Onde
está a criatividade?
Esta
é uma pergunta que tem sido cada vez mais difícil de responder. Como professora,
eu tenho me sentido muitas vezes perdida.
Enquanto
que a maioria esmagadora do sistema educacional brasileiro exige que os
resultados das avaliações sejam os melhores, em termos numéricos, por outro
lado a qualidade da aprendizagem tem deixado muito a desejar.
Há
vinte anos atrás, quando comecei a lecionar eu imaginava que, no futuro, meus
alunos seriam mais criativos, mais conscientes e mais comprometidos. Não que eu
já não tivesse um bom conceito sobre eles. Muito pelo contrário. Em diversos
momentos eles me surpreenderam com resultados excepcionais. Da década de 1990
guardo as melhores recordações, nesse sentido. Aqueles foram alunos que me
marcaram, não pelas notas que tinham, mas porque eu via naqueles meninos e
meninas um potencial enorme.
Hoje
eu encontro com alguns deles e tenho uma sensação muito boa, porque eu sinto
que eles estão felizes, que tem perspectivas para o futuro, eles têm sonhos,
planos.
Qual
é a diferença daqueles alunos para os que possuem atualmente (com algumas exceções,
claro)?
Eles
foram e eram mais criativos.
Vou
esclarecer o que eu penso sobre criatividade, antes de tudo. Para mim a
criatividade é aquela capacidade de usar o raciocínio lógico de forma a
encontrar soluções para problemas.
É
a capacidade de superar desafios mesmo quando os recursos materiais e/ou
humanos que se dispõe são limitados. A criatividade é aquela ferramenta
fundamental para que uma pessoa possa suprir determinada falha ou mesmo a falta
de determinado conhecimento.
É
isso que tem, a meu ver, faltado aos meus alunos. Eles estão se habituando tanto
a copiar e reproduzir que estão perdendo a oportunidade de desenvolver a
criatividade. Fazer conexões, usar a lógica criar ao invés de copiar, têm sido
operações cada vez mais difíceis.
Um
exemplo simples: toda véspera de prova eles me pedem um resumo. Eles querem que
eu condense em uma folha tudo aquilo que estudamos durante um ou dois meses. Toda
véspera de prova eu repito o mesmo discurso: o resumo é a síntese do que VOCÊ
estudou, portanto EU, PROFESSORA, não posso fazer isso por você.
Se
eu fizesse, o que aconteceria?
Eles
iram decorar, tirar notas boas e esquecer.
Eu
prefiro uma nota regular, resultado do esforço e de um conhecimento realmente
apreendido, do que uma nota máxima resultado da mera reprodução de um conteúdo
decorado e que será, certamente, esquecido.
Percebem?
Copiar, decorar e reproduzir.
Assim,
claro, as notas serão boas. O aluno, de forma geral, não parece entender que
ele deve produzir, deve usar seu raciocínio e chegar ao conhecimento. O
professor orienta, mas ele não pode executar essa operação para o aluno. Isso é
aprendizado.
Ah,
mas os alunos não gostam de ler, logo não sabe interpretar, logo não consegue
entender o que está escrito numa atividade.
Ah,
mas o aluno tem um vocabulário ruim, não faz conexões simples.
Nada
disso é uma inverdade, mas eu percebi que estamos esquecendo-se da questão mais
importante: isso é falta de criatividade. Tanto os professores precisam ser
criativos e estimular a criatividade, quanto os alunos têm que ser levados a
desenvolver sua criatividade, em todos os conteúdos, em todos os anos da
educação básica e, inclusive, no curso superior.
(...)
as habilidades criativas são de crucial importância no processo de preparação
dos alunos para lidar com o mundo complexo e cheio de desafios. Contudo,
percebe-se que a criatividade no contexto educacional, em geral, tem tomado
como base para reflexão o senso comum e, assim, seu verdadeiro significado e
implicações pedagógicas deixam de ser evidenciados. Essa situação pode levar à
banalização da criatividade, que dessa forma será tratada com simplismo e
permeada por mitos e crenças que lhe conferirão uma visão restrita.[1]
O
aluno criativo ele se expressa melhor, tem mais segurança para desenvolver
atividades e é mais habilidoso para resolver problemas. Ele fala, escreve e age
melhor.
Tenho
uma amiga, Renata Arantes, que é professora de Artes no CEFET. No curso, ela
procura usar a arte de forma a desenvolver essa criatividade. Ela trabalha a
expressão corporal e verbal; ela desinibe os alunos que estão entrando no
primeiro ano do ensino técnico por meio da criação, do teatro e até promovendo
debates na sala de aula, permitindo que o aluno fale de si mesmo e ouça o que
os outros estão falando. A aula de artes prepara o aluno para ser uma pessoa e
um profissional mais criativo.
Outra
amiga, professora de língua portuguesa, trabalha com produção de quadrinhos com
alunos do nono ano. Ela consegue que eles se expressem através do desenho e da
narrativa. Esses alunos também se tornam leitores mais competentes e mais
interessados. Eles podem não ter o melhor domínio da gramática, mas possuem uma
grande capacidade de expressão.
Essas
duas educadoras, e eu poderia citar outras, dão a prioridade à criação, à
criatividade. Uma vez que essa habilidade está desenvolvida e cristalizada, o
aluno pode ter muito mais êxito como estudante, como profissional, como pessoa.
É
importante ter em mente o fato de que as pessoas não nascem criativas. A
criatividade é desenvolvida através de estímulos, desde a infância.
a expressão criativa não
depende apenas das características individuais. O ambiente e o contexto sócio-histórico-cultural
têm um papel fundamental na estimulação ou inibição do potencial criador de qualquer
pessoa, pois somos seres sociais, influenciamos a cultura e o momento histórico
e somos influenciados por eles.[2]
A
escola é o espaço privilegiado onde essa criatividade pode ser estimulada. É
preciso lembrar que, diariamente, crianças e jovens podem passar até seis horas
em uma escola (ou mais). Pesquisas sobre criatividade apontam o professor como
elemento indispensável para incentivar a criatividade.
Infelizmente,
o próprio sistema de trabalho didático-pedagógico adotado pelas instituições de
ensino acaba por contribuir para que o aluno não possa encontrar espaço para desenvolver
sua criatividade.
Os
fatores favoráveis ao desenvolvimento do potencial criativo são reconhecidos
como necessários por parte dos professores, mas o cotidiano escolar é cheio de
limitações e dificuldades que emperram o processo de construção de um ambiente
favorável à criatividade.[3]
Estamos perdendo
nossa capacidade criativa e perdendo a oportunidade de desenvolvê-la. Eu tenho
visto a escola brasileira, no seu geral, ficando cada vez mais conservadora no
sentido em que valoriza cada vez mais o resultado quantitativo em detrimento do
qualitativo. Os números estão matando a criatividade e se confundindo com a
qualidade.
Atualmente eles têm
dominado nossa sociedade. Lembro-me, por exemplo, que os programas infantis dos
canais abertos de televisão faziam sorteios de brinquedos para crianças que
enviam cartinhas ou que participavam de uma brincadeira. Outro dia, vendo um
programa infantil, fiquei desolada: as crianças participam agora para ganhar
dinheiro. “O que você quer ganhar”, pergunta o apresentado. “Mil reais,
responde a criança”.
Não é de se admirar
que os jovens tenham escolhido suas profissões muito mais pelo valor do salário
que irão ganhar do que pela sua aptidão. Os números estão matando a qualidade e
impedindo o desenvolvimento da criatividade: o valor as notas, os prêmios em
dinheiro, o valor do salário.
[1]
ALENCAR, Maria Lima Soriano de OLIVEIRA, Eny da Luz Lacerda Eunice. Criatividade
e escola: limites e possibilidades segundo gestores e orientadores educacionais.
Revista Semestral da Associação
Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 14, Número 2,
Julho/Dezembro de 2010, p. 246.
[2] CASTRO, Julia Soares Rosa de, FLEITH,
Denise de Souza. Criatividade escolar: Relação entre tempo de experiência
docente e tipo de escola. Revista
Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional
(ABRAPEE), Volume 12 Número 1 Janeiro/Junho 2008, p. 102.
[3]
MARIANI, Maria de Fátima Magalhães, ALENCAR, Eunice Maria Lima Soriano de. Criatividade
no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades. Psicologia Escolar e Educacional,
2005 Volume 9 Número 1, p. 27.
2 comentários:
Natânia!
Por isso que eu defendo a questão da autoria. Enquanto o educador não mudar a metodologia e o educando for o centro do processo, criando seus próprios conhecimentos, vamos continuar assim. e com tanta novidade para ver na web, sem uma mediação que leve à reflexão, a um aprofundamento, os jovens ficam na superficialidade. É preciso instigar a resolução de desafios, a motivação, a curiosidade. E a criatividade será então consequência. BJ!
Comecei a dar aulas recentemente e seu texto expôs exatamente o que percebi em sala de aula. Sou professora de história e percebi que grande parte dos meus alunos não gostam de pensar, e sim, de decorar a matéria, por mais que eu repita que não é assim que se estuda. As provas são quase uma cópia do livro: percebo o mesmo vocabulário, as mesmas expressões, o mesmo raciocínio. É desolador. Ao mesmo tempo, tento procurar implementar atividades mais dinâmicas, mas confesso que encontro algumas resistências, tanto por parte da direção, quanto por parte dos próprios alunos. Outro dia, um aluno do 6º ano pediu que eu passasse um questionário como revisão de prova. A conclusão que tirei disso é apenas uma: ele vai decorar todas as questões pra fazer a prova.
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