sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O TIO PATINHAS, OS QUADRINHOS E O CAPITALISMO

Imagem disponível em: http://zip.net/btts2h, acesso em 09 de set. 2016.
Eu ganhei recentemente duas HQs do Tio Patinhas, personagem icônico da Disney, criado por Carl Barks, em 1947. Pode parecer estranho mas eu nunca tive HQs do Tio Patinhas, nem quando era criança. Eu lia, claro! Pegava emprestado de amigos ou lia na casa de primos, mas nunca ganhei ou comprei.

Primeiro, porque na minha infância, não havia o hábito na minha família de comprar livros ou HQs. Segundo, porque eu sempre tive preferência, desde pequena, por terror, aventura e superaventura então, quando comecei a juntar as moedinhas do lanche para comprar HQs fui logo atrás das da Marvel. Então, imagino que agora eu esteja fazendo o caminho inverso.

Mas ler o Tio Patinhas adulta e com um grau de informação mais apurado sobre o personagem é uma experiência interessante. É uma leitura que agora leva em conta a análise dos discursos e das representações que os quadrinhos trazem. Digamos que deixa de ser uma mera atividade de lazer para se tornar uma atividade intelectual. Então, agradeço duplamente a quem me presenteou, por estar estimulando minha mente e me proporcionando a oportunidade de poder refletir e contextualizar sobre vários temas.

Para quem não é da área de comunicação, história ou sociologia, talvez ache que eu estou exagerando um pouco. O que pode haver demais na leitura de um quadrinho criado pela Disney?

Não podemos esquecer que a Disney é uma mega empresa, que se espalhou por todo o planeta. Uma empresa que investe na comunicação, que vende sonhos através de HQs, animações e filmes. Uma empresa que consegue entrar na mente de crianças e de adultos. Ela estabelece padrões de comportamento, que hoje são globalizados, assim como estimula o consumo e dissemina ideologias. 

Todos eles estes produtos midiáticos trazem um discurso e, como bem diz Eni Orland (e eu não canso de repetir), todo discurso tem uma ideologia. Então posso garantir que a leitura de uma HQ do Tio Patinhas não é tão inocente o quanto parece. O Tio Patinhas é possivelmente a representação mais bem elaborada do capitalista moderno. 

Ele é uma releitura do protagonista de um Conto de Natal, o avarento Ebenezer Scrooge, uma das obras mais conhecidas de Charles Dickens e que já rendeu várias adaptações, tanto para quadrinhos quanto pra o cinema. O Tio Patinhas coloca o dinheiro como um valor máximo. Pode até ter ações altruístas, em determinado momento, mas defende os valores capitalistas acima de tudo. Carls Barks também se identificava com o personagem. Tinha fama de pão duro. Não era dado a gastos desnecessários e era um poupador.

E falando novamente de Barks, a primeira revista que eu ganhei, presente de uma aluna, é justamente uma coletânea de suas histórias, trazendo ainda algumas aventuras do Prof. Pardal. Em todas basicamente há alguma caça ao tesouro, viagens por lugares longínquos e alguma competição maluca sobre quem ganha mais dinheiro. Nas histórias mais longas, ele divide espaço com seus sobrinhos (Donald, Huguinho, Luisinho e Zezinho), mas também protagoniza quadrinhos de uma página, geralmente cômicos.

A outra HQ é sueca, ganhei um pouco depois, de um amigo, juntamente com mais outros quatro títulos. Cheguei a fazer uma postagem sobre uma delas, Bamse, que é tipicamente sueca (clique aqui para conferir) e devo postar algo sobre uma terceira revista, em breve. A revista Farbror Joakim (Tio Patinhas), não é muito diferente das publicadas pela Disney no Brasil, onde aparecem aventuras do pato mais rico do mundo. Ela possui a mesma dinâmica: Tio Patinhas está atrás de algum tesouro, acompanhado de seus sobrinhos, passa por dificuldades mas, no final, acaba tendo lucro de alguma forma. Claro, eu me limitei a “ler imagens” e traduzi uma ou outra palavra (mas a palavra slut, final, eu aprendi sozinha).

Em uma pesquisa rápida descobri que os quadrinhos da Disney tem uma grande saída na Suécia. O Pato Donaldo (Kalle Anka) é publicado naquele país desde 1948, sendo que o título Kalle Anka & Co.(Pato Donald e Cia), ao que parece, é a HQ  número um no mercado sueco. O personagem é muito popular por lá. O que não é de se surpreender, uma vez que a Disney vem conquistando mercados no mundo todo desde a primeira metade do século XX. Na Holanda, por exemplo, o nosso Zé Carioca é um dos personagens mais queridos. Em 2013 ele ganhou uma avó: Oma Carioca (Vovó Carioca) criada pelos artistas holandeses Jan Kruse e Bas Heymans.

Produto típico da cultura estadunidense, os quadrinhos da Disney se tornaram ao longo dos anos alvo de estudos e análises feitas por pesquisadores de diversas áreas. Uma das obras mais conhecidas, pelo menos no Brasil, sobre o assunto é o livro Para ler o Pato Donald – comunicação de massa e colonialismo, de Ariel Dofman e Armand Mattelart, publicado nos anos de 1970 e republicado várias vezes no Brasil. Mais recentemente, em 2002, Roberto Elysio dos Santos publicou o livro Para reler os quadrinhos Disney – linguagem, evolução e análise de HQs. Há, ainda várias biografias de Walt Disney, além de teses, dissertações e artigos que podem ser facilmente encontrados na internet, para download.

Um comentário:

Quiof disse...

Thomas Andrae, biografo de Barks, afirma que as histórias dele fazia críticas ao imperialismo e a que a tradução alterou boa parte do texto.

http://lerbd.blogspot.com.br/2009/03/comics-studies-reader-jeet-heer-e-kent.html