segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

OS 50 ANOS DO I CONGRESSO INTERNACIONAL DE QUADRINHOS


I Congresso Internacional de Quadrinhos - MASP - 1970. Imagem retirada do livro "50 anos: edição Comemorativa da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos (2001)", de Álvaro de Moya.

Novembro passado o I Congresso internacional de Quadrinhos, que ocorreu no Museu de Arte de São Paulo (MASP), entre os dias 23 e 29 de novembro, de 1970, completou 50 anos. O evento teve como instituição de fomento a Escola Panamericana de Arte, fundada em 1963 pelo artista plástico Enrique Lipszyc, um dos idealizadores do congresso.  O acontecimento representou um marco para a pesquisa acadêmica sobre quadrinhos e uma mostra da crescente valorização dessa mídia, que, ao longo dos anos de 1950, sofreu um forte preconceito por parte de setores conservadores da sociedade.

Se ainda havia aqueles que ainda consideravam a leitura de quadrinhos nociva, crescia e se fortalecia um grupo de intelectuais, artistas e educadores que percebiam os quadrinhos como algo além de uma forma de entretenimento barata. Isso pode ser observado tanto em âmbito local quanto nacional. Naquele ano de 1970, escolas da educação básica receberam cartilhas educativas na forma de quadrinhos e os correios, em benefício da Federação das Entidades na Luta Antituberculose do Estado de São Paulo (FELASP), promoveram uma campanha para venda de seloscom os personagens da Turma da Mônica.[1]

São Paulo se destacava não apenas como um polo produtor de quadrinhos mas, também, como irradiador de pesquisas. Nada mais natural que partisse de lá a iniciativa para se colocarem os quadrinhos em debate, a partir de um evento acadêmico, reunindo não apenas autores como pesquisadores. No âmbito local, o I Congresso Internacional de Quadrinhos recebeu atenção de jornais da capital e do interior do Estado de São Paulo, tanto pelo tema abordado quanto pelos convidados, brasileiros e estrangeiros.

A Tribuna, jornal de Santos, no litoral, dedicou quase meia página para noticiar o evento no MASP, destacando a presença estrangeira[2]. Nomes consagrados da indústria dos quadrinhos, representando gêneros e tendências diferentes.

Tabela

* Dados biográficos retirados da wikipedia e da Enciclopédia dos Quadrinhos.

Paralelamente, Pietro Bardi (criador do MASP) e Enrique Lipszy foram responsáveis pela curadoria de uma Exposição Internacional de Quadrinhos, narrando a história da mídia a partir de 1900. A exposição ficou aberta ao público até 15 de dezembro daquele ano. Um dos colaboradores da exposição foi escritor e ilustrador santista Diamantino Silva. 

No dia 23 de novembro, a Folha de S. Paulo colocou os quadrinhos ao lado de Cândido Portinari e de Mário Gruber em uma matéria sobre o início da Exposição Internacional de Quadrinhos, no dia 23 de novembro. [...] “No museu de arte a manifestação das histórias [sic] em quadrinhos com cerca de 400 trabalhos de autores nacionais e do exterior abre-se hoje, às 19 horas, o que poderá ser vista até janeiro: esta [sic]montada no primeiro pavilhão da instituição.”[3]

I Congresso Internacional de Quadrinhos - MASP - 1970. Imagem retirada do livro "50 anos: edição Comemorativa da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos (2001)", de Álvaro de Moya.

A imprensa fluminense também cedeu espaço para o I Congresso Internacional de Histórias em quadrinhos. O Jornal do Brasil e o Diario da Noite, por exemplo, publicaram matérias detalhadas sobre o evento e seus participantes, até mais completas do que os jornais paulistas. Numa delas, destacou-se um dos temas que foram debatidos durante o evento: a questão dos direitos autorais. 

O Jornal do Brasil ainda trouxe a toma uma questão relevante: as dificuldades que o evento encontrou, sendo a maior delas a falta de verba para trazer especialistas. Enrique Lipszyc de ao Jornal do Brasil o seguinte depoimento:  “Não tivemos apoio de ninguém [...] ficaremos sem a participação de grandes psicólogos, sociólogos, estudiosos dêsse [sic] meio de comunicação. A verba não deu. Apesar disso, conseguimos trazer grandes desenhistas do gênero, façanha que nem o Congresso de Lucca, na Itália, conseguiu até hoje.”[4]

A década de 1970 foi marcada por outras iniciativas de cunho acadêmico com o objetivo de valorar os quadrinhos, tanto como objeto de estudo quando arte. Livros de autores como Umberto Eco foram traduzidos para o português. Um exemplo é “Apocalípticos e Integrados", um clássico do semiótico italiano,  publicado em maio de 1970[5]. Ainda neste ano, Álvaro de Moya, um dos organizadores da I Exposição Internacional de Quadrinhos de 1951, publicou o libro teórico Shazam!  Aos olhos de muitos, os quadrinhos nas escolas e na academia apareciam como sendo uma tendência.

Por todo o país exposições sobre quadrinhos eram recebidas em espaços considerados nobres e/ou monopolizados pela elite cultural e intelectual brasileira.  Em 1970, antes do I Congresso Internacional de Quadrinhos e a Exposição Internacional de quadrinhos no MASP, em fevereiro, a Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de Campinas promoveu uma exposição de quadrinhos no Museu de Arte Contemporânea daquele município. A exposição não só incentivava a leitura dos quadrinhos como, também, recomendava seu uso nas escolas. 

A Faculdade de Comunicação da UnB e a Fundação Cultural do DF realizaram uma Exposição de Histórias em Quadrinhos que, segundo o professor Francisco Araújo promovia uma [...] “ideia mais vasta de cultura [...]” porque “[...]os problemas contemporâneos estão colocados diariamente nas tiras das histórias em quadrinhos”.[6]

A ocorrência de um congresso de grande porte num espaço nobre como o MASP, fez-me entender mais profundamente o longo percurso que os quadrinhos trilharam desde o século XX até os dias atuais em busca de reconhecimento. Reconhecimento enquanto forma de leitura, como mídia, arte e também como instrumento de ensino e pesquisa. É importante pensar que, há cinquenta anos, estávamos conquistando a primeira grande vitória após uma longa caminhada. 

Cinquenta anos depois, o que temos são uma coleção de outras vitórias com a expansão do campo de estudos dos quadrinhos para além das ciências da comunicação. Atualmente são realizadas pesquisa multidisciplinares envolvendo essa mídia/arte, que é fruto da cultura material dos últimos dois séculos. Foram criados grupos de pesquisas tanto independentes como vinculados às universidades. 

Em 2012, surgiu a Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial – ASPAS, que reúne mais de 70 pesquisadores em constante intercâmbio e com uma considerável produção anual de conteúdo acadêmico.  Para 2021 a Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA/USP), em São Paulo, já este preparando sua 8ª Jornada Internacional de Quadrinhos, evento que reúne anualmente cerca 300 pesquisadores, das mais diversas disciplinas, numa busca constante pela valorização e reconhecimento dos quadrinhos como objeto de estudo.



[1] Campanha com selos. A Tribuna, Santos, 19 de set. de 1970, n. 162 p. 6.

[2] Tarzan, Mandrake e Fantasma em discussão neste Congresso. A Tribuna, Santos, 12 de novembro de 1970, n. 215, p. 06.

[3] Portinari, Quadrinhos, Gruber, Primitivas e de nova visão. Folha de s. Paulo 23 de novembro de 1970, p. 11, n.15135.

[4] Congresso Internacional de Quadrinhos debaterá direitos autorais. Jornal do Brasil, 17 de nov. 1970, Rio de Janeiro, nº 192, 1º Caderno, p. 15

[5] A Tribuna, Santos, 9 de maio de 1970, n. 37 p. 15.

[6] A história que os quadrinhos não contam. Fato Novo, São Paulo, editora verde Amarelo, p. 6, nº 20.

 

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