domingo, 20 de julho de 2025

UMA CONSTELAÇÃO DE MULHERES


Uma das exposições deste ano do Festival Internacional de Bande Dessinée de Angoulême, na França, foi a exposição “Constellation Graphique” (Constelação Gráfica), que reuniu obra de 9 autoras espanholas que representam a nova geração de quadrinistas espanholas: Bàrbara Alca, Marta Cartu, Genie Espinosa, Ana Galvañ, Nadia Hafid, Conxita Herrero, María Medem, Miriam Persand e Roberta Vázquez. Esta exposição, embora configura dentro das exposições principais do festival, talvez não tenha sido a mais badalada ou visitada, mas certamente foi uma das mais originais que o 52º FIBD trouxe este ano. Isso porque, além de trazer um espaço aberto para a diversidade é, também, um espaço 100% destinado às mulheres, algo que em outras edições do FIBD nem sempre foi possível encontrar.

Na exposição, que foi até 16 de março de 2025, no Museu de Angoulême, a curadoria do evento destacou como um de seus pontos principais a renovação dos quadrinhos espanhóis. As autoras trazem em suas obras uma diversidade de linguagens, de registros estéticos, por meio do uso da cor, do grafismo ou da experimentação estilística e narrativa. Elas representam, desta forma, a vanguarda dos quadrinhos espanhóis, nesta segunda década do século XXI.

Este grupo de mulheres, cada uma em seu próprio estilo e abordando temas diversos, trazem-nos um olhar crítico e bem humorado da realidade da geração dos millenials, também conhecida como "Geração Y", formada por pessoas que nasceram entre os anos 1981 e 1996.  A exposição faz um raio x da sociedade espanhola, por meio do olhar de mulheres, que colocam em seus quadrinhos uma carga intensa de emoção, autocrítica, crítica social e, acima de tudo, expressando expectativas e desilusões.

O panorama cultural e profissional dos quadrinhos espanhóis passou por uma série de mudanças a partir da década de 1980, com o aumento da demanda pelo produto, o que levou ao surgimento de novos títulos e possibilitou a profissionalização de toda uma geração de autores oriundos no underground. O mercado se ampliou, como a abertura de lojas especializadas e com os primeiros festivais. As nove quadrinistas que foram escolhidas para ter sua obra exposta na exposição “Constellation Graphique” representam a geração nasceu no bojo do boom dos quadrinhos espanhóis, marcado pela dissidência estética, assim como pelo questionamento de lugares-comuns e formas canônicas de expressão, embora a estabilidade profissional permaneça um horizonte distante.

Roberta Vázquez possui um estilo que se inspira nas fontes da tradição underground, mas canibaliza ícones pop de seu contexto geracional na forma de fan art.  Vázquez tem no humor corrosivo uma marca registrada, que lhe permite realizar uma leitura implacável da sociedade líquida e da precariedade econômica que condicionam a vida dos millennials.

Marta Cartu, possui um trabalho que se aproxima com o de Jeffrey Brown, gradualmente abordando os desafios de uma história em quadrinhos conceitual, com um olhar sobre os códigos e formas da arte contemporânea. Sua obra é intimista e reflexiva, e nela a pesquisa formal é inseparável de uma meditação sobre noções e questões contemporâneas, como identidade, competitividade e autoexigência, a arbitrariedade dos papeis de gênero, aspectos utópicos, o potencial distópico das novas tecnologias e a servidão de múltiplos empregos.

Ana Galvan é a mais experiente do grupo de quadrinistas da exposição e se destaca dentro da vanguarda dos quadrinhos espanhois pela  influência de seu corpus oratório e por seu papel impulsionador nas redes de difusão de artistas de vanguarda. Galvan construiu um universo pessoal no qual a influência composicional e cromática do construtivismo russo e uma narração fria e desinteressada foram colocadas a serviço de uma leitura distópica da realidade. 

Genie Espinosa destaca-se pelos seus personagens, de formas arredondadas, que podem ser interpretadas como uma firme reivindicação de corpos não normativos. Eles introduziram nos quadrinhos uma energia urbana explosiva, salpicada de girl power. Um espírito que também é encontrado em seu trabalho no campo do design de cartazes e em murais de arte de rua, que destilam ecos dos subúrbios com a sofisticação de uma nova forma de glamour.

O trabalho de Maria Medem tende à abstração e parte de elementos mais poéticos do que narrativos, aprofundando o que ela mesma chama de estética conelse, uma abordagem formal que exige um tratamento muito específico e essencialista da linha, da cor e do texto. O artista busca a ambiguidade, refletindo a sensação de distância que o leitor percebe em personagens deslocados em meio a paisagens que amplificam a força dos elementos naturais.

Nadia Hafid trabalha junto com Marta Cartu a partir da experimentação formal por meio da composição da página é uma das características das obras de Nadia Hafid e Marta Cartu. A obra conjunta das duas autoras, exposta na exposição, são obras cerebrais e sintéticas nas quais nenhum dos elementos presentes é acidental. Hafid se afasta dos códigos hegemônicos do realismo para se aproximar da estética de um pós-modernismo seduzido pelo potencial expressivo das geometrias fractais e suas infinitas fragmentações. O resultado são quadrinhos estimulantes e vibrantes.

Bárbara Alca em sua obra retrata uma geração (a sua) perdida, decepcionada e às vezes considerada frívola e superficial. Suas histórias hilárias exalam um componente autobiográfico misturado à cultura pop que a torna única em sua geração. Seu trabalho foi publicado nas revistas El País, El Jueves e Ruby Star.

Herrero consolidou nos quadrinhos de vanguarda com um estilo sintético e potente, que mescla expressão gráfica e poética. Transitando entre costumes locais, fantasia e experimentação. A formação autodidata de Conxita Herrero, que só começou a se interessar por histórias em quadrinhos aos dezoito anos, permitiu que ela quebrasse os códigos tradicionais do meio, de uma forma quase subversiva. Ela adota a atitude de vanguarda que surge da liberdade de ação daqueles que abordam uma língua a partir das periferias, sem se verem obrigados a respeitar nenhuma tradição. Ainda que a história em quadrinhos ocupe apenas uma pequena parte de um corpus considerável que colocou a poesia, a colagem, o grafismo e as canções a serviço de um discurso de si, que também percorre as páginas de sua fundamental Gran bola de helado.

Miriam Persand um dos aspectos mais marcantes da sua obra é ahabilidade de dar vida a criaturas antropomorfizadas. Seu fascínio por animais como corujas, pombos, ratos e jacarés – especialmente jacarés devido aos nossos "cérebros ansiosos reptilianos" – serve como ponto de partida para abordar emoções complexas. Com seu estilo vibrante trata de problemas cotidianos usando abusando das metáforas. Temas como ansiedade fazem parte dos seus quadrinhos, assim como uma busca para o próprio sentido da vida.  Persand cria histórias que evocam uma sensação de admiração, expandindo os limites do que é esperado no mundo real.

FOTOS DA EXPOSIÇÃO (29/01/2025)







As informações do texto foram retiradas do material fornecido pela exposição, complementado por dados retirados de sites das autoras.


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