Participei
na quarta-feira, dia 08 de abril, pela
manhã (5 AM) de uma videoconferência do grupo de estudos Critical studies on men and masculinities,
da Universidade de Örebro, na Suécia. Minha primeira experiência deste tipo,
diga-se de passagem. Meu amigo Ricardo Gonçalves que no mestrado pesquisou sobre Men in preschool (Homens na educação
infantil) na Suécia e que agora está aprofundando seus estudos no doutorado. Eu achei superinteressante.
A
educação infantil, desde sua adoção, sempre foi um campo ocupado pelas mulheres,
que nas escolas assumiam o papel de "mãe". Eu mesma já ouvi de alunos a expressão
“a professora é a segunda mãe”. No caso da educação infantil, que atende
crianças a partir de um ano de idade, essa ideia de maternidade é latente.
Segundo
o modelo tradicional de família, é a mãe em casa que cuida e educa a criança enquanto o homem,
provedor, trabalha para sustentar a família. Ela dá o que comer, cuida da criança quando adoece, troca fraldas, dá o banho e coloca para dormir. Quando ela é impossibilitada disso, uma
babá assume o seu lugar. No entanto, este cenário tem mudado aos poucos. Muitos homens vêm assumindo
este papel ou dividindo esta responsabilidade com as mulheres.
Em
meio a uma discussão sobre igualdade de gênero podemos perceber que ainda muito disparidade num dos setores mais importantes, o da Educação. No Brasil, por exemplo, o número de homens que atuam na educação básica é muito pequeno. Em dados gerais, 80% dos docentes da educação básica
são mulheres[1].
No que diz respeito especificamente à educação infantil, o número é ainda
menor. Em 2017, dos 443.405 profissionais da Educação Infantil, apenas 13.516 (3%) são homens.
No Ensino Fundamental, os homens representavam 270.446 (19%) de 1,1 milhão de
docentes[2].
Um dos participantes da videoconferência
me perguntou qual era a porcentagem no Brasil, e eu disse que não deveria ser
nem 1%. Mas resolvi conferi e me surpreendi com os 3%. Sabe por quê? Porque não
está muito distante da realidade de outros países, muito mais avançados tanto
em termos educacionais quanto a introdução de políticas de igualdade de gênero.
Na Suécia são 109 800 profissionais trabalhando na educação infantil e apenas 4%; no Canadá 3,4%; nos Estados Unidos, 3,2%; na Nova
Zelândia 2%; na Dinamarca e na Noruega 9%, aproximadamente[3].
Por
que temos um número tão pequeno de homens atuando como professores na
educação básica e na educação infantil, de uma forma geral?
Durante
a apresentação que eu assisti, alguns fatores podem explicar essa diferença, baseados em dados internacionais. Há a questão da
desvalorização da profissão docente e ainda fatores culturais e o próprio machismo. Há o problema do
status e dos baixos salários e alegação de que os homens não teriam habilidades
necessárias para cuidar das crianças como, por exemplo, saber trocar fraldas. Além
disso, não há políticas públicas de incentivo para o ingresso na carreira do
magistério.
Um
dos argumentos que se destaca é parte da ideia de que os homens são potencialmente perigosos em contato com crianças e
adolescentes. Este fenômeno é chamado de Androfobia que, segundo a psicologia,
é um “distúrbio psicológico que gera um medo
irracional, constante e intenso em relação aos homens” [4]. A ideia de que homens são perigos, podem ser predadores sexuais
e que não devem ser inseridos em meio nos quais há indivíduos incapazes de se
defender. Esta fobia social passou a ser senso comum entre homens e mulheres.
Um homem, portanto, não pode ter acesso a corpos infantis ou femininos como se isso acionasse um gatilho para a violência. Tal lógica é, no mínimo, doentia.
Com um pequena diferença, eu pude identificar estes mesmo fatores em artigos jornalísticos e científico que li sobre o assunto, no Brasil. O que demonstra uma certa regularidade no que diz respeito a práticas culturais e sociais em diferentes regiões do planeta. Aparentemente, a ausência de homens e mesmo as justificativas ela seguem uma tendência global.
Quando visitei uma escola de educação infantil, lembro-me de ter
visto quatro homens: dois professores, um cuidador e o diretor. E eu achei
aquilo fantástico. Na minha experiência de quase 30 anos de magistério eu conheci,
no Brasil, apenas um homem que trabalhava com educação infantil, entre mais de
350 professores da rede municipal de ensino da minha cidade. Há professores de
educação física, homens, que desenvolvem atividades com as crianças, mas
professores responsáveis por uma turma eu realmente desconheço.
Mas por que ter professores homens na educação infantil? Dos
argumentos apresentados destaco os seguintes:
- promover a igualdade de gênero entre os profissionais de
ensino, rompendo com preconceitos a acerca dos papeis de homens e mulheres na
educação formal;
- a necessidade de haver um modelo masculino para as crianças,
visto que, em muitos casos, há família nas quais os homens estão ausentes;
- homens possuem algumas habilidades que podem complementar as
habilidades das mulheres;
- os pais (homens) sentem-se mais a vontade em conversar com
outros homens;
- a maior presença dos homens pode vir a elevar o status e o salário
na educação infantil;
- mostrar que homens e mulheres podem desempenhar o mesmo papel
no cuidado e educação das crianças.
Não vou dizer que concordo completamente com todos estes
argumentos, mas entendo que eles trazem um ponto de vista diferente daquele que
eu tinha até então. Uma coisa me chamou a atenção foi a questão da elevação do
status. A presença de homens em uma profissão como fator de elevação do salário
demonstra que mesmo numa sociedade na qual se prega a igualdade de gênero ainda
prevalece uma mentalidade patriarcal. Isso me faz refletir sobre a questão do
ensino superior no Brasil, no qual prevalecem os professores homens e o salário
e status é muito maior. Há uma lógica, apesar de perversa, mas realista:
profissões nas quais a presença masculina é maior possuem, também,
reconhecimento e status mais elado, o que reflete em maior ganho salarial.
De uma forma geral, eu concordo que deve haver mais homens
trabalhando tanto na educação infantil quanto no Ensino Fundamental. Os
argumentos apresentados contra são falaciosos e cercados de preconceitos. A
educação das crianças deve ser compartilhada entre homens e mulheres sem
qualquer discriminação de gênero.
[1] 80% dos
docentes da educação básica brasileira são mulheres (2018). Disponível em: <
http://fundacaotelefonica.org.br/noticias/80-dos-docentes-da-educacao-basica-brasileira-sao-mulheres/>.
Acesso em 09 de abril de 2020.
[2] PENSANI, Renata.Por
que há tão poucos professores homens na Educação Infantil?Disponível em: <https://lunetas.com.br/homens-na-educacao-infantil/>.
Acesso em: 09 abr. 2020.
[3] GONÇALVES, Ricardo.
Men in preschool. Örebro Universitet, 2020.
[4] THOMÁS, Augusto.
Androfobia: conheça mais sobre a fobia de homens. Disponível em <https://www.telavita.com.br/blog/androfobia/>.
Acesso em: 09 abr. 2020.
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