quinta-feira, 13 de abril de 2017

ENTREVISTA COM A JORNALISTA E QUADRINISTA SUECA SOFIA OLSSON

Almoçando com Sofia Olsson num charmoso restaurante, em Angoulême.
Sofia Olsson é uma jornalista  e quadrinista sueca. Eu a conheci por intermédio de Ola Hummarlund. Marcamos de nos encontrar em Estocolmo, durante minhas férias, mas acabamos nos desencontrando. Remarcamos para conversar em Angoulême, durante o festival. A Suécia teve  uma representação lá. Sempre sorridente e simpática, Sofia reforçou a boa impressão que tive dos suecos. 

Tomamos café e almoçamos juntas. Ela me falou do seu trabalho e da sua família. Eu falei do meu trabalho de pesquisa (tentei) e do meu trabalho na escola. Foram duas horas de conversa muito produtiva. Marquei com ela de fazer algumas perguntas mais pontuais, por e-mail, pois eu realmente não me sentia segura para escrever sobre a nossa conversa (vai que eu entendi algo errado), mas eu ganhei uma direção e um foco. O resultado foi uma entrevista muito produtiva, respondida no dia 03 de março de 2017, que eu estou aqui disponibilizando aqui.  


Entrevista com Sofia Olsson

1. Sofia, por que você começou a fazer quadrinhos?
Eu sempre gostei de desenhar e escrever histórias curtas, mas eu nunca pensei que poderia fazê-lo profissionalmente. Estudei ciências políticas na universidade e comecei a desenhar imagens engraçadas acompanhadas de algumas palavras, durante as palestras. Esses rabiscos me divertiam e, depois de algum tempo, percebi que estava fazendo quadrinhos. A combinação de desenhos e texto me agrada.

2. Como você descreveria o momento atual nos quadrinhos suecos?
Atualmente, os quadrinhos têm uma posição bem estabelecida na Suécia. Cerca de 10 anos atrás, houve uma onda de quadrinhos feministas. Os quadrinhos mais populares hoje são os que são políticos e feministas de uma maneira franca, "Novelas gráficas". Com isso, quero dizer que quadrinhos que estão mais para literatura / ficção não são conceitos tão importantes na Suécia.

3. Qual é a relação atual entre quadrinhos comerciais e quadrinhos independentes na Suécia?
Os quadrinhos independentes são os que mais chamam a atenção, na mídia e no mundo cultural. Há muitos quadrinhos comerciais como sempre, mas não há nada muito novo acontecendo nessa área, pelo menos nada que tenha atingido uma maior audiência. Existem alguns grandes sci-fi-comics, mas poucas pessoas os conhecem.

4. Em geral, quais são as dificuldades na publicação de quadrinhos na Suécia?
A maior dificuldade é que o sueco é um idioma falado por poucos, simplesmente não há leitores suficientes para quadrinhos suecos. Se um álbum vende 3000 cópias, é considerado um resultado muito bom. 5. No Brasil, a produção feminina de quadrinhos tem crescido muito nos últimos anos. Mas esse tipo de quadrinhos, geralmente independente, encontra muita resistência porque no Brasil predomina uma cultura machista. Na Suécia, as questões de gênero parecem estar bem resolvidas.

5. Você pode me explicar o que significa fazer quadrinhos em um contexto em que o machismo é menor?
A Suécia pode não ser um país machista, mas ainda é uma sociedade patriarcal. As experiências das mulheres não são consideradas geralmente interessantes. Os homens conseguem ainda os melhores trabalhos e salários mais elevados. Nos últimos anos, os nacionalistas democratas suecos cresceram enormemente, e sua visão sobre a cultura e os papéis de gênero é extremamente conservadora. Há, por exemplo, uma discussão sobre o aborto na Suécia atualmente. O direito ao aborto tem sido dado como garantido por pelo menos 30 anos e tem havido pouca discussão sobre isso. Existem tendências de direita, nacionalistas e conservadoras na Suécia e em toda a Europa.

6. Como funciona o coletivo Dotterbolaget?
Dotterbolaget é para as mulheres que fazem quadrinhos, principalmente para trabalharem juntas em vez de trabalharem umas contra as outras. O Dotterbolaget organiza oficinas, exposições e, por vezes, faz antologias. Ultimamente, o Dotterbolaget também tem trabalhado junto a organizações que trabalham com imigração e direitos de asilo.

7. Em seu primeiro livro, você cobriu a imigração. Por que você escolheu esse tema?
Na época em que fiz meu primeiro livro, havia muita discussão política sobre como os imigrantes precisavam se integrar à sociedade sueca. Eu senti que como uma "sueca nativa", não estava integrada nessa nova sociedade multicultural. Eu simplesmente não tinha amigos imigrantes. No meu livro, encontro-me com cinco mulheres que imigraram para a Suécia. Deixei-as contar a sua história e, também, queria conhecer pessoas de outros países.

8. Ao fazer Hetero i Hägersten, você se inspirou em suas próprias experiências? Conte-nos sobre o livro, por favor.
"Hetero i Hägersten" é uma história em quadrinhos engraçada e política sobre estar em uma relação heterossexual muito normal. Ao nomeá-lo "Hetero", eu queria apontar a norma, não tomar isso como certo. Trata-se de um jovem casal que conversa, debate e luta sobre como viver suas vidas. É tanto sobre coisas simples como "quem lava a louça" quanto sobre discussões políticas mais avançadas. Os personagens em "Hetero i Hägersten" são baseados em mim e meu namorado, nossas falhas, nossa força, nossas lutas, nosso amor e as conversas que tivemos.

9. Você tem algum novo projeto em andamento?
Sim, depois de alguns anos sendo jornalista em tempo integral, estou finalmente começando um novo projeto de quadrinhos. Será uma história semiautobiográfica, um pouco como "Hetero i Hägersten", mas com um enredo mais ambicioso. Eu, provavelmente, não serei capaz de ficar longe do humor, pois gosto de uma boa piada, mas minhas intenções são de ser, desta vez, um pouco mais séria.
 
Desenho que Sofia fez para mim durante o café.

Se você quiser saber um pouco mais sobre Sofia Olsson eu publiquei um texto sobre ela no Ladys Comics, que pode ser acessado clicando aqui.

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