Supergirl #26 - janeiro de 2019. Imagem disponível em: https://unknowncomicbooks.com/products/supergirl-26vared |
Este ano a
Supergirl completou 60 anos. Criada em 1959, a heroína nasceu para ser a
parceira adolescente do Superman, de quem é a prima. O parentesco, no entanto,
não impediu que o kryptoniano mais famoso dos quadrinhos a tratasse, por
décadas, como uma menina desamparada e, por vezes, alienada. Para quem não
conhece a origem desta super-heroína, que atualmente é protagonista de uma
série de sucesso da DC, farei um pequeno resumo.
Tudo começou um ano antes da estreia oficial da personagem. Em 1958, na
revista na revista Superman #123,
Otto Binder e Curt Swan criaram uma
personagem que era a versão feminina do Superman. Ela nasceu, segundo a
história, do desejo de Jimmy Olsen, que de posse de um artefato mágico
criou a Super-Girl. Adulta e tão poderosa quanto o Superman, a personagem
ganhou uma história especial. Ela era a parceira perfeita, tão perfeita que
teve que ser sacrificada ao final da aventura, para garantir a sobrevivência do
próprio Superman. Ela se sacrifica no lugar do Homem de Aço, protegendo-o de
um meteoro de kryptonita.
A história agradou ao público e, um ano depois, seus criadores
reformularam a personagem que resurgiu como a Supergirl, a parceira adolescente
do Superman. Sua história de origem foi publicada na Action Comics
#252, em maio de 1959. Ao
contrário da sua primeira versão ela é insegura, submissa e psicologicamente
dependente do Superman, bem ao gosto do machismo dos anos de
1950/1960. Kara, a última sobrevivente de um grupo de kryptonianos
que ainda resistia após o fim trágico do planeta. Ela foi enviada à
Terra, assim como seu primo, para garantir a sobrevivência do legado da
família.
Mas ela vai ter um destino diferente do Superman, que quando chegou a
Terra não possuía nenhum parente e foi adotado por um casal que não tinha
filhos. Igualmente órfã, kara recorre a seu único parente vivo que, pasmem, a
envia para um orfanato negando-lhe aquilo que ela tencionava encontrar na
Terra: uma família. O Superman das décadas de 1950 e 1960 estava longe de ser
um primo carinhoso. Pelo contrário, ele vê a prima com desconfiança e teme que
ela coloque em risco sua vida cuidadosamente organizada.
A moça, por sua vez, procura se encaixar no mundo do primo, obedecendo
cegamente e colocando as prioridades do Superman à frente das suas. A Supergirl,
criada no final dos anos ed 1950, representa o ideal de mulher que a sociedade
dirigida pelos homens espera ver representada: obediente e devotada.
Na revista Action Comics # 252, p. 06 (meu acervo) o Superman recepciona a prima e a encaminha para um orfanato. |
Ao contrário da Mulher Maravilha, criada para ser um modelo feminista
para as mulheres da década de 1940, a Supergirl apresenta o modelo da
adolescente ideal, sem qualquer traço de rebeldia e pronta a fazer qualquer
coisa pela sua família, no caso pelo seu primo, tendo, inclusive, rejeitado
durante muitos anos propostas de adoção com medo de que isso pudesse de
qualquer forma colocar em risco a identidade secreta do Superman.
Por outro lado, ela se preocupa, também, em conter seus poderes para não
ameaçar o status de pessoa mais poderosa de Terra, que o Superman ostentava. Ou
seja, ela se acomodava a um papel secundário e se contentava com as sobras de
atenção que recebia.
Esta Supergirl marcou a década de 1960, tanto em quadrinhos publicados
nos Estados Unidos quanto em outros países, como o Brasil. Essa representação estereotipada
da mulher perfeita, ou seja, aquela que aceita ser uma sombra do homem,
contendo seu brilho e reforçando o discurso de superioridade física masculina,
foi sofrendo transformações ao decorrer dessas seis décadas.
Atualmente, a personagem assumiu uma postura diferente, empoderada, não
mais uma mera sombra do Supeman e bem mais do que a adolescente recatada e
comportada. A Kara-El do século XXI superou sua dependência do Superman,
conquistou sua autonomia e, tanto nos quadrinhos quando na série de TV, que
está já na sua quinta temporada, mostrou que a igualdade de gêneros é o caminho
que deve ser seguindo, também, pelas personagens femininas de superaventura.
Supergirl, interpretada por Melissa Marie Benoist , na sua quinta temporada, que estreia em outubro de 2019. Imagem capturada em: https://pipocamoderna.com.br/2019/07/supergirl-video-e-foto-destacam-novo-uniforme-e-franja-da-heroina/ |
Inteligente, versátil, justa e poderosa, ela têm ganhado uma legião de
fãs que, até pouco tempo, nem a conheciam. No universo da DC ela divide espaço
com veteranas como a Mulher Maravilha e tem colocado na mesa uma nova
tendência: a do protagonismo crescente das mulheres na cultura pop.
Comemorar os sessenta anos da Supergirl é também repensar as relações de
gênero nos quadrinhos e na própria sociedade. Nas últimas décadas a personagem
foi amadurecendo e ganhando segurança, tornando-se muito mais do que uma
simples ajudante, conquistando espaço nos quadrinhos da mesma forma como as
mulheres, notadamente a partir dos anos de 1970, vêm cada vez mais se
destacando em vários setores da sociedade, apesar de todo todo o patriarcalismo
que ainda insiste em marcar as relações entre homens e mulheres.
Que a Supergirl seja um modelo para as nossas adolescentes, não mais
pela sua obediência cega, mas pela capacidade de superar tabus e preconceitos
que ainda impedem muitas mulheres de terem seu potencial humano reconhecido.
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