Imagem capturada em: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/terra-brasilis/namoro-e-casamento-a-moda-colonial.phtml>. Acesso em: 06 mar. 2021.
Uma
das estratégias amorosas mais comuns no século XIX, era o rapto. Jovens casais
apaixonados fugiam na calada da noite, muitas vezes montados no lombo de
cavalos, ou embarcando sorrateiramente em vagões de trens, na esperança de que,
quando encontrados, a família da moça permitisse o casamento. Casos como este
eram frequentemente narrados nos jornais.
Em
cidades como Juiz de Fora (MG), por exemplo, os raptos eram frequentes e, não
raramente, podia-se encontrar alguma nota ou mesmo um texto mais longo
noticiando as aventuras e desventuras amorosas de jovens, na segunda metade do
século XIX. O rapto geralmente era consentido pela moça, que atuava como coautora,
mediante a promessa de casamento feita pelo enamorado, uma vez que, após a
fuga, suas chances de matrimônio com ouro homem ficariam comprometidas.
A
Gazeta de Leopoldina, de 27 de
setembro de 1896, do município e Leopoldina (MG), vai trazer um texto (incompleto)
sobre um destes casos. Este periódico, em particular, não costumava dedicar, ao
menos neste período, espaço para este tipo de notícia, que envolver relações
familiares e afetivas, que não são encontradas com tanta frequência como nos
jornais de Juiz de Fora. O caso envolve uma moradora do distrito e Providência.
Leia um trecho da transcrição do caso:
“O
indivíduo de nome Paulino Antônio da Silva, raptou no distrito da Providência,
deste município, a menor Izabel, e contava fazer com ela vida comum sem dar
menor satisfação ao juiz de paz e ao padre da freguesia. Para realizar tão
venturosos planos, escolheu no próximo município de Cataguases, uma poética moradia.
As autoridades dali, porém, que não dormem, acharam felicidade demais para este
mundo de dores e privações e engaiolaram os felizes viventes. Verificado o defloramento,
e sendo o fato realizado neste município, foram enviados ao enérgico temente
Pimenta, digno delegado de polícia, não só os papeis referentes assim como os
felizes fugitivos. ”[1]
O
texto, é encerrado abruptamente, não havendo sequência, pelo menos não nesta
edição, mas este pequeno trecho nos traz muitas informações acerca desta
estratégia amorosa. Dados como a idade do autor do rapto e sua ocupação não
estão presentes, mas, supõe-se que seja um homem adulto e que tenha certa
ocupação visto que havia conseguido uma casa para viver com a moça.
O
rapto foi detalhadamente planejado. A menina, menor, foi levada para outro
município, Cataguases (MG), no qual o autor, Paulino Antônio da Silva, já havia
preparado uma casa para coabitação do casal. Reparem que o texto descreve o
evento de forma jocosa, quase como se fosse uma piada, o que de certa forma ameniza
o fato do casal ter realizado um ato que desafiava o pátrio poder, ou seja, a
autoridade do homem, o pai, sobre as mulheres da sua família.
A
comprovação do defloramento é uma forma de conseguir a efetivação do casamento
do casal, que poderia ser realizado na delegacia, sob ordens do delegado. Este
era, em geral, o objetivo do rapto, o casamento, uma vez que os pais da moça
não conseguiriam depois do incidente e comprovado o defloramento que ela
conseguisse um bom casamento na sua localidade. Mas isso não era
necessariamente uma regra. Nem sempre o raptor tinha relações sexuais com a
moça, que era simplesmente levada para a casa de outra pessoa, local no qual
ficava escondida, aguardando o desfecho da situação. O casamento, então,
deveria ser feito às pressas para se preservar a honra e o nome da família[2].
Quem
eram essas moçar que aceitavam participar desses arranjos? Segundo Mary Del Priore,
“Eram
moças a quem os pais não consentiam o casamento e afirmavam seu direito de
amar, independentemente das situações de raça, dinheiro ou credo. Segundo ele,
essas fugas de novela marcam o declínio da família patriarcal e o início da
família romântica. Nela, a mulher começava a fazer valer seu desejo de sexo e
de querer bem. ”[3]
Era comum e usual o arranjo matrimonial
entre as famílias mineiras, nos séculos XIX e em parte do século XX. As
mulheres eram utilizadas como “moeda” de troca, em acordos familiares. A fuga
de jovens apaixonados, desafiava a regra geral estabelecias pelo pátrio poder e
pode ser considerada uma estratégia de resistência, tanto por parte das
mulheres, quando por parte dos homens, muitas vezes obrigados a uma união
baseada em relações de reciprocidade entre famílias. O memorialista Pedro Nava,
por exemplo, narrou um destes casos em suas memórias, no qual Regina, filha de
Luiz da Cunha, bisavô de Nava, planejou fugir com seu primo Chico Horta, para
casar-se, em 1858[4].
O rapto poderia envolver jovens de grupos abastados e oriundas de classes subalternas. Entre dos grupos de elite a possibilidade de escolha de um cônjuge era muito reduzida e, muitas vezes, o casamente entre primos ou parentes próximos era uma forma de manter e aumentar a fortuna o poder da família. É o que Mônica Junqueira chamou casamentos consanguíneos. Era uma forma de reprodução social, na qual bens materiais e simbólicos circulavam entre famílias importantes e garantiam a perpetuação de seu patrimônio político e social.
“Esses
casamentos, além de reforçarem o patrimônio da família e afastarem o “fantasma”
da falência, permitiam a solidificação das relações, que não passavam somente
por um contrato comercial entre devedor e seus credores, como um negócio de
família, cuja fortuna e sangue não se dispersavam. Como os esposos, graças ao
pátrio poder, possuíam a autoridade de chefes de família, administravam as
heranças de suas esposas, possibilitando cada vez mais, o fortalecimento do patrimônio
familiar”.[5]
Segundo Mary Del Priore, entre as pessoas mais simples o afeto e o amor possuem um papel importante no casamento e os padrões morais eram mais flexíveis.[6] Mesmo que entre as classes subalternas muitos arranjos matrimoniais fossem baseados em relações de reciprocidade, e buscava-se casamentos que pudessem trazer para a família da noiva, principalmente, algum ganho material, havia certa liberdade entre os jovens de propor casamento a sua amada, com alguma chance de sucesso.
Mas nem sempre os raptos terminavam em casamentos felizes e, em muitos casos costumavam envolver homens já casados que seduziam jovens solteiras com promessas que não pretendiam cumprir. Temos ainda casos nos quais um homem promove o rapto de mais de uma mulher, como ocorreu em Cataguases, em, 1906, quando um homem raptou três mulheres com o objetivo de estabelecer uma relação poligâmica.[7] Além disso, havia casos de raptos sem consentimento da moça, que se via obrigada a casar com um agressor sexual, com o qual deveria permanecer o resto de sua vida.
[1] Rapto. Gazeta de Leopoldina. Leopoldina, 27 de setembro, 1896, nº 17, p.
02.
[2] DEL PRIORE, Mary. História do
Amor no Brasil. – São Paulo: Contexto, 2005, p. 148.
[3] DEL PRIORE, Op. Cit., 2005, p. 147
[4] NAVA, Pedro. Baú de Ossos. – 6ª ed – Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1983, p 121.
[5] OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de família: mercado, terra e
poder na formação da
cafeicultura mineira. 1780-1870. Bauru
– SP: Edusc; Juiz de Fora, MG; FUNALFA, 2005, p. 168-9.
[6] DEL PRIORE, OP. Cit., 2005, p. 159.
[7] Jornal do
Commercio, Juiz de Fora, 08 de maio de 1906, ano XI, n 2944, p. 02.
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