domingo, 8 de fevereiro de 2009

O professor não tem prestígio

O texto saiu no Correio Brasiliense, e reflete sobre a situação dos professores e do ensino no Brasil. Vale a leitura e um balanço pessoal sobre a carrei do magistério e suas perspectivas futuras. Vale também pensar na formação de professores, tão debilitada nos últimos anos e tão emergencial para um país como o nosso, que carece cada vez mais de profissionais competentes.

**********

O professor não tem prestígio
Jaime Pinsky

Historiador, doutor e livre docente pela USP, professor titular da Unicamp, coordenador e coautor do livro Ensino de história e criação do fato, entre outros

O professor perdeu prestígio. A notícia parece mais velha do que andar pra frente, como diria minha tia Ana, mas agora vem associada a outra: o país forma cada vez menos professores. A carreira atrai menos gente. O diretor do Colégio Bandeirantes, um dos melhores de São Paulo, em entrevista à Folha de S.Paulo, diz que houve desvalorização da carreira do magistério. Um pesquisador da USP alerta que "apenas 2% dos estudantes de escolas médias de ponta declaram que vão prestar vestibular para ser professor". Isso significa que professores são formados entre os que cursam escolas menos boas. São, portanto, menos preparados. E vão encontrar pela frente alunos cada vez mais difíceis. O resultado, todos sabemos: o Brasil é mais conhecido no mundo pela indisciplina e incontinência etílica e sexual de seus jogadores de futebol do que pelos resultados obtidos por seus estudantes.

Não sei se esse quadro é reversível, a esta altura do campeonato. Mas dá para analisar a questão de forma um pouco mais complexa do que simplesmente esmolar por mais prestígio, como se isso pudesse ocorrer por decreto. De resto, esperar que baixe uma medida provisória por parte de um presidente que não lê, assume que não lê, se orgulha de não ler e ainda tem mais de 80% de aprovação da população, é ilusão em estado puro.

Parte do problema tem a ver com a própria forma de os professores perceberem seu papel no mundo de hoje. Muitos deles se equivocam na sua relação com os alunos, uma vez que têm a pretensão de lhes fornecer informações, como se estivéssemos em pleno século 19 e o rádio, a TV e, principalmente, a internet não tivessem sido inventados. Crianças e jovens, mesmo de escolas públicas, são bombardeados com informações, não têm mais como serem preservados até que os pais e a escola decidam o que e como eles devem conhecer. Decidir quando é o momento de fazer o aluno ter contato com determinada informação era algo possível na era de Gutemberg, e essa já acabou.

Hoje cabe aos professores tarefa diferente, a de transformar informações em conhecimento, o que implica promover a articulação de dados fornecidos por um mundo aparentemente desconexo. E não são muitos os professores preparados para desempenhar esse papel. Transformar informações em conhecimento organizado, sistematizado, pressupõe conhecimento que está fora do alcance de mestres que nem sempre se preocupam, eles mesmos, em construir uma base teórica sólida, que implicaria ler livros e lê-los bem. Pergunta: qual o percentual de professores que faz isso?

Claro que uma parte do problema está com o poder público, com as autoridades educacionais. Salvo meia dúzia de municípios e duas ou três secretarias estaduais de educação não se nota preocupação em fornecer aos professores livros de boa qualidade (mesmo que acessíveis, não adianta confundir educação contínua com disciplina de pós-graduação) para que eles robusteçam sua formação, solidifiquem sua massa teórica e atualizem sua prática em sala de aula. E dar livros não é o suficiente, há que se cobrar deles a leitura. Sim, professores devem ser cobrados, para que não se continue a nivelá-los por baixo. Não é aceitável que livro didático do professor continue sendo fonte única do saber daquele que é responsável pela educação dos alunos.

Para os professores recuperarem o prestígio social eles precisam, antes de mais nada, aumentar sua autoestima. Com mais autorrespeito poderão lutar por melhores condições de trabalho, por salários mais dignos, pelo reconhecimento de seu papel (que não é o de babás de alunos grosseiros e agressivos). Mas tudo passa por sua qualificação, para a qual órgãos de classe e governo deveriam se unir.

De pouco tempo para cá até técnicos de futebol, muitos deles analfabetos funcionais, passaram a ser chamados de professor. Imagine a grita se fossem denominados advogados, ou médicos, ou enfermeiros. Para os professores parece algo aceitável, até normal, ver um sujeito ululando ao lado do campo, gesticulando para as câmaras de TV (já que seus gritos não são ouvidos por ninguém num estádio cheio) ser chamado de professor.

Será que é assim que os professores se percebem? Patéticos? Gritando e não sendo ouvidos, fingindo ensinar para aqueles que ou já sabem, ou não vão aprender com eles? Os técnicos de futebol pelo menos ganham melhor.

Fonte: http://www2.correiobraziliense.com.br/cbonline/opiniao/pri_opi_173.htm

4 comentários:

Raquel Alves disse...

Viva!...Quando li este texto parecia que estava a ler considerações sobre a realidade portuguesa!...é incrível a semelhança!...
Gostei do Blogue.Abraço, cá de longe...

Prof. Michel Goulart disse...

Muito bom, Natania. Gostaria de postá-lo no meu blog. Vou dar os devidos créditos. Acho que o prof. Pinsky trabalhou bem a questão. A imagem do professor e do magistério no Brasil é realmente patética, porém acho que sua discussão é bom sinal. Sinal de que existe um desejo de mudança para um bem maior, no caso, melhorar o Brasil. Um grande abraço

Natania A S Nogueira disse...

Oi, Raquel!
Pesquisas recentes mostram que o prestígio do professor é cada vez menor e que professores da rede pública do ensino básico são os menos prestigiados. Muitos professores universitários nem gostam de se apresentar como professor. Já ouvi alguns dizendo "dou aulas na universidade tal, mas sou pesquisador".

Natania A S Nogueira disse...

Fique a vontade, Michel.
:-)