segunda-feira, 6 de outubro de 2025

VIADUTO, HQ DE ANA LUISA KOEHLER

 

Pensem em um quadrinho que reúne uma história interessantes e uma arte quase etérea. É assim que eu vejo as obras de Ana Luísa Koehler, desde que li pela primeira vez "Beco do Rosário". Viaduto é uma sequência desta primeira obra, ambientada na cidade de Porto Alegre, na década de 1930, e que traz como protagonistas Vitória, uma jovem negra, idealista e jornalista, e Frederica, uma mulher branca de elite que depois de um divórcio escandaloso foi afastada pela família e agora se dedica à música e à boemia, trabalhando como pianista em um clube.

Imaginem, uma mulher, negra, jornalista, no início do século XX, justamente em Porto Alegre, uma cidade com forte influência da imigração europeia, notadamente alemã. Imagine uma mulher branca de elite que quer viver uma vida sem regras e que coloca sua música e liberdade em primeiro lugar. Este contraste e a amizade que nasce da vontade destas mulheres de quebrarem paradigmas, enfrentando o sexismo e o machismo da época, já é suficiente para tornar enredo atraente.

Em "Viaduto", temos como pano de fundo a obra de construção do viaduto Otávio Rocha, marcada por problema de cunho econômico, como a falta de recursos. O ano de 1930 é um momento tanto de mudança política, com a acessão de Vargas, quanto econômica, com os primeiros efeitos da crise de 1929. Vitória está cobrindo matérias sobre a obra. Ela agora já e uma jornalista estabelecida e com uma reputação construída. Ela leva para a comunidade, por meio da mídia, os problemas que são trazidos pela obra.

Outros personagens que marcaram "Beco do Rosário" vão sendo introduzidos, como Téo e Fabrício. O leitor vai adentrando em suas vidas, descobrindo o que eles se tornaram, já passados mais de 15 anos dos acontecimentos que marcaram “Beco do Rosário”.  Porto Alegre, como cidade, mudou. Agora vê-se ao horizonte arranha-céus e as avenidas largas tomaram conta dos antigos becos. A vida dos personagens também está diferente. Eles agora estão em caminhos distintos, embora venham a se cruzar em "Viaduto".

Tanto “Beco do Rosário” quanto “Viaduto” foram trabalhos que resultaram de uma exaustiva pesquisa de campo na qual a autora, a partir e um trabalho de memória urbana, pesquisou em jornais de época e outas fontes, como documentos oficiais, para poder reconstituir a cidade de Porto Alegre antes e durante a reforma urbana, iniciada em 1914, dentro do Plano Geral de Melhoramentos, elaborado pelo arquiteto João Moreira Maciel.

O Plano Geral de Melhoramentos foi uma versão da reforma urbanos do Rio de Janeiro, capitaneada por Pereira Passos, entre os ano de 1902 e 1906, também marcada pelo higienismo social (doutrina do século XIX que ligava a saúde e o bem-estar de uma nação ao comportamento individual e às condições urbanas), por uma visão preconceituosa da população de baixa renda, que vivia nos becos da cidade. 

Koehler traz uma história que envolve tanto famílias afetadas pela reforma quando pessoas da elite, que exaltam a chagada do “progresso” e da “civilização”. Por isso, apensar dos personagens centrais da trama sejam ficcionais, há “participações especiais” de personagens que realmente existiram, e que estivem envolvidos nas mudanças urbanas da cidade. Uma história em quadrinhos com personagens forte e envolventes e que é resultado de um exaustivo trabalho de pesquisa e de execução.

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