Almoçando com Sofia Olsson num charmoso restaurante, em Angoulême. |
Tomamos café e almoçamos juntas. Ela me falou do seu trabalho e da sua família. Eu falei do meu trabalho de pesquisa (tentei) e do meu trabalho na escola. Foram duas horas de conversa muito produtiva. Marquei com ela de fazer algumas perguntas mais pontuais, por e-mail, pois eu realmente não me sentia segura para escrever sobre a nossa conversa (vai que eu entendi algo errado), mas eu ganhei uma direção e um foco. O resultado foi uma entrevista muito produtiva, respondida no dia 03 de março de 2017, que eu estou aqui disponibilizando aqui.
Entrevista com Sofia Olsson
1. Sofia, por que você começou a fazer quadrinhos?
Eu sempre gostei de desenhar e escrever histórias curtas, mas eu nunca
pensei que poderia fazê-lo profissionalmente. Estudei ciências políticas na
universidade e comecei a desenhar imagens engraçadas acompanhadas de algumas
palavras, durante as palestras. Esses rabiscos me divertiam e, depois de algum
tempo, percebi que estava fazendo quadrinhos. A combinação de desenhos e texto
me agrada.
2. Como você descreveria o momento atual nos quadrinhos suecos?
Atualmente, os quadrinhos têm uma posição bem estabelecida na Suécia.
Cerca de 10 anos atrás, houve uma onda de quadrinhos feministas. Os quadrinhos
mais populares hoje são os que são políticos e feministas de uma maneira franca,
"Novelas gráficas". Com isso, quero dizer que quadrinhos que estão
mais para literatura / ficção não são conceitos tão importantes na Suécia.
3. Qual é a relação atual entre quadrinhos comerciais e quadrinhos
independentes na Suécia?
Os quadrinhos independentes são os que mais chamam a atenção, na mídia
e no mundo cultural. Há muitos quadrinhos comerciais como sempre, mas não há
nada muito novo acontecendo nessa área, pelo menos nada que tenha atingido uma
maior audiência. Existem alguns grandes sci-fi-comics, mas poucas pessoas os
conhecem.
4. Em geral, quais são as dificuldades na publicação de quadrinhos na
Suécia?
A maior dificuldade é que o sueco é um idioma falado por poucos,
simplesmente não há leitores suficientes para quadrinhos suecos. Se um álbum
vende 3000 cópias, é considerado um resultado muito bom. 5. No Brasil, a
produção feminina de quadrinhos tem crescido muito nos últimos anos. Mas esse
tipo de quadrinhos, geralmente independente, encontra muita resistência porque
no Brasil predomina uma cultura machista. Na Suécia, as questões de gênero
parecem estar bem resolvidas.
5. Você pode me explicar o que significa fazer quadrinhos em um
contexto em que o machismo é menor?
A Suécia pode não ser um país machista, mas ainda é uma sociedade
patriarcal. As experiências das mulheres não são consideradas geralmente
interessantes. Os homens conseguem ainda os melhores trabalhos e salários mais
elevados. Nos últimos anos, os nacionalistas democratas suecos cresceram
enormemente, e sua visão sobre a cultura e os papéis de gênero é extremamente
conservadora. Há, por exemplo, uma discussão sobre o aborto na Suécia
atualmente. O direito ao aborto tem sido dado como garantido por pelo menos 30
anos e tem havido pouca discussão sobre isso. Existem tendências de direita,
nacionalistas e conservadoras na Suécia e em toda a Europa.
6. Como funciona o coletivo Dotterbolaget?
Dotterbolaget é para as mulheres que fazem quadrinhos, principalmente
para trabalharem juntas em vez de trabalharem umas contra as outras. O Dotterbolaget
organiza oficinas, exposições e, por vezes, faz antologias. Ultimamente, o
Dotterbolaget também tem trabalhado junto a organizações que trabalham com
imigração e direitos de asilo.
7. Em seu primeiro livro, você cobriu a imigração. Por que você escolheu
esse tema?
Na época em que fiz meu primeiro livro, havia muita discussão política
sobre como os imigrantes precisavam se integrar à sociedade sueca. Eu senti que
como uma "sueca nativa", não estava integrada nessa nova sociedade
multicultural. Eu simplesmente não tinha amigos imigrantes. No meu livro,
encontro-me com cinco mulheres que imigraram para a Suécia. Deixei-as contar a
sua história e, também, queria conhecer pessoas de outros países.
8. Ao fazer Hetero i Hägersten, você se inspirou em suas próprias
experiências? Conte-nos sobre o livro, por favor.
"Hetero i Hägersten" é uma história em quadrinhos engraçada
e política sobre estar em uma relação heterossexual muito normal. Ao nomeá-lo
"Hetero", eu queria apontar a norma, não tomar isso como certo.
Trata-se de um jovem casal que conversa, debate e luta sobre como viver suas
vidas. É tanto sobre coisas simples como "quem lava a louça" quanto
sobre discussões políticas mais avançadas. Os personagens em "Hetero i
Hägersten" são baseados em mim e meu namorado, nossas falhas, nossa força,
nossas lutas, nosso amor e as conversas que tivemos.
9. Você tem algum novo projeto em andamento?
Sim, depois de alguns anos sendo jornalista em tempo integral, estou
finalmente começando um novo projeto de quadrinhos. Será uma história
semiautobiográfica, um pouco como "Hetero i Hägersten", mas com um
enredo mais ambicioso. Eu, provavelmente, não serei capaz de ficar longe do
humor, pois gosto de uma boa piada, mas minhas intenções são de ser, desta vez,
um pouco mais séria.
Se você quiser saber um pouco mais sobre Sofia Olsson eu publiquei um texto sobre ela no Ladys Comics, que pode ser acessado clicando aqui.
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