sábado, 12 de fevereiro de 2022

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

Esse texto é um breve preâmbulo de um texto maior que desejo escrever em breve. Ele partiu da experiência de observar as mudanças ocorridas nos livros didáticos, como professora do ensino fundamental, mas últimas três décadas. Uma dessas mudanças está na forma como os livros estão trazendo e tratando as fontes históricas. Notadamente nos últimos dez anos, novos elementos vêm sendo acrescidos aos livros. As charges, primeiro, as tiras cômicas e as histórias em quadrinhos, em seguida. Como elemento imagético, essas mídias foram ganhando espaço nos livros de história, tanto para ilustrar e exemplificar conteúdos quando para embasar atividades. 

 

No entanto, na pressente década, elas foram incluídas e citadas como fontes didáticas. No livro didático adotado pelo Programa Nacional do Livro Didático - PNLD, do oitavo ano "Vontade e Saber", de autora de Adriana Machado Dias, Keila Grimberg e Marco Pellegrini, da editora quinteto, que será utilizado nas escolas públicas até 2013, no primeiro capítulo, de introdução à história, os quadrinhos estão citados como fonte histórica.

 

Com o título " A renovação das fontes históricas", o livro traz uma página no "Tico-Tico", considerada a primeira revista em quadrinhos brasileira, como exemplo de quadrinhos como documento histórico. Em um pequeno parágrafo, os autores apresentam as HQs como uma das fontes que passaram a serem reconhecidas a partir do processo de inovação (palavra usada pelos autores) dos estudos históricos iniciados na França, com a Escola de Annales. Aos quadrinhos acrescenta outras fontes como a música e os filmes.  Segundo o livro: "Com essa renovação, além dos documentos oficiais, passaram a ser considerados fontes válidas para o estudo da história objetos pessoais, pinturas, cartas, histórias em quadrinhos, esculturas, filmes, músicas, relatos, entre outras."

 


Uma página, dois pequenos parágrafos, mas muitos significados. Os quadrinhos são listados como “fonte válida”, ou seja, estão sendo reconhecidos oficialmente como uma fonte história. Mais do que isso, estão sendo citados em um livro didático, direcionado ao grande público e, também, aos professores.


Os quadrinhos já entraram na academia, e estão presentes em maior ou menor proporção nas salas das universidades e nos programas de pós-graduação, em maior ou menor proporção, dependendo do curso. No campo da história o reconhecimento e usa da fonte já vem ocorrendo há muitos anos. Cabe aqui citar os trabalhos do historiador francês Pierre Couperie, um historiador francês especializado em quadrinhos, pioneiro neste campo de trabalho. Couperie foi um dos primeiros historiadores a trabalhar este campo de pesquisa, ainda na década de 1960), não apenas na França. Ele diversificava seus trabalhos em história social e econômica. Em seu tempo, Couperie foi um militante tanto no estudo acadêmico dos quadrinhos quanto no seu uso como recurso para educação. 


Posteriormente tivemos outros renomados historiadores da escola francesa como Michel Vovelle que em sua obra “Imagens e Imaginário na História”, não apenas defende o uso de quadrinhos como fonte de pesquisa como eles tema de dois capítulos do livro. Podemos ainda citar a historiadora Michelle Perrot, cujas pesquisa no campo da história das mulheres são reconhecidas em todo mundo, que utiliza os quadrinhos da personagem Becassine, como fonte e referência em seu livro “Mulheres públicas”.


No entanto, nas escolas do ensino regular, a qualidade dos quadrinhos como fonte é normalmente desconhecida, quando não ignorada. Por essa razão, ao serem citados ao lado de outras mídias num capítulo de introdução à história, os quadrinhos tiveram seu status alavancado. Isso porque podemos acrescer aí o reconhecimento oficial do próprio estado, que já há algum tempo reconheceu os quadrinhos como um tipo de leitura indicada a crianças e jovens, enviando anualmente vários títulos para as bibliotecas escolares por meio do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).  No portal do MEC temos, inclusive, um breve texto justificando e indicando a leitura das HQs e sua presença nas bibliotecas escolares.


“A leitura de obras em quadrinhos demanda um processo bastante complexo por parte do leitor: texto, imagens, balões, ordem das tiras, onomatopeias, que contribuem significativamente para a independência do leitor na interpretação dos textos lidos. Além disso, o universo dos quadrinhos faz parte das experiências cotidianas dos alunos. É uma linguagem reconhecida bem antes de a criança passar pelo processo de alfabetização. ”


Agora para além da leitura, temos os quadrinhos como fonte e, portanto, objeto de reconhecido valor científico, não apenas por historiadores, mas um reconhecimento oficial que pode vir a ser importante tanto para a popularização do uso da fonte, mas, também para seu uso como recurso didático para professores nas salas de ala de todo o Brasil.


Fontes:
DIAS, Adriana Machado[et all]. Vontade de Saber: 8º ano: ensino fundamental: anos finais. - São Paulo: Quinteto Editorial, 2018.

PERROT, Michelle. Mulheres Públicas. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora UNESP, 1998. 160 p.

Por que livros em quadrinhos foram incluídos no Programa Nacional Biblioteca da Escola?Portal do MEC. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/par/136-perguntas-frequentes-911936531/quadrinhos-do-pnbe-1574596564/282-por-que-livros-em-quadrinhos-foram-incluidos-no-programa-nacional-biblioteca-da-escola>. Acesso em 12 fev 2022.

VOVELLE, Michel. Imagens e Imaginário na História: fantasmas e certezas nas mentalidades desde a Idades Média até o século XX. São Paulo: Ed. Ática, 1997.