No Brasil, existem cerca de 15 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade. Seis por cento delas sofrem do Mal de Alzheimer, doença incurável acompanhada de graves transtornos às vítimas. Como eu sei disso? Acabei de ler e daqui a 5 minutos não vou ter lembrança alguma de que lhe contei isso. Prazer, meu nome é Leopoldina e eu tenho 161 anos. Pode-se notar que estou dentre as mais de 15 milhões de pessoas maiores de 60 anos que sofrem de Alzheimer. Saiba também que a doença não tem cura! Então, só me resta compartilhar com vocês memórias passadas que, com certeza, estão intactas.
Tenho dois filhos, o primeiro amava as histórias de nossos antepassados. Os primeiros habitantes dessa minha terra foram os índios Purís, “os filhos da terra”, que possuíam uma vasta cultura, mas foram ‘extintos’. A força de trabalho passou a ser feita pelos negros, pode ser inacreditável, mas em 1876 obtivemos a maior população de escravos da província, fato de que não me orgulho. Lembro-me de alguns nomes: Davi, Américo, Vicente, Joaquim, Antônio, Miguel... e um comerciante que vendia escravos, Michel Jackson, que foi morto por seus escravos em uma rebelião... Sim, Michael Jackson, não o rei do pop, mas essa já é outra história.
No início do século XX, ele chegou, meu segundo filho, parecia um astro de cinema, com ideias inovadoras vindas da Inglaterra e, em pouco tempo, fez muito sucesso. Sua presença abriu caminho para a chegada dos automóveis, televisão, estrada de ferro e as modernas construções. O primeiro arranha céu foi o Bazar René, com elevador e tudo; esse foi o marco de transição do “povo da roça” para a “cidade grande”. Meu filho fez parecer que era um enorme presente, poderia até ter considerado como meu aniversário!
O primeiro carro a chegar foi saudado por toda a população com uma garrafa de champanhe, a primeira escada rolante desfilou pelas ruas em uma carreata eufórica...O tempo foi passando e, cada vez mais, fui ficando “moderna”, meus sobrados, que antigamente eram ornados com lindos detalhes arquitetônicos, como beirais, afrescos, sacadas, jardineiras, tão admirados pelo meu primogênito, já não faziam tanto sucesso entre os adeptos das ideias revolucionárias do meu segundo filho.
Mas vocês não devem mais saber o que são essas belezas, já que foram sendo substituídas por caixotes cinzentos de muito mau gosto! Perdoem minha língua ferina, mas a idade me deixa amargurada e a disputa entre os meus dois filhos pioram minha condição de saúde.
Já é perceptível que tenho uma vida como a de Natividade, mãe de Pedro e Paulo, na obra de Machado de Assis. A cada ano, mais eles se distanciam, pois um valoriza a memória e o outro acredita que a natureza e o “velho” atrapalham o desenvolvimento da cidade.
Não posso defender nenhum deles, pois posso acabar causando um briga maior ainda! Às vezes concordo quando meu filho diz que estamos nos desfazendo de nossa história e de nossa memória, e que mais uma vez a história se repete: trocamos as “penas” pelos “espelhos” dos portugueses. Porém, a modernidade tem suas vantagens, trouxe avanços na medicina, tecnologia e meios de comunicação, que tornam nossa vida muito mais fácil.
Meu segundo filho está cada vez mais popular, é visto como modelo a ser seguido, todos querem tirar uma selfie com ele!
Mas será que é sonhar demais pensar que eles podem conviver juntos?
Com essa minha memória falha, acabei me esquecendo de contar o mais importante! Vocês conhecem os meus filhos! Um, coitado, está em depressão, isolado da sociedade; seu nome é Patrimônio e o outro, nem preciso citar o nome, pois vocês já o conhecem muito bem. Ele está em todas as redes sociais e é notícia em todos os canais de televisão, ele é o tão idolatrado Progresso.
Então, uma grande parcela da população brasileira sofre do Mal de Alzheimer...Será que eu já falei isso?...
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