domingo, 9 de outubro de 2016

OS 75 ANOS DA MULHER MARAVILHA

A Mulher Maravilha é uma personagem de História em Quadrinhos criada em 1941 pelo psicólogo William Moulton Marston. Ele foi um defensor dos direitos da mulher e assistiu de perto a ação do movimento sufragista. Admirava as mulheres fortes e independentes. Foi nestas mulheres, nestas feministas, que Marstson se inspirou para criar a Mulher Maravilha.    
Capa da Wonder Woman # 03
Fev. 1943.
Ela representava o ideal feminino, de Marstson: uma mulher forte, confiante e capaz de vencer qualquer obstáculo. Uma mulher que inspirava outras mulheres e que, em tempos de guerra, pretendia vencer o ódio e a intolerância atrás do amor. A década de 1940 rendeu-se a esta semideusa, que também se tornou um fetiche para muitos homens.

Ela foi a primeira personagem tipicamente feminista. Era a mulher que se sobressaia sobre os homens, que liderava outras mulheres. Via nelas mulheres uma força que muitas vezes elas mesmas desconheciam. A Mulher Maravilha vai usar o amor como uma arma, vai mostrar que a inteligência muitas vezes se sobressai sobre a força. Marston acreditava realmente numa verdadeira revolução feminina. Para ele, no futuro, o patriarcado seria substituído pelo matriarcado.

Capa Sensation Comics # 08
Agosto de 1942
Nas revistas da Mulher Maravilha, havia uma sessão reservada a resgatar a memória das grandes mulheres da história. Muitas delas eram desconhecidas do grande público e suas vidas foram transformadas em HQs. São as Wonder Women of History (Mulheres Maravilhas da História). A mensagem aos leitores e leitoras é bem clara: toda mulher pode fazer a diferença.

As HQs das Wonder Womer of History foram assinadas por Alice Marble, que a convite de Max Gaines, tornou-se editora associada da All American Comics. Ela mesma foi uma personalidade feminina de destaque em sua época. Marble foi a número um do tênis feminino, entre os anos de 1936 e 1940, e uma mulher cuja vida foi marcada pela superação. Uma editora ideal para uma revista cuja personagem levantava a bandeira feminista.

Havia interesse dos editores em ampliar seu público leitor feminino. Era realizada divulgação da revista da Mulher Maravilha em escolas, utilizando-se justamente os quadrinhos com personagens históricas. As mulheres também eram convocadas a trazerem sua experiência para as páginas da revista da Mulher Maravilha.

Wonder Woman # 03, fev. 1943, p. 33
Acredita-se que Gaines usou o nome e a imagem de Marble para promover a revista, mas a tenista não teria tido uma participação tão ativa assim na produção dos quadrinhos sobre as mulheres da história. Marble assinou o editorial até a revista da Wonder Woman # 16, em 1944, quando seu marido morreu após um acidente de automóvel.

Há uma boa chance de as Wonder Women of History terem sido escritas por Doroty Roubchek. Ela foi uma das pioneiras nos quadrinhos nos Estados Unidos e a primeira mulher a assumir um cargo de editora na DC, tendo tido um papel muito importante dentro daquela editora. A ela é creditada, por exemplo, a criação da Kryptonita, em 1943.

Lynda Cater.
Imagem disponível em:http://zip.net/bmttXf,
acesso em 09 de out. 2016.
Marston escreveu vinte e oito aventuras da Mulher Maravilha, antes de sua morte prematura em 1947. Apesar da grande quantidade de super-heroínas e heroínas surgidas na década de 1940 terem desempenhado um papel importante inspirando combatentes e motivando outras mulheres a se engajarem no esforço de guerra, nenhuma deles chegou a ter um discurso feminista tão incisivo quanto a Mulher Maravilha.

Mas, o discurso feminista assustava os editores. Se por um lado as heroínas e super-heroínas mostraram-se um produto lucrativo, por outro havia certos limites que não se ultrapassava. De fato, Marston pode ser considerado um pioneiro por ter criado e mantido ativa, mesmo depois da guerra, uma heroína que representava um discurso de liberação feminina. Mas sua morte, em 1947, traria mudanças à personagem que abandonaria o discurso feminista que a caracterizou nos seus seis primeiros anos de existência.

Na década de 1970 a personagem recuperou parte do seu brilho com a série de TV estreada por Lynda Carter, no papel da Mulher Maravilha. Carter apresentou ao público uma Mulher Maravilha inteligente, poderosa, empoderada, o que combinava muito com o contexto histórico da época, com a emergência do movimento feminista. A Mulher Maravilha da TV ainda serviu de inspiração para a Mulher Maravilha dos quadrinhos.
 
Imagem disponível em: http://multiversomulhermaravilha.blogspot.com.br/, acesso em 09 out. 2016. 
Setenta e cinco anos depois, a personagem passou por muitas mudanças. Ela foi perseguida pelos inimigos dos quadrinhos nos anos de 1950; ganhou e perdeu poderes; ela teve seu teor originalmente feminista retirado por diversos autores que assumiram o título após a morte de seu criador. Sua origem foi revisitada por diversas vezes e até sua opção sexual é questionada e polemizada.

Mesmo em meio a tantas mudanças não há como negar que a Mulher Maravilha se tornou um mito, um modelo que inspira mulheres de todo o mundo. Ela, em todas as suas fases, representou momentos em que as mulheres conquistaram e perderam espaço na sociedade. Sua história serve de termômetro para a própria História das Mulheres, suas lutas, suas vitórias, suas derrotas. Eu tenho para mim duas imagens da Mulher Maravilha.

Wonder Woman # 08, Ilustrada por
Bilquis Evely (out/2016)
A primeira é aquela representada ela atriz Linda Carter, cujas aventuras eu assisti na infância, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980. A outra é a Mulher Maravilha da década de 1940, que eu gosto de chamar de original. Uma feminista criada a partir de um olhar masculino. Mas assim como há muitas mulheres reais, há também muitas Mulheres Maravilhas, que nestes 75 anos povoaram a imaginação de jovens e adultos por todo o mundo. 

E para encerrar, uma novidade: uma mulher assumiu em outubro de 2016 a revista da Mulher Maravilha, como desenhista. E não apenas uma mulher, uma brasileira:  Bilquis Evely, de 26 anos,  vai desenhar as edições pares, substituindo a quadrinista Nicola Scott. Antes delas poucas mulheres como  Jill Thompson e Trina Robbins tiveram esta oportunidade.

Fontes usadas para elaborar este texto:

HANLEY, Tim. Wonder Woman Unbound: The Curious History of the World's Most Famous Heroine. Chicago Review Press, 2014.

LEPORE, Jill.  The Secret History of Wonder Woman. New York: Alfred A Knopf, 2014.

MADRID, Mike. The Supergirls: Fashion, feminism, fantasy, and the history of comic book heroines. [Minneapolis?]: Exterminating Angel Press, 2009.

SMITH, Colin. On Wonder Woman & Miss America In The Golden Age: "If I Were Only A Man!" (2013). Disponível em <http://zip.net/bvqkPN>, acesso em 27. abr. 2013.

CODESPORTI, Sérgio. Brasileira Bilquis Evely assumirá os desenhos da Mulher-Maravilha(2016). Disponível em: < http://zip.net/bttvSS>, acesso em 12 out. 2016.

* Partes do presente texto foram adaptadas do trabalho ainda inédito "Todas as super-heroínas são feministas?", apresentado durante o II Entre ASPAS, em maio de 2015.
** Texto atualizado em 12 de outubro de 2016.

Um comentário:

Andromeda disse...

Existe um filme sobre isso. É interessante ver um filme que está baseado em fatos reais, acho que são as melhores historias, porque não necessita da ficção para fazer uma boa produção. Gostei muito de dos melhores filmes de 2017 "Professor Marston e as mulher maravilha", não conhecia a história e realmente gostei. Super recomendo. O vestuário é lindo, é o que eu mais gostei.