A história da
educação infantil no Brasil está relacionada à história da infância que, a
partir do século XIX, passou a ser um tema cada vez frequente tanto entre
educadores quando no âmbito das políticas públicas. É um momento de grande e
conquista sua independência em, em 1822. Assistimos, então, a construção de uma
nação marcada pela escravidão e pela desigualdade social e econômica, na qual o
assistencialismo foi a base das políticas públicas voltadas para a infância e a
educação.
Ao longo da
história do Brasil, a infância foi marcada pelo abandono das crianças pobres,
entregues às instituições de caridade administradas pelo Estado ou pela igreja,
uma prática constante nos séculos XVIII e XIX. Um abando que não era negado
pela própria legislação portuguesa, que tutelava o Brasil. Neste período já
podemos identificar legislações de proteção à infância, que seguiam as leis portuguesas
do século XVI, que visava os grupos subalternos, tendo entre outros objetivos o
combate à delinquência. Em 1775 e 1783 havia leis específicas acerca dos
cuidados para com as crianças abandonadas, como consequência da pobreza dos
pais.
As crianças eram
abanadas, geralmente pela, mães em instituições como as Santas Casas de
Misericórdia, onde havia as “rodas dos expostos”, nas quais as mais ou pais, de
forma anônima, depositavam bebês, muitos deles com poucas horas ou dias de
vida. As crianças que sobreviviam eram encaminhadas a lares “adotivos”, cujas
famílias recebiam ajuda financeira para a manutenção das crianças. No entanto,
elas eram muitas vezes submetidas desde bem cedo a trabalhos extenuantes desde
bem jovens, e se tornavam “crias”.

Havia ainda os
asilos de órfãos que recebiam crianças abandonadas. Neles, por exemplo, as
meninas eram preparadas para o casamento, uma vez que era prática comum, buscar
nos asilos esposas jovens, cuja moral não era garantida pela instituição. Ainda no período do
Império, vimos surgir as escolas agrícolas, que acolhiam os meninos órfãos e os
preparavam para trabalhar nas fazendas, como mão de obra barata e
especializada. Este modelo foi mantido no século XX, durante a Primeira
República.
A educação das
crianças pobres, quando ocorria, era voltada para o trabalho e/ou para a
preparação para o casamento. Já as crianças de famílias abastardas, recebiam
educação domiciliar, com tutores contratados pelos pais ou eram enviadas aos
internatos, nos quais permaneciam por longos períodos sem contato com suas
famílias e sob uma rígida disciplina que incluía, inclusive os castigos
físicos.
Meninos e meninas
de classes privilegiadas, ao longo do século XIX, foram educados sob o olhar de
tutores e professores cuja função era ensinar conteúdos como língua portuguesa
e matemática e, acima de tudo, disciplinar crianças e adolescentes, para que se
tornem indivíduos responsáveis. Desde o período colonial a educação brasileira
foi fortemente influenciada pela doutrina cristã católica, na qual a aquisição
da leitura e da escrita que lhe permitisse ler os textos sagrados, era
considerado suficiente para sua formação geral.
Cartilhas
de alfabetização e ensino da religião eram comumente usadas, tanto no
aprendizado a domicílio, quanto naquele público. Sedimentando o trabalho que já
deveria ter sido feito pela mãe, na primeira fase da vida da criança, tais
cartilhas voltavam à carga sobre tudo o que dizia respeito à vida espiritual. A
escola deveria ter um crucifixo diante do qual, ao entrar, as crianças se
persignavam, ajoelhando e benzendo-se pois “o sinal da santa cruz é o mais
forte para vencer as tentações do inimigo comum”: o terrível e maldoso Satã.
Mesmo após a
instituição do ensino laico, com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de
Pombal, em 1759, o ensino ainda foi fortemente influenciado pela doutrina
cristã. A religião esteve constantemente presente nas escolas brasileiras mesmo
o Estado tendo declarado o ensino laico, na última Constituição brasileira, de
1988, sendo comum a presença de
símbolos religiosos em escolas não confessionais, mesmo na atualidade.
Ao longo do século
XIX e durante o século XX a infância foi chamando a atenção de educadores,
médicos e políticos. Era preciso educar as crianças desde a mais tenra idade
para inibir a delinquência, entre os pobres, e formar a juventude que iria
tomar as rédeas da política e da economia do país, entre as elites. Escolas
particulares deram atenção aos pequenos herdeiros de comerciantes e
fazendeiros, enquanto que foram criadas creches para acolher os filhos dos
trabalhadores das cidades.
A partir da
segunda metade do século XIX, o quadro das instituições destinadas à primeira
infância era formado basicamente da creche e do jardim de infância ao lado de
outras modalidades educacionais, que foram absorvidas como modelos em
diferentes países. No Brasil, por exemplo, a creche foi criada exclusivamente
com caráter assistencialista, o que diferenciou essa instituição das demais
criadas nos países europeus e norte-americanos, que tinham nos seus objetivos o
caráter pedagógico. Essas diferenças exigem que seja analisada na sua
especificidade, para que se possa compreender a trajetória desse nível de
ensino no caso brasileiro e na relação que estabelece com o contexto universal.
Ao longo do século
XIX crescia um discurso que via na escola uma instituição criada para preservar
a infância e a juventude de todo mal. Este pensamento se pautava em questões
morais defendidas pela medicina daquele período e sobre as quais irão ser erigidas
as práticas higienistas que marcaram a segunda metade do século XIX e a
primeira metade do século XX. Estas práticas se assentavam no controle da
sexualidade e ao combate aos vícios que eram reproduzidos desde o período
colonial e se apoiavam numa “[...] pedagogia infantil disseminada na segunda
metade do século XIX influência perniciosa, e moldadas de acordo com os
princípios higienistas.

Na passagem para o
século XX, durante o período republicano, o crescimento das cidades fez
acentuar a mortalidade infantil. As cidades brasileiras estavam constantemente
sob ameaça de epidemias como a de varíola e de febre amarela, vitimando
principalmente as crianças pequenas. Só na cidade do Rio de Janeiro faleceram,
entre os anos de 1903 a 1909, vítimas da varíola, 1.646 crianças, entre 0 e 1
ano de idade.
Esta situação acabou levando ao surgimento de inciativas de cunho
assistencialista como objetivo de proteger a infância.
Muitas creches
foram criadas a partir da inciativa de organizações filantrópicas, voltadas
para o atendimento às crianças pobres, cujas mães precisavam trabalhar fora de
casa. Vários setores da sociedade defendiam a criação dos jardins de infância,
baseada em um pensamento jurídico-policial, que relacionava o abandono à
delinquência, e a ideário médico-higienista e religioso cujo objetivo era
combater a mortalidade infantil.
Ao longo do século
XX este discurso assistencialista foi reforçado e reproduzido, no que diz
respeito à educação pública, que se assentava na ideia de uma educação compensatória.
A função da educação infantil estava relacionada não necessariamente com a
aprendizagem. Ela era vista como um meio de suprir as necessidades básicas de
crianças oriundas das classes populares, consideradas carente e inferiores, uma
vez que não correspondiam ao ideal de infância, que tinha como modelo as
crianças de classe média. Segundo Pascoal e Machado, “ a fim de superar as
deficiências de saúde e nutrição, assim como as deficiências escolares, são
oferecidas diferentes propostas no sentido de compensar tais carências”.
Nos anos de 1970,
prevalecia ainda esse discurso assistencialista que defendia uma educação
compensatória e que via a educação infantil também como uma forma de driblar o
fracasso escolar, comumente relacionado à pobreza das famílias. Mais do que
reformas sociais e investimentos no desenvolvimento humano, os defensores deste
tipo de pensamento acreditavam que o cuidado com a infância iria solucionar os
problemas do país, colocando sobre a educação infantil e a educação básica expectativas
que não seriam alcançadas.
Nos
anos de 1970, as políticas educacionais voltadas à educação de crianças de 0 a
6 anos defendiam a educação compensatória com vistas à compensação de carências
culturais, deficiências linguísticas e defasagens afetivas das crianças
provenientes das camadas populares. Influenciados por orientações de agências
internacionais e por programas desenvolvidos nos Estados Unidos e na Europa,
documentos oficiais do MEC e pareceres do então Conselho Federal de Educação defendiam
a ideia de que a pré-escola poderia, por antecipação, salvar a escola dos
problemas relativos ao fracasso escolar.
Este tipo de
perspectiva ia de encontro com o pensamento de educadores como Paulo Freire
para quem a educação não iria resolver todos os problemas do Brasil, mas era um
passo importante neste caminho. Para Freire, a educação infantil deveria estar
focada na criança, como sujeito do conhecimento, e visar não apenas sua
formação escolar, mas, sobretudo, cidadã. Não se poderia ignorar as
necessidades das crianças, como seres sociais e simplesmente pensa-las como
operários que iriam construir o futuro. Neste sentido, a década de 1980, sob
influência do pensamento freiriano trouxe as primeiras conquistas, no que diz
respeito aos direitos das crianças e à forma como a educação infantil passou a
ser tratada dentro das políticas públicas.
Uma legislação que
garantisse a educação infantil nas escolas públicas e que pudesse atender às
classes menos favorecidas só foi possível na década de 1980, graças à pressão
da sociedade civil, que se mobilizou em prol da defesa da infância. O tema foi
colocando no centro dos debates sobre propostas para a educação, que deveriam
constar da nova Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988. A partir
de então, à criança de zero a seis anos passou a ser considerada como sujeito
de direitos, podendo gozar plenamente de seus direitos de cidadania.
De acordo com a
Constituição Federal de 1988, é “[...] O dever do Estado para com a educação
será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-escolas às
crianças de zero a seis anos de idade”. Estas instituições não
se limitariam apenas aos cuidados físicos para com as crianças, mas também
estariam voltadas para um trabalho, deixando de estar vinculadas à assistência
social para atuarem também como parte da formação educacional da criança, na
pré-alfabetização.
Em 1990, foi
aprovada a Lei 8.069/90, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente,
conferindo às crianças os direitos humanos. Segundo o Estatuto, a criança e o
adolescente devem ter assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, para que seja possível, desse modo, ter acesso às oportunidades de “[...]
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e dignidade” Complementado os ganhos
legais para infância no Brasil, neste período, foi aprovada em 1996 a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que inseriu a educação infantil como
primeira etapa da Educação Básica, colocando como sua finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, como forma de complemento ao papel da família e da
comunidade.
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