Este
ano eu retornei, depois de muito tempo, ao 3º ano do Ensino Médio. Basicamente,
quando parei de dar aulas para o 3º Ano o MEC ainda nem tinha criado o Programa
Universidade para Todos (PROUNI) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
ainda não era vinculando a concessão de vagas em universidades públicas. Sendo assim, analisar uma prova inteira do ENEM
é uma novidade e um desafio para mim.
Pois
bem. A prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias (caderno branco) envolve questões
de História, Filosofia, Sociologia e Geografia. Vou tentar dar uma opinião
geral sobre ela, embora eu pretenda dar mais atenção às questões de História.
Vou
começar com alguns aspectos que eu considero positivos. A questão 03 que usa a História em Quadrinhos (HQ) de Marjane Satrapi, “Persépolis”, foi
bem formulada. A questão teve estrutura simples e, ao mesmo tempo, complexa. Os
quadrinhos, quando bem utilizados, podem enriquecer atividades e trazer provocações.
Pena que em 45 questões, apenas uma utilizou este recurso.
Senti
falta do uso de charges, presentes em avaliações anteriores. Aliás, usaram-se
em 45 questões poucas imagens (e não estou contando aqui gráficos e mapas): uma
HQ, algumas reproduções de pinturas, fotos e anúncios. Mas
é uma questão pessoal. Acho que a leitura de imagens precisa ser mais
explorada. Não estou desqualificando a avaliação por conta disso.
Com
relação às questões de História, achei que foram bem distribuídas, abarcando
vários períodos sem privilegiar um em específico. Mas senti falta de questões
referentes ao Império. No geral, eu
diria que o nível das questões estava bom, mas achei o vocabulário um tanto
rebuscado. Por exemplo, na questão 33, a alternativa (c) trazia a opção
“ordenar conflitos laborais” onde poderia ser “ordenar conflitos trabalhistas”.
Suponho que muitos estudantes erraram esta questão simplesmente porque não
sabiam o significado de “laboral”, termo que, na minha experiência de mais de
20 anos em sala de aula, não costuma ser usado nem mesmo em livros didáticos.
Foi
uma avaliação que privilegiou a interpretação. Eu acho isso positivo. Mas nas
questões de Filosofia e Sociologia achei que se abusou um pouco de termos
acadêmicos, de autores que são desconhecidos até para professores do Ensino
Médio. Vejam bem, nem todo professor de Humanas tem oportunidade de fazer um
mestrado ou um doutorado, de se aprofundar em alguns estudos, em alguns
autores. A maioria nem é estimulada a isso. Quanto mais formação, mais caro
fica o professor e, por exemplo, em algumas escolas particulares, a pós-graduação não oferece
vantagens financeiras aos docentes, que acabam se limitando a uma
especialização simples.
Minha
maior crítica à avaliação do ENEM é a seguinte: utiliza-se em muitas questões
um vocabulário que não condiz com a realidade dos nossos alunos e mesmo dos
professores da Educação Básica.
Minha
posição como professora, com experiência em escola particular e pública, é que o estudante demonstra seu conhecimento, suas
habilidades, quando consegue entender o que a questão demanda. Daí eu achar
importante que as provas cobrem interpretação. Mas se ele se depara com
alternativas que utilizam um vocabulário muito acima da capacidade geral de
entendimento de um aluno do Ensino Médio, eu me pergunto: qual é o objetivo
desta avaliação?
Avaliar
conhecimento, ou excluir aqueles que ainda não são dotados de maturidade e
experiência necessárias para compreender um vocabulário completamente ausente
na sua prática diária?
Como
professora de História, eu diria que foi uma prova razoável e que não cobrou
muito acima da capacidade dos alunos. No entanto, eu questiono como isso foi
cobrado na questão da linguagem utilizada para avaliar o
aluno. Passou-me a impressão de que o MEC não conhece a realidade da escola brasileira,
do estudante brasileiro. Isso me assusta, ainda mais em tempos de reforma do
Ensino Médio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário