Os cronistas estivem presentes nos jornais
que circularam no Brasil desde o império. Alguns escritores imortalizados na
língua portuguesa publicaram em jornais do século XIX e XX, como Machado de
Assis, Lima Barreto, João do Rio, Cecília
Meireles, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Paulo Mendes de Campos e Clarice
Lispector, entre outros. Suas crônicas são verdadeiros testemunhos de seu tempo
e seus relatos nos tornaram-se fontes importantes para a história.
A Gazeta
de Leopoldina, assim como outros jornais, publicou diversas crônicas, tanto de
autores locais quando de autores populares, principalmente aqueles publicados
nos jornais do Rio de Janeiro (RJ). Um desses cronistas foi Coelho Netto.
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Selo comemorativo dos 100 anos de nascimento de Coelho Netto |
Coelho Neto (Henrique Maximiano Coelho Neto), foi romancista,
crítico e teatrólogo, nascido em Caxias ( MA), em 21 de fevereiro de 1864, e
falecido no Rio de Janeiro (RJ), em 28 de novembro de 1934. Mudando-se para o
Rio de Janeiro em 1885, fez parte do grupo de Olavo Bilac, Luís Murat,
Guimarães Passos e Paula Ney, além de tornar-se companheiro José do Patrocínio,
na campanha abolicionista. Ingressou na Gazeta da Tarde, passando depois
para a Cidade do Rio, onde chegou a exercer o cargo de secretário. Foi
quando publicou suas primeira obras, com destaque para seu romance A conquista (1899).
Envolveu-se com a política durante a
Primeira República, tendo sido eleito deputado
federal pelo Maranhão, em 1909, foi reeleito em 1917. Foi também
secretário-geral da Liga de Defesa Nacional e membro do Conselho Consultivo do
Teatro Municipal. Continuou publicando em
jornais usando inúmeros pseudônimos, entre outros: Anselmo Ribas, Caliban, Ariel, Amador
Santelmo, Blanco Canabarro, Charles Rouget, Democ, N. Puck, Tartarin, Fur-Fur, Manés.
Na Gazeta de Leopoldina, temos uma crônica de Coelho
Netto, publicada em 06 de maio de 1909. A crônica “Para sempre” fala de um amor
pedido prematuramente. Leve e sensível, a crônica tem um tom poético e uma
linguagem acessível. Confira
PARA SEMPRE – COELHO NETTO
“Empresta-me
o teu coração, disse-me ela, já débil, em vésperas de morrer. Eu sei que vou
partir e não quero levar comigo o que não me pertence. Guarda em teu coração o
que te confiar e nunca o abras, vê bem! Nem confies a outrem para que se não
venha a conhecer o segredo de uma pobrezinha e eu, lá mesmo na Altura, choraria
de vergonha se viesse, saber que haviam descoberto. Empresta-me o teu
coração... disse-me ela”
Como
havia eu de negar cousa tão simples a uma infeliz que morria? Dizem que os que
vão morrer nada se nega e eu, não querendo que me ficasse eterno remorso, cedi
ao pedido da moribunda, deixando com ela o meu coração para que nele guardasse
o que , já com voz surda, afirmou que não lhe pertencia.
Quando
me o devolveu não senti mudança alguma. Que teria a moribunda pálida guardado
em seu coração? Não sei. No dia seguinte, com o frio do inverso, esfriou para
sempre e, de olhos fechados no peito magro, fui encontrá-la no seu leito
virginal cercada de flores. Pobrezinha! Tinha apenas 18 anos...
E
levamo-la ao cemitério. Os coveiros tomaram-na e o caixão baixou a sepultura,
cobrindo-se de terra. Tomei a casa e a tarde, logo depois que ela despareceu,
desanuviou-se; cigarras cantavam e o azul desapareceu com estrelas.
Seria
tão grande a tristeza da infeliz que desse para entristecer a natureza inteira?
Não sei, mas tanto que os seus olhos fecharam-se voltou ao mundo a alegria e os
pássaros, que não cantavam, entraram a cantar jocundos,
como na primavera.
E
os dias correram, correram os duas e eu comecei a sentir que meu coração pesava
no meu peito.
Durante
duas eu o sentia ao cair das noites, até que impressionado e lembrando-me da
morta, resolvi recorrer aos homens de ciências para que tentassem descobrir que
havia no meu coração. Debalde
os homens de ciências auscultaram,
debalde! Nenhum soube dar a razão do meu sofrimento. Foi um velho poeta quem me
disse a triste verdade: - Ah! Meu amigo,
tendes o vosso coração cheio de amor da morta, foi isso que ela vos deixou e,
tão grande é, tão grande! Que ela não o quis levar para que não passasse quando
houvesse de subir ao céu.
E
agora, bardo? Que ei de fazer desse amor de uma finada! Que hei de fazer para
aliviar um coração que tanto sofre! O poeta acolheu os ombros com tristeza e
disse:
-
Não sei...
E
quando com o coração cheio desse amor sombrio que me pesa tanto que não deixa
entrar pelo outro amor, porque o tomou por inteiro. Pobre de mim! Pobre de mim!
Fontes consultadas:
GAZETA
de Leopoldina. Leopoldina, 06 de maio de 1909, nº 6, p. 02
COELHO Netto – Biografia.
Academia Brasileira de Letras. Disponível em: < https://www.academia.org.br/academicos/coelho-neto/biografia