sexta-feira, 29 de agosto de 2025

COMENTANDO PEDRO E O IMPERADOR

Tentando colocar as leituras em dia, ou pelo menos tentar diminuir a pilha de livros de quadrinhos que tenho para ler, eu hoje fiz a leitura de "Pedro e o Imperador", quadrinho de ficção criado pelo mineiro de Juiz de Fora, Batista e a impecável quadrinista portuguesa Joana Afonso.  A HQ faz parte das ações do Programa Brasil em Quadrinhos desenvolvido pelo Ministério das Relações Exteriores -  Itamaraty, desde 2019, e que tem por objetivo articular as indústrias criativas brasileiras com suas ações de difusão cultural no exterior. 

A HQ "Pedro e o Imperador" foi lançada graças a este programa, que envolveu a embaixada do Brasil em Portugal e a de Portugal no Brasil, dentro das comemorações do bicentenário da Independência, comemorado em 2022. Ela narra uma série de interações entre o espírito de Dom Pedro I e seu filho, O Imperador Pedro II, que começam por ocasião do falecimento da princesa Leopoldina, filha caçula de D. Pedro II, em 1871, na Áustria.

O fantasma do pai (embora ele não se classifique desta forma) passa a acampar o filho até sua morte no exílio,  em Paris, em 1892. O espirito de D. Pedro I estimula o filho a conhecer o mundo e o acompanha em suas viagens, Lisboa, Egito, Filadélfia e Alemanha. As viagem do Imperador que desejava ser um cidadão do mundo e que, na sua ausência do Brasil, queria tentar ser uma pessoa comum, um viajante. Aliás, para quem tiver curiosidade, é possível acessar a transcrição dos 43 volumes dos diários do imperador d. Pedro II, escritos entre 1840 e 1891, no site do Museu Imperial (clique aqui). 

Pai e filho falam sobre as dificuldades de governar, sobre a questão da escravidão, discutem sobre a possibilidade de uma República e até debatem sobre o prenso liberalismo de Pedro I, ironizado pelo filho. Falam de coisas triviais como o amor e sobre as frustações de cada um com a vida. Discordam de muitas coisas mas reafirmam seu sentimento de pertencimento com relação ao Brasil. Há, inclusive, alusão à frase de D. Pedro II, que quando perguntado o que faria quando não fosse Imperador teria afirmado que seria professor.

 A HQ é um ficção histórica que resgata alguns episódios da vida do Imperador D. Pedro II, afastado do pai ainda aos 5 anos de idade, e que também aborda temas que dizem respeito à vida destes dois personagens da História do Brasil, que conversam sobre suas frustações, falam de arrependimentos. Longe de ser uma obras historiográfica, trata-se de uma ficcionalização do passado cujo objetivo é a reflexão do que a exaltação do fato.

Um quadrinho agradável e que desperta a curiosidade, com passagens bem humoradas, apresentando um D. Pedro II menos rígido e mais bem humorado. Vale a leitura.

sábado, 2 de agosto de 2025

GATILHO - ARMAS E SAÚDE MENTAL


Na minha última semana de recesso eu comecei assistir a série dramática sul coreana 'Gatilho" (Trigger), que estreou na Netflix. Na abertura do primeiro episódio já podemos entender a base do enredo: a saúde mental. São apresentados dados que apontam para a questão da saúde mental dos sul-coreanos, inclusive sobre os índices elevados de suicídio.  Em psicologia, "gatilhos emocionais" podem causar ansiedade e outros desconfortos. E isso é explicado já no primeiro episódio. O título é sensacional, porque ele resume justamente as duas questões que são tratadas na série: o uso de armas e os problemas psicológicos que se tornaram comuns no país.

Pelo resumo da série eu já sabia que se tratava de um drama policial, mas, então, já no segundo episódio, caiu a ficha: é uma distopia. Para quem não sabe, a distopia é um tipo de ficção que retrata cenário caóticos ou apocalípticos, nos quais a comunidade vive um regime de violência ou opressão. As pessoas às vezes relacionam cenários distópicos a obras de fantasia ou ficção científica, mas não é necessariamente assim. Em "Gatilho" temos uma distopia que remete a um "SE". O que aconteceria se... a população da Coreia do Sul tivesse acesso às armas de fogo?

No drama, as armas de fogo são distribuídas gratuitamente por uma organização criminosa internacional, explorando principalmente pessoas com traumas, transtornos mentais e com tendências violentas. Nas mãos destas pessoas verdadeiros massacres acontecem, uma vez que elas passam a recorrer à violência quando levadas ao limite. É o gatilho, induzido por uma situação traumática ou vexatória que leva uma pessoa comum como uma dona de casa, um estudante ou uma enfermeira a matar outas pessoas.

Na Coreia do Sul existe uma política rígida sobre o porte de armas. Elas praticamente são de uso policial e militar e para prática de esportes (mas mesmo assim sob rígido controle da polícia).

“A Coreia do Sul tem políticas rigorosas de armas. Licenças de caça e esportivas são emitidas, mas qualquer arma de fogo usada nessas circunstâncias deve ser armazenada em uma delegacia de polícia local. Os rifles de ar também precisam ser armazenados nas delegacias de polícia; bestas e dispositivos de choque elétrico também são classificados como armas de fogo, mas sua retenção privada é permitida. Tasers são proibidos, e possuir uma arma de brinquedo sem uma ponta laranja é estritamente proibida. A violação da lei de armas de fogo pode resultar em multa de US$ 18.000 e até 10 anos de prisão”[1]

Por isso, quem já assistiu um drama sul coreano deve ter percebido que os bandidos usam facas, até espadas, mas não portam armas. Inclusive, a Coreia do Sul está implementando o uso de armas menos letais pela polícia, como taser e pistolas de baixo risco, para situações de menor potencial de violência. Inclusive o protagonista, um policial que foi x-sniper do exército coreano não usa armas de fogo, apenas armas não letais.

E este é uma das questões levantadas pelo k-drama: se é ou não necessário usar armas de fogo para combater o crime. O protagonista Yi-do (Kim Nam-gil) acha que não, embora, por força das circunstâncias, seja obrigada novamente a usar uma arma. No entanto, ao longo de toda a trama ele se coloca muito mais na posição de quem protege a vida do que a tira.  O uso de armas de fogo por civis também é outra questão. São usados argumentos clássicos em sua defesa, tal como “se eu tiver uma arma posso me defender”, ou “se eu tiver uma arma não serei uma vítima”, assim como tantos outros argumentos usados pelos defensores do porte livre de armas.

A série é realmente muito interessante. Não vou escrever mais sobre ela para não dar spoilers. Apesar de pensada dentro da realidade sul-coreana, acho que Trigger tem muito a ensinar e nos fazer refletir sobre a violência e o que nos torna violentos. É bom lembrar que nos últimos anos têm crescido o discurso de ódio em todo o mundo, em parte alimento justamente pela insatisfação, o medo e ansiedade crescente na sociedade contemporânea. Além da trama, muito bem montada, outro ponto forte da série é o elenco. Dos protagonistas ao elenco de apoio, todos dão um show de interpretação. Recomendo para quem gosta do gênero.


[1] Legislação sobre armas de fogo. Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Legisla%C3%A7%C3%A3o_sobre_armas_de_fogo#:~:text=A%20Coreia%20do%20Sul%20tem,uma%20delegacia%20de%20pol%C3%ADcia%20local.>. Acesso em 2 ago. 2025.