigos e futuristas de automóveis, além de réplicas de aviões.






7. A “Viva Montesa”, que mostra a história da marca catalã Montesa de motocicletas (cujo modelo hoje é produzido pela Honda), com 67 motocicletas e três bicicletas. Deu até vontade de subir em uma daquelas motocicletas estilosas (pena que não podia), nem que fosse para tirar uma foto.





8. A “Homo Faber”, que conta a história das revoluções intelectuais e da evolução tecnológica oriunda delas; o “O Corpo Humano. Como estou?”: Conta características do corpo humano, explicando cada função e parte dele, de forma interativa. Também apresenta alguns dos grandes cientistas que contribuíram pra o desenvolvimento tecnológico, da antiguidade aos tempos atuais, sem deixar de fora a contribuição das mulheres.
A imagem mostra Augusta Ada Byron King, Condessa de Lovelace, uma matemática e escritora inglesa. Ela famosa principalmente por ter escrito o primeiro algoritmo para ser processado por uma máquina, a máquina analítica de Charles Babbage. Um algoritmo é uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema.
9. Uma exposição sobre o arquiteto Luís Muncunill, que fala sobre a construção da fábrica na qual o museu se localiza e outros trabalhos realizados pelo arquiteto.


10. Por fim a “Mina Pública de Águas de Terrassa: A batida da cidade industrial”, que mostra como a tecnologia fez com que a água chegasse a Terrassa.

AS MINHAS IMPRESSÕES
Eu achei superinteressante a forma como as exposições foram organizadas no espaço da fábrica. Não há salas separando cada exposição, no máximo biombos. Elas possuem uma dupla função: contar a história da tecnologia e apresentar esta tecnologia, in loco, para o visitante. Algumas delas são interativas, particularmente as que tratam de energia. Outras chamam a atenção pelo cuidado que o museu teve em reproduzir objetos em seu tamanho original.

Cada mostra tem seu encanto e o museu, definitivamente, colocou a educação em primeiro lugar: é um lugar criado para receber visitas escolares e um espaço que pode se transformar em um laboratório de ensino tanto para professores da educação infantil quanto do ensino superior. E esta função pedagogia está presente em cada objeto, cada mostra.

Evidentemente, todo museu tem sua função pedagógica mas, para muitos, ela nem sempre salta aos olhos do expectador que, na maioria das vezes, se não possuí algum conhecimento prévio sobre o acervo ou o espaço não de consegue apreender tudo aquilo que o museu pode oferecer em termos de conhecimento.

Acho que esse foi o grande diferencial, pelo menos para mim, do mNACTEC. O tempo todo eu ficava pensando: - Nossa, o Rodrigo professor de física ia adora trazer os alunos aqui; - O Francisco, professor de Química ia poder dar uma senhora aula nesta exposição; - A Amanda, professora de Geografia, ia pode trabalhar geologia e energia de uma forma fantástica.


Eu, obviamente, fiquei imaginando as diversas formas pelas quais aquele espaço poderia enriquecer meu trabalho. Este é o tipo de museu que me encanta, porque ele faz minha mente brilhar, com tantas ideias e possibilidade que ele pode oferecer. E confesso que fiquei muito empolgada em poder entrar numa réplica de capsula espacial (quando era criança eu queria ser astronauta).



Se levarmos em conta que, de um modo geral, a função social do museu servira à sociedade e auxiliar e ser um instrumento para seu desenvolvimento, por meio da preservação e de um projeto educativo que transforme a memória num objeto de empoderamento coletivo, o Museu da Museu de la Ciència  i de la Tècnica de Cataluya é um dos exemplos mais incríveis de como o museologia pode auxiliar a educação.

Fontes consultadas.
MUSEU DE LA CIÈNCIA I DE LA TÈCNICA DE CATALUNYA. Site oficial. Disponível em: < https://www.mnactec.cat/>. Acesso em 3 mar. 2020.

Terrassa. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Terrassa>. Acesso em 3 mar. 2020.

O Museu: Funções e Responsabilidades. Disponível em: <https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/turismo-e-hotelaria/o-museu-funcoes-e-responsabilidades/23900>. Acesso em: 06 mar. 2020.


domingo, 15 de março de 2020

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO E A LEI DO VENTRE LIVRE A PARTIR DE TEXTOS PUBLICADOS PELO JORNAL O LEOPOLDINENSE (1881)


O Leopoldinense está disponível para consultas na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
O jornal "O Leopoldinense" é uma ótima fonte para se estudar Leopoldina e a Zona da Mata de Minas. Leopoldina, que foi um dos municípios cafeeiros mais importantes de Minas Gerais, com participação política ativa durante o Império e da I República, presente nos principais debates que nortearam a sociedade brasileira nestes períodos.

Um deles foi a questão da abolição da escravidão. Leopoldina foi um dos maiores produtores da café da Zona da Mata de Minas e, na década de 1881, possuía o segundo plantel de escravos da província, e um dos maiores do país. A partir de 1870, com a organização do Movimento Abolicionista, a defesa pela abolição ganhou um grande impulso e passou a fazer cada vez mais parte dos debates públicos. 

Numa matéria de quase uma página, publicada em 19 de maio de 1881, intitulada “A emancipação”, o jornal  "O Leopoldinense" assume uma postura que podemos classificar pseudoabolicionista. Ao mesmo tempo em que o periódico defende a emancipação dos escravos que, segundo o editor, traria a felicidade para o país, o artigo condena o movimento abolicionista, afirmando que não há razão para ele existir visto que era consenso geral a necessidade da abolição. Leia um trecho.

“O sentimento que rebenta em borbotões no seio de todos os brasileiros é, sem dúvida alguma, o da emancipação dos escravos. Pergunte-se a cada um de nossos patrícios o que pensa a este respeito, que a resposta será invariavelmente a mesma: - que desejam a realização da liberdade geral.

Não resta dúvida sobre este ponto: todos querem a felicidade da nossa Pátria, baseada na felicidade de nossos semelhantes, livres de todas as cadeias de cativeiro.

Sendo assim, se todos de coração, desejam a realização do bem, para que propaganda abolicionista?

As propagandas só são razoáveis quando o povo está indiferente, ou refratário a alguma ideia. No caso vertente não se dá isso. Não há necessidade de convencer a nossa população, visto já estar dela há muito consciente do que é mister fazer, e para o que deve trabalhar.”[1]

Trata-se de um texto favorável a abolição mas faz oposição à campanha abolicionista. Ele se alinha ao discurso da abolição gradual defendida pelas elites, que deseja acabar com a escravidão no Brasil, sem prejuízo para os senhores de escravos e qualquer plano concreto de inserir o ex-escravo na sociedade. Um texto que falsamente apresenta a totalidade da população brasileira como abolicionista e tolerante, num discurso que mascara uma realidade marcada pela intolerância e pelo preconceito.

A certa altura, o autor do texto convoca os brasileiros a apoiarem, sempre de forma moderada a abolição, citando como exemplo a Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871. Esta lei é também conhecida como Lei Rio Branco. No seu Art. 1º ela dispõe que “Os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre”. O parágrafo 1º estabelecia as condições em que isso deverá acontecer.

§1. Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.[2]

Imagem capturada em: <http://ainfanciadobrasil.com.br/seculo-xix-infancia-e-escravidao/>. Acesso em 15 mar. 2020.

Levando em conta o valor médio de um escravo, que girava em torno de 1:000$00, é de se supor que a maior parte dos beneficiados pela lei permanecia sob a tutela do senhor, a quem era mais vantajoso utilizar dos seus serviços do que receber a indenização oferecida pelo Estado.  De fato, muitos opositores ao projeto chamaram a atenção para o baixo valor da indenização oferecida aos proprietários[3].  Mas, mesmo que as crianças fossem entregues ao Estado este poderia encaminhá-las a associações que poderiam explorar seu trabalho gratuitamente, até os 21 anos. Ou seja, o benefício da lei era limitado.

A lei estava dentro do projeto de emancipação escrava gradual, que resguardava os interesses dos grandes proprietários e prometia uma transição lenta para o trabalho livre, sem o abalo da produção agrícola e, claro, sem penalizar ou trazer ônus aos donos de escravos. Ela ainda libertava os escravos de propriedade do Estado, os envolvidos em herança não reclamas e os abandonados pelos donos.[4]

Mas a mesma lei possuía, também, um dispositivo que criava o Fundo de Emancipação, cujo objetivo era prover a alforria gradual dos escravos existentes no Império. O fundo era regulamentado a partir do Art. 3

Art. 3º. Serão anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação.
§1. O fundo da emancipação compõe-se:
1: Da taxa de escravos.
2: Dos impostos gerais sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3: Do produto de seis loterias anuais, isentas de impostos, e da décima parte das que forem concedidas d’ora em diante para correrem na capital do Império.
4: Das multas impostas em virtude desta lei.
5: Das quotas que sejam marcadas no orçamento geral e nos provinciais e municipais.
6: De subscrições, doações e legados com esse destino.[5]

Para tanto, a lei previa no seu Art. 8º que o Estado deveria promover a matrícula de “todos os escravos existentes no Império.”[6] Dava-se prioridade à libertação de famílias de escravos. Segundo Isabel Cristina Ferreira Reis, no Brasil havia-se desenvolvido um modelo de família escrava, unida de forma consensual onde conviviam, muitas vezes, filhos alforriados com pais escravos e que “tiveram que dividir as agruras impostas pelo regime de cativeiro com os seus familiares e parentes não escravos”[7]. A legislação estava, assim, adequada à realidade do escravo naquele final do século XIX e reconhecia a família como um valor a ser preservado.
Imagem capturada em: <http://ainfanciadobrasil.com.br/seculo-xix-infancia-e-escravidao/>. Acesso em 15 mar. 2020.

Cabia a cada município criar uma junta de classificação responsável pela administração desses recursos e pela seleção dos beneficiados a partir dos dados fornecidos pela matrícula. Segundo a pesquisadora Catia Louzada:

“Os recursos do Fundo seriam distribuídos, considerando-se a proporção de escravos existentes, para o Município Neutro e províncias, cabendo aos respectivos presidentes destas a divisão entre seus municípios e freguesias”.[8]

A lei determinava, ainda, que escravos poderiam utilizar seus pecúlios para a compra da alforria, a partir de um valor previamente estabelecido. Este dinheiro viria de economias feitas pelo escravo, sob autorização do seu dono, como forme o Art. 4º:

Art. 4º. É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio[9].

Segundo Bartira Ferraz Barbosa,  pela primeira vez na História do Brasil foi permitido ao escravo reunir dinheiro para comprar sua liberdade. Tal prática já existia no Brasil, mas ela nunca foi um direito legalmente garantido.

Este mecanismo pouco conhecido da Lei do Ventre Livre foi muito criticado pela historiografia, considerado pouco eficaz e de pequena abrangência. No entanto, a Lei do Ventre Livre inova ao tirar das mais do senhor o direito de conceder ou não a alforria a seu escravo, que agora conquistava um pequeno amparo legal, o que abalava de certa maneira o poder do senhor sobre seu escravo[10].  
 
Angelo Agostini. Imagem capturada em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa203/angelo-agostini>. Acesso em 15 mar. 2020.

O periódico O Leopoldinense publicava editais relacionados ao fundo de emancipação. Leia um trecho:

“Dr Fernando Pinheiro de Souza Tavares, juiz de órfãos da cidade do termo de Leopoldina, na forma da lei et.

Faço saber aos que o presente edital virem, que no dia 18 do mês de junho próximo futuro, a uma hora da tarde na casa da câmara municipal d’esta cidade, terá lugar a audiência para a entrega da carta de liberdade do escravo Claudino, pertencente ao Capitão Manoel José Gonçalves o qual fora alforriado pelo fundo de emancipação na forma do artigo 3º da lei n. 2010 de 28 de setembro de 1871 e 42 do Reg. N. 5135 de 31 de novembro de 1872; devendo o senhor do mesmo, na formalidade do aviso do ministério da Agricultura de 10 de abril do corrente ano apresentar na audiência referida o dito escravo para ser entregue a sua carta,”[11]

Algo que chama atenção é o espaço que foi reservado para a publicação do edital de libertação do escravo Claudino: ao lado de dois anúncios de recompensa por escravos fugitivos. A sociedade brasileira e suas contradições. Ao mesmo tempo em que se festeja a libertação de um escravo, é oferecida recompensa para a prisão de outros dois.

A defesa da lei pelo artigo publicado pelo Leopoldinense e a forma como ela é apresentada, como sendo um grande passo para a abolição, permite analisar o discurso entoado pelas elites num momento marcado pela transição do trabalho escravo para o livre. Se em um primeiro momento, colocando a ideia de que o fim da escravidão significaria a felicidade da nação, o artigo cria a ilusão de que o Brasil é um país onde predomina a tolerância.

Em um segundo momento, ao tentar desqualificar o movimento abolicionista como sendo desnecessário, o autor do texto tenta mascarar a realidade.  O texto, longe de ser um texto abolicionista é, na verdade, um exemplo da resistência das elites em aceitar o estigma da escravidão. Ele não liberta, em suas palavras, os negros dos seus grilhões, mas os senhores de escravos da responsabilidade pelos  mais de 300 anos de escravidão. Este povo brasileiro, bom e tolerante, que deseja o melhor para aqueles que o autor do texto chama de “desgraçados sem autonomia amparados pela lei”.[12]




[1] A emancipação. O Leopoldinense. Leopoldina, 19 de maio de 1881, n. 36, p. 01.
[2] Lei do Ventre Livre. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. USP. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-Hist%C3%B3ricos-Brasileiros/lei-do-ventre-livre.html, acesso em 29 out. 2016.
[3] BARBOSA, Bartira Ferraz. O fundo de emancipação dos Escravos em Pernambuco. Revista de Pesquisa Histórica, n. 12, 1989, p. 106, Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/view/476, acesso em 29 out. 2016.
[4] BARBOSA, Bartira Ferraz. O fundo de emancipação dos Escravos em Pernambuco. Revista de Pesquisa Histórica, n. 12, 1989, p. 104, Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/view/476, acesso em 29 out. 2016.
[5] Lei do Ventre Livre. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. USP. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-Hist%C3%B3ricos-Brasileiros/lei-do-ventre-livre.html, acesso em 29 out. 2016.
[6] Lei do Ventre Livre. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. USP. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-Hist%C3%B3ricos-Brasileiros/lei-do-ventre-livre.html, acesso em 29 out. 2016.
[7] REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. Breves reflexões acerca da historiografia sobre a família negra na sociedade escravista brasileira oitocentista. Revista da ABNP, v. 1, n. 2 – jul.-out. de 2010, p. 124.
[8] LOUZADA, Catia.  Fundo de emancipação e famílias escravas: o município Neutro na lei de 1871. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH: São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300849599_ARQUIVO_Catia_Anpuh_2011.pdf. acesso em 29 out. 2016.
[9] Lei do Ventre Livre. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. USP. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-Hist%C3%B3ricos-Brasileiros/lei-do-ventre-livre.html, acesso em 29 out. 2016.
[10] LOUZADA, Catia.  Fundo de emancipação e famílias escravas: o município Neutro na lei de 1871. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH: São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300849599_ARQUIVO_Catia_Anpuh_2011.pdf. acesso em 29 out. 2016.
[11] Editaes. O leopoldinense. Leopoldina, 25 de maio de 1881, n. 39, p. 04.
[12] A emancipação. Gazeta de Leopoldina, Leopoldina, 19 de maio de 1881, n. 36, p. 02.