A substituição da mão de obra escrava tornou-se
pauta frequente de debates no Brasil, principalmente após a Lei Eusébio de Queiroz, que
proibia o tráfico de escravos africanos. A partir de então,
encontrar alternativas para o trabalho escravo passou a ser uma das
preocupações de muitos fazendeiros, principalmente das regiões produtoras de
café do sudeste, onde a concentração e, também, a demanda por trabalhadores era
maior. Ainda na década de 1850 foram realizadas as primeiras iniciativas de
implantação da mão de obra imigrante no Brasil, que nos anos de 1870 ganharam
novo impulso, com a aprovação da Lei do Ventre livre, que acenava para a abolição da escravidão.
Nos livros didáticos de história tanto a questão da
substituição da mão de obra escrava e da adoção do trabalho do imigrante europeu recebem uma atenção especial. Mas o que não se fala
nestes livros é sobre a emigração nordestina para as áreas produtoras
de café. Já no século XIX os nordestinos dirigiam-se para o sudeste em busca de empregos e fugindo
da seca que naquela época assolava o nordeste. Muitos deles vieram de estados como o Ceará e
podem ser classificados como os “refugiados da seca”.
O
Nordeste, em conjunto, perdeu quase 350.000 habitantes, sendo que 80% da sua
região central, principalmente do Ceará. Foi o resultado de uma seca que
assolou a região, fazendo que somente o Ceará perdesse quase 30% de sua
população. Os estados que tiveram os maiores saldos migratórios positivos foram
os estados de Minas Gerais e São Paulo e o município da Corte, no conjunto um
saldo de 235.000 migrantes[1].
Retirantes concentrados na praça da Estação em Fortaleza, em fins do século XIX. Imagem disponível em: http://www.fortalezaemfotos.com.br/2013/11/a-seca-de-1877-79-em-fortaleza.html, acesso em 23 out. 2017. |
O ano de 1878 foi um dos
piores para o população cearense, que amargou uma grande seca entre 1877 e 1890,
de que deixou milhares de mortos. A tragédia da seca foi narrada por José do
Patrocínio, correspondente do Gazeta de Notícias, que visitou o Ceará entre
maio e setembro de 1878. Ele transformou esta experiência em um romance, “Os Retirantes”,
publicado inicialmente na forma de folhetim e finalizado em 1879.
Patrocínio
tinha a missão de narrar essa seca para o público leitor da Corte e o fez de
modo completo: enviou matérias para o Gazeta de Notícias, mandou fotografias
para O Besouro e escreveu um romance! Buscou estar presente em situações
relevantes naquele momento dramático e avaliou criticamente as ações do
governo, seguro que estava da inadequação das leis e do costume para a
resolução de calamidades dessa natureza[2].
Capa do livro "Os Retirantes", de José do Patrocínio. Imagem disponível em: http://www.bibliologista.com/2014/03/os-retirantes-de-jose-do-patrocinio.html, acesso em 23 out. 2017. |
A pesquisadora Maria Silvia C. Beozzo Bassanezi aponta a década de 1870 como período de intensificação do fluxo migratório interno. Seu estudo se concentra na Província de São Paulo e aponta Minas Gerais e o “núcleo exportador de pessoas para a Província de São Paulo (38,3%)”[3]. O avanço da cafeicultura em São Paulo e o crescente aumento da necessidade de trabalhadores para a lavoura fazia com que o fluxo migratória para aquele estado fosse crescente.
Já na Primeira República, fazendeiros denunciavam a ação de aliciadores que
levavam para São Paulo trabalhadores do município de Leopoldina, por época da
colheita do café. De fato, Minas Gerais
era uma das províncias mais povoadas do Brasil, como pode confirmado pela
tabela abaixo, e uma boa parte da sua
mão de obra livre buscou em terras paulistas melhores salários, principalmente
na colheita do café.
Fonte: BRITTO, Fausto. As Migrações e a Transição para o Trabalho Assalariado no Brasil. Disponível em: http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/view/1113, acesso em 23 out. 2017. |
A mesma Minas Gerais que perdia seus braços da lavoura para São Paulo, trazia do nordeste trabalhadores que aceitavam os salários menores oferecidos aqui pelos fazendeiros. Se nossa história local fala da presença maciça do negro e da importância do imigrante italiano na formação da nossa sociedade, ela omitiu, de certa forma, a presença do nordestino.
No periódico O Pharol, de Juiz de Fora, foi reproduzida em 1878
uma notícia publicada no Jornal do Commercio que fala sobre a vinda de
cearenses para Leopoldina, a fim de trabalhar na lavoura. Tratava-se de um
movimento de colonização nacional apoiado pelo governo imperial com a
finalidade de suprir a crescente demanda por trabalhadores nas regiões
produtoras de café do sudeste. Além disso, para o governo imperial ocupar esta população era uma forma de atenuar os efeitos negativos da seca que afetava o nordeste e que havia de transformado numa calamidade nacional. Segundo O Pharol
Diversos
fazendeiros do município de Leopoldina têm encomendado retirantes
cearenses para seus trabalhos agrícolas.
O Sr. José da Silva Figueira, empreiteiro da estrada de ferro do Rio Doce, já
recebeu duas partidas de emigrantes, que montam a perto de cem pessoas, e
consta-nos que vai solicitar maior número desses braços. O senhor Coronel José
Vieira de Rezende Silva, ilustrado e importante fazendeiro de Cataguases,
encomendou para si e fazendeiros de sua família, 130 imigrantes, e prepara-se
para ensaiar a lavoura em terreno preparado com braços livres[4].
Repare a forma como se trata o trabalhador livre. Os
cearenses são “encomendados”. A imagem do trabalho braçal permanece vinculada
ao trabalho escravo mesmo em se tratando do trabalhador livre. Durante os
primeiras décadas do século XIX, os jornais como a Gazeta de Leopoldina
anunciavam a chegada de imigrantes italianos em Leopoldina quase que na mesma
forma que se anunciava a chegada de gado.
No que diz respeito ao tráfico interno de escravos
também foram enviados para a região da Zona da Mata negros escravos cearenses.
São vários os anúncios de fuga de escravos, tanto em o Pharol quanto em O
Leopoldinense, de escravos oriundos daquele estado. Mas sobre a vinda de retirantes cearenses para Leopoldina a notícia do jornal foi a única referência que encontramos até agora sobre o assunto.
Ontem e hoje a mentalidade escravagista ainda está
enraizada na nossa cultura, onde o trabalho braçal ainda não recebe o devido
valor, onde o trabalhador assalariado é vítima constante de abusos por parte de
patrões e onde, infelizmente, trabalho
escravo existe e seu combate está sendo negligenciado pelo atual governo.
[1] BRITTO,
Fausto. As Migrações e a Transição para o Trabalho Assalariado no Brasil.
Disponível em: file:///C:/Users/user/Documents/HIST%C3%93RIA/1113-3223-1-PB.pdf,
acesso em 23 out. 2017.
[2]
NEVES, Frederico de Castro A miséria na
literatura: José do Patrocínio e a seca de 1878 no Ceará. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tem/v11n22/v11n22a05.pdf,
acesso em 23 out. 2017.
[3] BASSANEZI,
Maria Silvia C. Beozzo Migrantes no Brasil da segunda metade do século XIX.
Disponível em: http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/viewFile/1048/1013,
acesso em 23 out. 2017.
[4] O Pharol, Juiz de Fora, 12 de maio 1978,
n. 37, p. 02.
Um comentário:
Aprendi um monte com esse artigo. Que pesquisa cuidadosa, hã? E merecia crescer, virar uma coletânea de artigos sobre Leopoldina, que tal?
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