Imagem capturada em: <https://jornalggn.com.br/opiniao/a-memoria-a-historia-e-o-esquecimento/>. Acesso em 14 dez. 2019. |
Algumas das melhores reflexões que eu
já fiz ocorreram em sala de aula, quando eu introduzia um tema ou respondia a um
(a) aluno (a) sobre determinado assunto. Eis que durante a minha última aula do
ano antes das provas finais, acabei debatendo com os alunos sobre o "dever
de memória”.
O "dever de memória" é um fenômeno contemporâneo, que surgiu
na França na década de 1980. Ele estava ligado originalmente aos debates relacionados à memória do holocausto judeu e tinha uma característica reivindicatória: era preciso punir aqueles que cometeram tais crimes contra a humanidade.
Simplificando, o "dever de memória", a busca pela justiça, mesmo que tardia. Foi incentivada a criação de arquivos, datas comemorativas, debates
públicos, etc. Era preciso lembrar para não repetir o erro. Era preciso lembrar
para que os algozes não ficassem impunes. Era preciso lembrar para que a
justiça fosse feita, notadamente dentro da esfera do uso ético e político da memória e da própria história.
O "dever de memória" bate de frente com o
esquecimento. Memória e esquecimento caminham juntos, uma vez que toda
comunidade escolhe aquilo que deseja recordar e, muitas vezes, trata-se de uma
memória romantizada que nem sempre condiz com o fato ocorrido.
Muitos dos eventos que marcaram a vida
de nações inteiras foram violentos e traumáticos. Por exemplo, o mito da
fundação de Roma, contado de forma romantizada, nada mais é do que uma história
marcada pelo fratricídio. Guerras, revoluções, golpes são eventos
potencialmente violentos. Mas a memória coletiva festeja os vencedores, lamenta
pelos seus mortos e busca esquecer o trauma. Para que pensar no que já passou, não é mesmo?
Esquecer é mais fácil do que reparar, até porque isso demandaria um esforço de reconhecimento do fato e, junto com isso, a tomada de consciência, normalmente dolorosa. Reconhecer o erro gera a necessidade de se responsabilizar por ele, e isso é assustador. Por isso se recorre ao esquecimento.
A
negação do passado no presente é uma forma de esquecimento. E foi sobre
isso que nós discutimos em sala de aula. O Brasil nunca precisou tanto reivindicar o dever de memória. Vivemos um momento de negação, de ameaça revisionista da nossa memória e da nossa história.
A escravidão, acreditem, há quem negue
veementemente que ela tenha realmente existido no Brasil. O racismo, realidade no
nosso país há séculos, é dado como inexistente. Os direitos dos povos indígenas,
que passam por um novo genocídio, vêm sendo arrancados à força de armas e do
sacrifício de muitos que se levantam para defendê-los. O Brasil se tornou o
país da negação. Nega-se a pobreza, nega-se a violência, nega-se o bom senso.
É preciso apropriarmo-nos do dever de
memória para tentar salvar a memória coletiva e a história de uma violação
completa dos seus sentidos. É preciso exigir justiça aos que foram
escravizados, mutilados, torturados, mortos ao longo da nossa história por
simplesmente defenderem seu direito à liberdade, à felicidade e a uma vida digna,
o que deveria ser dever do Estado.
Pouco mais de 20 minutos de uma aula, numa turma da educação básica, e
eu aprendi tanto, refleti sobre tanta coisa que nem me sentia a professora, mas
uma aluna que estava ali com meus mestres, ainda adolescentes. Isso talvez seja
o que nos motiva, aos professores, em tempos tão sombrios: o potencial da juventude de poder enxergar com os próprios
olhos e falar com sua própria boca.
Acredito que seja um
dos compromissos da escola garantir que os jovens questionem. Que eles possam
debater com professores e entre si. Que eles entendam que são cidadãos
ativos e que o "dever de memória" é o que lhes pode garantir o
direito de encarar o futuro com responsabilidade. Essa responsabilidade que
tanto tem faltado aos adultos, parece florescer em jovens como Greta Thunberg e tantos outros, anônimos, que não
têm medo de se expressar e que sonham com um futuro melhor não apenas para si
mesmos, mas para todo o planeta.
Um comentário:
Texto seminal para o momento histórico em que vivemos, quando lutas seculares dos direitos humanos estão sendo eclipsadas e vilipendiadas e se não resgatarmos com força as MEMÓRIAS DOS TEMPOS DE AUTORITARISMO que vivemos corremos grande risco. Como educadores esse é um de nossos papeis fundamentais!
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