sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O LEOPOLDINENSE: APONTAMENTOS SOBRE A ESCRAVIDÃO

Imagem disponível em: http://www.geledes.org.br/anuncios-de-escravos-os-classificados-da-epoca/#gs.6k5kNyQ, acesso em 28 out. 2016.
A Zona da Mata de Minas Gerais foi uma das principais áreas de produção de café do país e, também, uma região com uma grande concentração de escravos.  Município cafeeiro próspero era de se esperar que em Leopoldina o número de cativos fosse elevado. Segundo censo realizado em 1872, a população do município era de 41.886 habitantes, dos quais 15.253 eram escravos: um dos maiores plantéis de escravos da Zona da Mata.[1] Portanto, a escravidão é uma parte importante da nossa história e ajuda a entender nossa formação social.

Lendo o jornal O Leopoldinense, podemos encontrar em suas páginas diversas passagens que nos falam sobre a escravidão em Leopoldina e em outros municípios da Zona da Mata.  Estes relatos nos permitem ter uma noção de como era a vida dos escravos e das formas de resistência encontradas por eles para externarem sua insatisfação com o cativeiro.

As notícias mais recorrentes sobre escravos no Leopoldinense estão ligadas justamente a isso: a resistência. São os anúncios de fugas de escravos, oferecendo recompensas para a captura dos mesmos. Há casos em que, num mesmo jornal, três ou mais apareciam. As recompensas variam de acordo com o sexo e a idade. Nos periódicos analisados encontramos valores entre 50$000 e 500$000[2]. Escravos mais velhos, com mais de 40 anos, eram os que tinham recompensas de menor valor.

Veja um exemplo de anúncio de escravo fugido, do dia 15 de maio de 1881. O autor é Joaquim Gonçalves de Azevedo, residente em Palma. Ele denuncia a fuga de dois escravos jovens.
O Leopoldinense. Leopoldina, 15 de maio de 1881, n. 35, p, 04. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Nem sempre se fugia sozinho e, em alguns casos, a fuga de um escravo era seguida da de outros. Foi o caso da Fazenda Morro Alto, de providência, de propriedade do tenente-coronel José Maria Manso da Costa Reis, de onde fugiram em um espaço de apenas oito dias três escravos. Um deles, tinha 55 anos. Oferecia pela captura de cada um a quantia de 50$000. [3]

E havia ainda as reincidências: escravos que fugiam por mais de uma vez, da mesma fazenda.
O Leopoldinense. Leopoldina, 29 de maio de 1881, n. 39, p, 04. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Nos anúncios os escravos eram descritos destacando-se suas características físicas: o tamanho do nariz, o formato do rosto, algum defeito físico ou trejeito característico. Detalhe para o fato de que nem sempre se divulgava o valor da recompensa. 

Mas havia a consciência de que a escravidão era uma prática que tinha seus dias contatos. Na coluna “Questão do Dia”, de dia 7 de julho de 1881, o tema era a imigração. O jornal alertava quanto à escassez de mão de obra escrava e aconselhava os fazendeiros a adotarem o trabalho livre.

“Ao escravo que vai desaparecendo devemos substituir a imigração. Quanto a isso concordam as opiniões, divergem, porém, quanto aos meios práticos de levá-lo a efeito”[4].

Este era de fato o problema: como a mudança? Como se adaptar ao trabalhador livre? 

À medida que os debates acerca da abolição iam se ampliando e com a promulgação das primeiras leis abolicionistas, alguns fazendeiros foram substituindo, aos poucos, o escravo pelo imigrante. Mas muitos protelaram a decisão e acabaram amargando prejuízos quando, em 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

A venda de escravos também era anunciada no jornal. Por exemplo, o Leopoldinense de 15 de maio de 1881 avisa sobre a chegada de um lote de 80 escravos de "ambos os sexos, bonitas figuras" a um bom preço [5]. Preço, aliás, que não era divulgado, o que deixava a entender que poderia haver abertura para negociação entre vendedor e compradores. Anunciava-se, também, a venda unitária de escravos. Veja um exemplo. 


O Leopoldinense. Leopoldina, 15 de maio de 1881, n. 35, p, 04. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Mas quanto valia um escravo? No final do período escravista, depois do fim do tráfico de escravos, estabelecido pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850, o valor de mercado do escravo aumentou. Havia muita procura e pouca oferta do produto, por assim dizer. 

Pelos dados que encontramos em artigos e textos variados sobre o assunto, o valor do escravo homem, jovem, poderia variar de 1:500$000 a 800$000. Há casos, no entanto, em que um escravo pode ser adquirido por 200$000. As variações são muitas. Mas, certamente, não era um produto barato. Em 1860 1:000$000 (um conto de réis[6]) correspondia a um quilo de ouro[7]. Quem quiser ter uma ideia aproximada do valor de um escravo (em reais) pode fazer o cálculo a partir do peso do grama do ouro (por exemplo, um grama de ouro hoje equivale a R$ 130,00).

Embora não tenhamos em mãos dados precisos sobre o valor do escravo vendido em Leopoldina, podemos tirar uma média pelo que era pago em outras cidades. Por exemplo, em Guarapuava (PR), entre os anos de 1865-69, o preço do escravo adulto entre 15-40 anos era de 1:200$000 para homens e 1:066$000 para mulheres[8]. Mas tudo isso dependia das condições do mercado. Além disso, neste período tínhamos apenas o tráfico interno, o que tornava as variações de preço ainda maiores. Para ter dados mais precisos seria necessário, por exemplo, analisar as escrituras de venda de escravos em Leopoldina, pesquisa que demandaria um pouco mais de tempo, mas que pode ser realizada futuramente. 

E se a fuga de escravos era uma forma de resistência, a violência física contra seus senhores também ocorria na nossa região. O Leopoldinense do dia 29 de maio de 1881 traz a notícia da morte de um feitor por escravos, nas proximidades de Volta Grande, a 35 km de Leopoldina. Diz a notícia:

“O feitor da fazenda, Romualdo de Miranda, dispunha-se a castigar um escravo que desobedecera, quando os parceiros deste, em número de 30, lhe derrubaram a golpes de enxada.

Havia no sítio um homem livre companheiro do agredido, mas esse tratou logo de pôr-se a salvamento.

Os escravos sublevados encaminharam-se para a cidade a fim de apresentar-se a polícia mas disso foram dissuadidos pelo Sr. Lucas Soares Gouvea que os obrigou a voltar à casa do Sr. Sigaud.[9]

A notícia chama atenção por dois pontos. O primeiro é a violência empregada conta o feitor. É bem claro que ele não angariava simpatia dos cativos. Mas se isso não chega a ser algo que surpreenda, visto que sua função era vigiar e castigar os escravos, o fato de 30 deles o atacarem configura o ato como uma rebelião. Mas uma rebelião onde os revoltosos querem prestar contas à justiça dos seus atos? Este é o segundo ponto curioso: os escravos queriam se apresentar ao delegado e confessar o crime. No entanto, foram convencidos a não fazê-lo e retornaram à fazenda. Complexo, não?

O medo da violência era palpável. O jornal, no dia 21 de julho de 1881, levanta a discussão novamente sobre a questão da escravidão. Chamava a atenção para o perigo que corriam os senhores e suas famílias, apresentados como possíveis vítimas de escravos assassinos que desejavam conquistar sua liberdade a todo custo. O jornal, no entanto, não está condenando o escravo, mas, de certa forma, justifica suas ações pela privação da liberdade.

Não há que contestar: o escravo na maioria dos casos vive abandonado aos maus efeitos da escravidão, esquecendo-se quase todos de que ele é também homem, que tem alma, que tem coração (...) [10].

É curioso ler no mesmo jornal anúncios de captura de escravos e matérias abolicionistas, que defendem o emprego do trabalho imigrante a libertação de escravos. Na verdade, nada é tão simples quanto fazem parecer os livros didáticos de História e nada é mais instigante do que descobrir isso estudando a nossa História.





[1] ANDRADE, Rômulo.  Cafeicultura na Zona da Mata.  Revista Brasileira de História. São Paulo. n. 22, p. 93-131. 1992.
[2] O Leopoldinense. Leopoldina, 07 de julho de 1881, n. 50, p.01.
[3] O Leopoldinense. Leopoldina, 17 de fevereiro de 1881, n. 11, p.01.
[4]A moeda usada no Brasil, na época do Império, era o réis (1$000 = mil réis).
[5] O Leopoldinense. Leopoldina, 15 de maio de 1881, n. 35, p, 04.
[6] Conto de réis é uma expressão adotada no Brasil e em Portugal para indicar um milhão de réis. Sendo que um conto de réis correspondia a mil vezes a importância de um mil-réis que era a divisionária, grafando-se o conto por Rs. 1:000$000. FERNANDES, Aníbal de Almeida. Estudo comparativo entre 4 fortunas do império brasileiro na década 1860, sec. XIX. Disponível em: http://www.genealogiahistoria.com.br/index_historia.asp?categoria=4&categoria2=4&subcategoria=56, acesso em 28 out. 2016.
[7] FERNANDES, Aníbal de Almeida. Estudo comparativo entre 4 fortunas do império brasileiro na década 1860, sec. XIX. Disponível em: http://www.genealogiahistoria.com.br/index_historia.asp?categoria=4&categoria2=4&subcategoria=56, acesso em 28 out. 2016.
[8] SANTOS, Maciel Moraes. O preço dos escravos no tráfico atlântico: hipóteses e explicações. Disponível em: http://www.africanos.eu/ceaup/uploads/AS07_163.pdf, acesso em 28 out. 2016.
[9] O leopoldinense. Leopoldina, 29 de maio de 1881, n. 39, p. 03.
[10] O leopoldinense. Leopoldina, 21 de julho de 1881, n. 53, p. 01.

Um comentário:

Pesquisadora Nilza Cantoni disse...

Muito bom, Natania. Ao escrever sobre a história local você permite que seus leitores se aproximem de uma realidade que muitos veem como algo distante e até improvável.