terça-feira, 20 de agosto de 2019

SUPERGIRL: SESSENTA ANOS DE SUPERAVENTURA

Supergirl #26 - janeiro de 2019.
Imagem disponível em: https://unknowncomicbooks.com/products/supergirl-26vared

Este ano a Supergirl completou 60 anos. Criada em 1959, a heroína nasceu para ser a parceira adolescente do Superman, de quem é a prima. O parentesco, no entanto, não impediu que o kryptoniano mais famoso dos quadrinhos a tratasse, por décadas, como uma menina desamparada e, por vezes, alienada. Para quem não conhece a origem desta super-heroína, que atualmente é protagonista de uma série de sucesso da DC, farei um pequeno resumo.

Tudo começou um ano antes da estreia oficial da personagem. Em 1958, na revista na revista Superman #123, Otto Binder e Curt Swan criaram uma personagem que era a versão feminina do Superman.  Ela nasceu, segundo a história, do desejo de Jimmy Olsen, que de posse de um artefato mágico criou a Super-Girl. Adulta e tão poderosa quanto o Superman, a personagem ganhou uma história especial. Ela era a parceira perfeita, tão perfeita que teve que ser sacrificada ao final da aventura, para garantir a sobrevivência do próprio Superman. Ela se sacrifica no lugar do Homem de Aço, protegendo-o de um meteoro de kryptonita. 
 
Capa da revista Superman #123, 1958.
A história agradou ao público e, um ano depois, seus criadores reformularam a personagem que resurgiu como a Supergirl, a parceira adolescente do Superman. Sua história de origem foi publicada na Action Comics #252, em maio de 1959.  Ao contrário da sua primeira versão ela é insegura, submissa e psicologicamente dependente do Superman, bem ao gosto do machismo dos anos de 1950/1960.  Kara, a última sobrevivente de um grupo de kryptonianos que ainda resistia após o fim trágico do planeta. Ela foi enviada à  Terra, assim como seu primo, para garantir a sobrevivência do legado da família.

Mas ela vai ter um destino diferente do Superman, que quando chegou a Terra não possuía nenhum parente e foi adotado por um casal que não tinha filhos. Igualmente órfã, kara recorre a seu único parente vivo que, pasmem, a envia para um orfanato negando-lhe aquilo que ela tencionava encontrar na Terra: uma família. O Superman das décadas de 1950 e 1960 estava longe de ser um primo carinhoso. Pelo contrário, ele vê a prima com desconfiança e teme que ela coloque em risco sua vida cuidadosamente organizada.

A moça, por sua vez, procura se encaixar no mundo do primo, obedecendo cegamente e colocando as prioridades do Superman à frente das suas.  A Supergirl, criada no final dos anos ed 1950, representa o ideal de mulher que a sociedade dirigida pelos homens espera ver representada: obediente e devotada.
Na revista Action Comics # 252, p. 06 (meu acervo) o Superman recepciona a prima e a encaminha para um orfanato.
Ao contrário da Mulher Maravilha, criada para ser um modelo feminista para as mulheres da década de 1940, a Supergirl apresenta o modelo da adolescente ideal, sem qualquer traço de rebeldia e pronta a fazer qualquer coisa pela sua família, no caso pelo seu primo, tendo, inclusive, rejeitado durante muitos anos propostas de adoção com medo de que isso pudesse de qualquer forma colocar em risco a identidade secreta do Superman.

Por outro lado, ela se preocupa, também, em conter seus poderes para não ameaçar o status de pessoa mais poderosa de Terra, que o Superman ostentava. Ou seja, ela se acomodava a um papel secundário e se contentava com as sobras de atenção que recebia.

Esta Supergirl marcou a década de 1960, tanto em quadrinhos publicados nos Estados Unidos quanto em outros países, como o Brasil. Essa representação estereotipada da mulher perfeita, ou seja, aquela que aceita ser uma sombra do homem, contendo seu brilho e reforçando o discurso de superioridade física masculina, foi sofrendo transformações ao decorrer dessas seis décadas.

Atualmente, a personagem assumiu uma postura diferente, empoderada, não mais uma mera sombra do Supeman e bem mais do que a adolescente recatada e comportada. A Kara-El do século XXI superou sua dependência do Superman, conquistou sua autonomia e, tanto nos quadrinhos quando na série de TV, que está já na sua quinta temporada, mostrou que a igualdade de gêneros é o caminho que deve ser seguindo, também, pelas personagens femininas de superaventura.
 
Supergirl, interpretada por Melissa Marie Benoist , na sua quinta temporada, que estreia em outubro de 2019.
Imagem capturada em: https://pipocamoderna.com.br/2019/07/supergirl-video-e-foto-destacam-novo-uniforme-e-franja-da-heroina/
Inteligente, versátil, justa e poderosa, ela têm ganhado uma legião de fãs que, até pouco tempo, nem a conheciam. No universo da DC ela divide espaço com veteranas como a Mulher Maravilha e tem colocado na mesa uma nova tendência: a do protagonismo crescente das mulheres na cultura pop. 

Comemorar os sessenta anos da Supergirl é também repensar as relações de gênero nos quadrinhos e na própria sociedade. Nas últimas décadas a personagem foi amadurecendo e ganhando segurança, tornando-se muito mais do que uma simples ajudante, conquistando espaço nos quadrinhos da mesma forma como as mulheres, notadamente a partir dos anos de 1970, vêm cada vez mais se destacando em vários setores da sociedade, apesar de todo todo o patriarcalismo que ainda insiste em marcar as relações entre homens e mulheres.

Que a Supergirl seja um modelo para as nossas adolescentes, não mais pela sua obediência cega, mas pela capacidade de superar tabus e preconceitos que ainda impedem muitas mulheres de terem seu potencial humano reconhecido.



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