"A
Varíola- Fia-te na virgem e não corras". Rio de Janeiro. O Malho. Imagem
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acesso em 16 jul. 2017.
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Uma doença cujos
registros remontam à antiguidade, a varíola foi, até final do século XVIII responsável
pela morte de um incontável número de pessoas. Calcula-se que apenas no XVIII, morreram
na Europa, cerca de sessenta milhões de vítimas de varíola[1].
Esta doença é considerada uma herança dos colonizadores europeus e teria chegado à América entre os anos de 1518 ou início de 1519. Mais tarde ela foi associada ao tráfico de escravos, dado o aumento dos casos da doença após o início do tráfico negreiro. Segundo Sidney Chalhoub, os escravos transportados em péssimas condições e debilitados fisicamente eram alvos fáceis da doença e a transmitiam aos brasileiros nas localidades onde desembarcavam.[2]
Esta doença é considerada uma herança dos colonizadores europeus e teria chegado à América entre os anos de 1518 ou início de 1519. Mais tarde ela foi associada ao tráfico de escravos, dado o aumento dos casos da doença após o início do tráfico negreiro. Segundo Sidney Chalhoub, os escravos transportados em péssimas condições e debilitados fisicamente eram alvos fáceis da doença e a transmitiam aos brasileiros nas localidades onde desembarcavam.[2]
No Brasil, ela teve seu primeiro registro na
Bahia, quando em 1561 teria chegado à capitania trazida pelos passageiros de um
navio.[3] A
doença se espalhou rapidamente causando cerca de trinta mil mortes. Como eram
mais vulneráveis à doenças trazidas pelos europeus, os indígenas foram os mais
afetados. Populações inteiras foram dizimadas pela moléstia[4].
Havia dois tipos
de varíola, a varíola major, que
possuía uma grande taxa de mortalidade, que podia chegar a 30% dos infectados,
e a varíola minor, com uma taxa de
mortalidade de até menos de 1%.[5]
Embora este último tipo fosse mais brando, o simples fato de ser identificada
uma manifestação da doença era motivo para que se instaurasse o pânico, o medo
de uma epidemia.
O contágio
ocorre através do suor e qualquer outro tipo de secreção expelida pelo doente. Nas
senzalas, dada a aglomeração de escravos em péssimas condições de higiene, a
proliferação da doença era rápida. Segundo Márcia Amantino, como não havia
tratamento específico para a varíola a solução encontrada era isolar o doente,
o que nem sempre funcionava, devido a precariedade com a qual a população
escrava era alojada nas fazendas.[6]
Foi por meio de
estudos sobre a varíola que, em 1796, surgiu a primeira vacina, criada pelo
médico Edward Jenner[7]. No
Brasil a vacinação contra a varíola foi introduzida já no final do século
XVIII, embora que de forma irregular e com várias ressalvas, pois a população
temia tomar a vacina, com medo de adquirir a doença. No século XIX foram feitas
várias tentativas de se combater as frequentes epidemias de varíola, mas a
aceitação da vacina, mesmo que com algumas ressalvas, ocorreria apenas no século
XX[8].
Em Minas Gerais,
o primeiro relato oficial de vacinação contra varíola data de 11 de novembro de
1805, em carta escrita pelo governador da capitania que mencionava a ordem
régia solicitando empenho das autoridades coloniais na conscientização da
população da capitania da importância da vacinação pra o combate da moléstia[9].
Entre os anos de
1873-1874, uma epidemia de varíola atingiu várias cidades mineiras, sendo a
capital, Ouro Preto, uma das mais atingidas. Até março de 1875 haviam sido
registrados em Ouro Preto 789 casos e 204 óbitos decorrentes da moléstia. A
vacinação era realizada nas igrejas, nas câmaras municipais, nas sedes de
fazendas espalhadas pelos municípios mineiros, mediante publicação de edital[10].
Os jornais ora
tentavam aplacar os ânimos, desmentindo boatos sobre a presença da doença, ora
alertavam sobre seus perigos. Foi caso do Pharol, jornal de Juiz de Fora, que
trazia regularmente notícias sobre a propagação da varíola na Zona da Mata
Mineira, em províncias e mesmo no exterior.
No final do ano
de 1878, por exemplo, instalou-se o pânico no município de Juiz de Fora com a
possibilidade da ocorrência e propagação de casos de varíola. O pânico era
justificado pelo fato de que anos antes, de setembro de 1874 a fevereiro de
1875, a cidade de Juiz de Fora foi assolada pela doença, que em seis meses
infectou cerca de 1000 pessoas e matou 135.[11] A
tragédia ainda estava bem vívida na memória dos juizforanos. O Pharol publicou
uma série de notas de esclarecimento buscando desmentir estes boatos.
Em outubro de
1882, correu em Leopoldina a falsa notícia de um surto de varíola, provocado
por ocorrências da doença em outras localidades, como Alfenas, Viçosa e Paraíba
do Sul. No caso de Alfenas, a intensidade da epidemia foi tamanha, que a
população teria se refugiado no campo, para fugir da doença[12].
Em 1895, a simples suspeita de um caso da doença fez com que fosse destacada
uma junta médica para e a emissão de um parecer oficial desmentindo o boato da
possível contaminação.
Podemos
afirmar ao público para sei tranquilidade que o boato de que havia um caso de
varíola na cidade não passou de suspeita.
Tratava-se
de um doente de cataporas, moléstia fácil de confundir-se com a varíola.
Publicamos
o atestado dos médicos oficiais que confirma o que acabamos de dizer. Eis o
atestado:
Atestamos
sub Médici fide et jure jurando que
não existe caso algum de varíola nesta cidade. O fato suspeito que nos foi
indicado na Grama, é um caso de cataporas, sem importância alguma.
Leopoldina,
11 de outubro de 1895.
Dr.
Joaquim Antônio Dutra.
Dr
Ernesto de La-Cerda.[13]
A publicação de
laudos médicos confirmando ou não os casos da doença era prática comum nos
jornais, tanto como forma de acalmar a população, quanto como forma de proceder
à prevenção e convocar a população para a vacinação contra a moléstia. Negar e
certificar a ausência da doença era também uma questão de ordem econômica.
Quando boatos se espalhavam, o fluxo de pessoas no comércio local diminuía, muitos
deixavam de ir trabalhar, fábricas fecham suas portas, ocasionando prejuízos
tanto para os comerciantes quanto para o município.
As cidades da
Zona da Mata eram consideradas mais vulneráveis à doença devido à proximidade
com o Rio de Janeiro, cidade constantemente assolada por epidemias de varíola
durante o Império e a República. Em 1883, a preocupação com a proximidade de
Juiz de Fora da Corte, tomada pela doença é expressa no apelo que o jornal faz
à Câmara Municipal, pedindo providências para evitar uma possível epidemia.
Jornais
da corte dão como assustadoras as proporções que tem tomado a varíola no
município neutro. O hospital de Jurujuba, completamente cheio, não dá mais
lugar a doentes.
A
vista disso não seria tempo de olharmos nós – um pouco para nós mesmos, e
tomarmos providências com o fim de evitar a propagação do mal nessa cidade?
A
continua em fácil comunicação com a corte põe a epidemia à nossas portas. À câmara
municipal pedimos toda a atenção para o assunto. [14]
Em 1894 foram
abertos editais para a vacinação contra a varíola, onde a população era
convidada a se apresentar para receber a vacina no consultório do delegado de
higiene, dr. Ernerto de La Cerda, realizada
“todos os domingos (...) das 11 horas ao meio dia, à rua do Cotegipe.”[15] Mas a grande dificuldade estava justamente em vencer a resistência da população
em receber a vacina. Além da falta de estrutura administrativa levou-se ainda
muito tempo para se superar o medo da vacina. “Essa postura era avaliada pelas
autoridades como decorrência da ignorância popular, que impelia a atitudes
irracionais e absurdas, como a das mães da cidade de Leopoldina, que escondiam
as filhas debaixo da cama para escapar à vacina”[16].
No município de
Leopoldina, em 1895, foi registrado um caso na fazenda Sabiá, prontamente
comunicado pelo delegado de higiene ao Agente Executivo. Foi liberada uma nota
à população avisando que já haviam sido tomas todas as providências para que a
doença fosse contida.[17]
Cerca de um mês depois foi anunciada a vacinação contra varíola da população do
distrito de Conceição da Boa Vista.[18]
Mais de três
décadas depois a região ainda não havia superado o medo da doença. Em 1927 um
dos documentos que deveria ser apresentado, por exemplo, para matrícula de
meninas na Escola Normal do Colégio Imaculada Conceição era o atestado de
vacinação contra a varíola.[19]
Em julho de 1933,
a Gazeta de Leopoldina, noticiava o crescimento dos casos de varíola em
Caratinga e Ubá. Em outubro do mesmo ano a doença chegou a Muriaé[20]. A
população foi convocada a se apresentar aos postos de vacinação. A vacina era,
inclusive, aplicada nas escolas e nas fábricas, onde havia maior aglomerado de
pessoas.
Um
dos fatores apontados para a propagação da doença, desde fins do século XIX,
era o transporte ferroviário. A ferrovia, assim como as naus que traziam os
escravos contaminados, transportava não apenas pessoas e mercadorias, mas,
também, doenças como a varíola. Locais onde havia um intenso movimento
ferroviário eram considerados sujeitos ao contágio.
Como já noticiou este jornal, há
casos de varíola em um município mineiro, que, se não fica próximo do nosso,
tem este constante ligação, por estrada de ferro e de rodagem, que significaria
séria ameaça para nós, se não fosse à boa vontade com que a nossa população
procura prevenir-se contra o mal se vacinando, numa exata compreensão da
eficiência desse meio preventivo.[21]
Outro
problema era a disponibilidade da vacina nos postos de higiene. Além de poucos,
eles não tinha capacidade para atender a toda a população do município que,
segundo o jornal, era de 65.677, em 1933. A quantidade de linfas não era
suficiente para atender nem a um terço desse número.[22] Pediu-se
providências à Diretoria Geral da Saúde Pública e a cidade recebeu novas
remessas de vacina. O jornal destacou o aumento da procura pela vacina pela
população. Ela é aplicada, também, nos distritos, por farmacêuticos
credenciados[23].
A varíola foi a primeira doença infecciosa extinta por meio da
vacinação, mas deixou um legado de morte, devastando populações inteiras em
todo o mundo. Em Leopoldina, embora não tenhamos em mãos dados relativos a uma
possível epidemia da doença, ela não é de todo descartada. O município viveu,
desde o início da sua ocupação surtos de sarampo, tido como responsável pela
morte de boa parte da população de índios puris, febre amarela e tantas outras
doenças infecciosas cuja ação foi registrada no Rio de Janeiro, em Juiz de Fora
e Cataguases.
[1] REZENDE, JM. À sombra do plátano: crônicas de
história da medicina [online]. São Paulo: Editora Unifesp, 2009. Varíola: uma
doença extinta. p .227. Disponível em: http://books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-24.pdf
, acesso em 14 jul. 2017.
[2] CHALHOUB, Sidney. Cidade Febrik:
cortiços e epidemias na corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996,
p. 109-110.
[3] SILVEIRA, Anny Jackeline Torres, MARQUES, Rita de Cássia.
Sobre a varíola e as práticas da vacinação em Minas Gerais (Brasil) no século
XIX. vol. 16, no.2, Rio de
Janeiro fev. 2011, p. 388.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n2/v16n2a03.pdf,
acesso em 11 jul. 2017
[4] REZENDE, JM. Op. Cit., p .227.
[5] SILVEIRA, Anny Jackeline Torres, MARQUES, Rita de Cássia .
Op. Cit., p. 390.
[6] AMANTINO, Marcia. OS escravos
fugitivos em Minas Gerais e os anúncios do Jornal “O Universal”- 1825 a 1832.
Locus Revista de História, 2° proS3:59 S3:59, 2008, p. 71/72. Disponível em: https://locus.ufjf.emnuvens.com.br/locus/article/viewFile/2698/2102,
acesso em 15 jul. 2017.
[7] REZENDE, JM. Op. Cit., p. 229.
[8] REZENDE, JM. Op. Cit., p.230.
[9] SILVEIRA, Anny Jackeline Torres, MARQUES, Rita de Cássia.
Op. Cit. p. 390.
[10] Idem, p. 391.
[11] SILVEIRA, Anny Jackeline Torres . Epidemias,
estado e sociedade: Minas Gerais na segunda metade do século XIX, Dynamis 2011;
31 (1): 41-63 p.47.
[12] O
Leopoldinense. Leopoldina, 07 de janeiro de 1882, ano IV, n. 02, p. 02.
[13] O Leopoldinense. Leopoldina, 13
de outubro de 1895, n. 70, ano XVI, p. 02.
[14] Pharol. Juiz de Fora, 10 de
julho e 1883, ano XVII, n. 75 , p. 01
[15] O
Leopoldinense. Leopoldina,04 de novembro de 1894, ano XV, n, 25, p. 03.
[16] SILVEIRA, Anny Jackeline Torres, MARQUES, Rita de Cássia.
Op. Cit., p. 393.
[17] O Leopoldinense. Leopoldina, 03
de novembro de 1895, n. 73, ano XVI, p. 01.
[18] O Leopoldinense. Leopoldina, 01
dezembro de 1895, n. 77, ano XVI, p. 03.
[19] Gazeta de Leopoldina.
Leopoldina, 13 de fevereiro de 1927, n. 21, na XXXII, p. 04.
[20] Gazeta de
Leopoldina. Leopoldina, 8 de outubro de 1933, n. 138, ano XXXIX p. 01
[21] Gazeta de Leopoldina, 15 de
julho de 1933ano XXXIX, n. 72, p. 01.
[22] Gazeta de
Leopoldina. Leopoldina, 27 de julho de 1933, n. 82, ano XXXIX p. 01.
[23] Gazeta de
Leopoldina. Leopoldina, 30 de julho de 1933, n. 85, ano XXXIX p. 01
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