As
pessoas normalmente não compreendem muito bem o papel dos meios de comunicação
na formação social, cultural e até política do indivíduo. Quando se trata de um
meio de comunicação entendido simplesmente como uma forma de divertimento fica
mais difícil explicar. Quando você se torna pesquisador de Histórias em
Quadrinhos (HQs), por exemplo, vai se deparar com muitas questões que se
resumem em uma única pergunta: “Para o quê serve isso”?
Daí
eu começo explicando que em tudo há um discurso, que nenhum discurso é inocente
e que todo discurso deve ser analisado, não importa se ele está presente na
narrativa complexa de um texto literário ou na narrativa igualmente complexa de
uma HQ. Aliás, quando mais aparentar ser inocente, maior a abrangência do
discurso.
No
caso das HQs, especialmente aquelas voltadas para o público infantil, podemos
encontrar um potencial poderoso que pode ser explorado por educadores
e pais. Dê uma boa revista em quadrinhos para seu filho ou seu aluno ler e estará
contribuindo não apenas para a formação de um bom leitor, mas, também, de uma
boa pessoa.
Tenho
tido exemplos disso em quadrinhos publicados em várias partes do mundo, como
França, Bélgica, Japão, Estados Unidos e Chile. Recentemente tive contato com
uma nova HQ cujo potencial formativo me chamou a atenção. Trata-se de uma série
sueca, chamada Bamse, da qual ganhei dois exemplares recentemente, do amigo Sérgio (que quando tiver mais pode lembrar de mim).
Bamse
é uma série de animação criada na década em 1966 por Rune Andreasson, voltada para crianças. Fez tanto sucesso que ganhou sua
própria revista em 1973. Foi publicado nos países nórdicos e circulou, também,
na Bélgica, na Holanda e no Reino Unido, embora não tenha feito o sucesso
esperado nestes países.
Mas na Suécia a história é
diferente: em 2013, ao completar 40 anos de criação, a série contava com cerca
de 100.000 leitores. Não é pouca coisa para um país que possuí uma população de
9.822.093. Levando-se em consideração que a HQ circula há mais de 40 anos, há
de se pensar que basicamente todo habitante da Suécia já teve um exemplar em
mãos em algum momento, ou assistiu a alguma animação ou propaganda envolvendo os personagens da série.
A série é estrelada pelo ursinho
Bamse, o urso mais forte do mundo, e narra as aventuras de vários animais
engraçadinhos, como tartarugas, coelhos, patos e tantos outros. Bamse é quase
um super-herói. Sua força descomunal vem do fato de ele comer dunderhonung (cuja tradução seria "mel trovão" ou “super
mel”), fabricado pela sua avó, que usa nele pimenta e um ingrediente secreto,
uma planta especial. Um detalhe: só ele pode beber a mistura, se outra pessoa o
faz tem um efeito não muito agradável.
À primeira vista esta parte da
história talvez nos faça lembrar-se de Asterix e a porção mágica do Druida. Mas
a semelhança para por aí. Apesar de tanta força, o urso é um pacifista e usa o
mínimo de violência possível, mesmo contra os vilões. Bamse não é apenas o urso
mais forte do mundo, mas é também é também o mais gentil. Ele acredita na
redenção. Um dos ensinamentos da revista é que devemos ser bons com pessoas más,
porque isso pode fazer a diferença.
Bamse é, também, um urso de
família: é casado e tem quatro filhos. Divide com os amigos, a esposa e os
filhos parte das suas aventuras. Apesar da sua caracterização, de ser uma HQ
estrelada por animais “fofinhos”, Bamse extrapola a aparência inocente de uma
simples HQ para crianças.
Muito mais do que uma diversão
infantil, Bamse tem um alto potencial pedagógico e estimula a curiosidade as
crianças e, segundo seus críticos, tem um forte posicionamento moral com relação
a temas complexos.
Esta HQ utiliza da linguagem
infantil para tratar de assuntos sérios como, por exemplo, o holocausto, além
de trazer a tona elementos do folclore nórdico como trolls,
goblins, bruxas, gigantes, e dragões. Foram incluídos ainda em suas histórias temas polêmicos como o racismo, igualdade de gênero e dependência
química. Vocês se lembram do que eu disse sobre o
potencial do discurso contido em toda narrativa?
É claro que todo discurso contido numa narrativa depende muito do posicionamento
ideológico do autor. Este posicionamento pode mudar quando o personagem muda de
mãos. Isso acontece muito com personagens populares como, por exemplo, personagens
de comics estadunidenses, como a Mulher Maravilha, que depois de 75 anos passou
por vários autores e desenhistas. Desde
a morte de Andréasson, em 1999, críticos consideram que a série perdeu um pouco
da sua faceta crítica e se tornou mais comercial.
De qualquer
forma, pela sua longa história e pela forma como o personagem explorou e ainda
explora temas atuais, Bamse não pode, assim, como outras HQs ser simplesmente
considerado uma forma de entretenimento inocente. O que não é ruim, muito pelo
contrário. É preciso estimular as crianças a terem contato com assuntos que
farão parte um dia das suas vidas. Elas devem ter opinião, devem aprender a compartilhar
sua opinião e defender seus pontos de vista.
Links consultados:
Bamse. Disponível em: http://www.mibepa.info/bb/bb019.htm, acesso em 04 ago.
2016.
Forty years in comics for
'leftie bear' Bamse (2013). Disponível em:
http://www.thelocal.se/20130110/45520,
acesso em 04 ago. 2016.
Comic Book / Bamse. http://tvtropes.org/pmwiki/pmwiki.php/ComicBook/Bamse,
acesso em 04 ago. 2016.
Rune Andréasson - RUNES
FÖRSTA SERIENALLAR. Disponível em: http://www.bamse.se/sidor/kategoribamsefaktarune-andreasson,
acesso em 05 ago. 2016.
OBS: Talvez eu até aprenda algumas palavras em sueco para poder, em uma outra postagem, trazer uma leitura mais crítica da série.
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