segunda-feira, 3 de março de 2025

"AINDA ESTOU AQUI" VAI FICAR NA HISTÓRIA


Ao contrário de uma amiga que realmente entende de cinema, e que tem mais capacidade de fazer uma resenha sobre o Oscar de 2025, eu quero apenas colocar algumas palavras sobre as minhas impressões  pessoais sobre a campanha que o filme "Ainda estou aqui", a partir da vitória no Globo de Ouro, ano passado. Não tem como não destacar, já de início, o efeito que o Globo de Ouro teve para a autoestima nacional. Fazia muito tempo que não tínhamos alguma coisa significativa  para comemorar. A vitória de Fernanda Torres foi como uma lufada fresca de vento numa tarde quente de verão. 

No Brasil, nos últimos anos, temos esquecido do que realmente significa ser brasileiro. O patriotismo tomou rumos tenebrosos, foi ressignificado de forma grotesca e se ao invés de unir, dividiu a nação. Foi o cinema que trouxe de volta aquele orgulho genuíno, perdido já há algum tempo. Pelo menos eu me sinto assim. Eu viajei para o exterior nas  férias e queria entrar no cinema para assistir a um filme brasileiro. Vibrava todas as vezes que via o cartaz do filme, com rostos tão conhecidos no Brasil e que estavam brilhando no exterior. Um orgulho de ser brasileira que havia se perdido há algum tempo.

Em 27 de janeiro, em cartaz num cinema em Chantilly, na França.

A campanha em si, eu a vejo como um movimento de restauração do sentimento de pertencimento, que estava sendo desgastado pela polarização política, pelo ódio às ideologias e ao outro. Algo tão bizarro e sem  fundamento que chega a ser aterrorizante. Aliás, viver no mundo hoje, se pararmos para pensar é uma experiência surreal, na qual o medo aparece sempre como um sentimento latente: medo de ser imigrante, medo de ser gay, medo de ser mulher, medo de ser vitimado pelo racismo, medo até de professar uma religião.


Fernanda Torres comemorando o Globo de Ouro em 2024.

E no meio de tanto medo, "Ainda estou aqui" trouxe a coragem de falar sobre temas sensíveis do presente e do passado. Trouxe não um, mas, vários momentos de reflexão, e, acima de tudo, levou isso para além das fronteiras nacionais. Fez também muitas pessoas comprarem livros. Eu comprei  o livro de Marcelo Rubens Paiva. E não fui apenas eu. O livro aparece como um dos mais vendidos na Amazon. As pessoas lotaram as salas de cinema e compraram o livro. Acho que esta é uma vitória ainda maior do que qualquer outra premiação.

Além disso, fazia tempo que não tínhamos uma projeção tão positiva do Brasil no exterior. Ano passado, numa conferência durante um encontro internacional em Campo Grande (MS), a jornalista e pesquisador Sônia Luyten, que afirmou que temos muitos trabalhos de excelência, que somos pioneiros, mas não somos lidos porque escrevemos em português. Pois bem, temos um cinema com uma longa trajetória e que agora está ganhando o mundo, falando português. Ao projetar o Brasil na cena cultural internacional, o filme não está apenas abrindo caminho para o cinema nacional mas, também, para outras áreas da cultura nacional em terras de não-falantes do português.

Walter Sales e o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2025.

Quanto ao Oscar em si, eu disse a uma amiga, antes da premiação começar, que com ou sem o prêmio nós já ganhamos. No entanto, confesso que quando o Oscar de melhor  filme estrangeiro saiu eu vibrei e quis mais. Fiquei decepcionada pela Fernanda não ter ganhando o Oscar de melhor atriz. Mas tudo bem, já temos o Globo de Ouro. Por fim, termino dizendo que "Ainda estou aqui" fez algo por mim: depois que quase um década, eu passei a noite assistindo o Oscar. Eu já havia abandonado a premiação fazia um bom tempo. Além disso, anotei o nome dos filmes indicados e vou assisti-los um a um. Outra coisa que há algum tempo eu já não fazia. Um dos pequenos milagres de "Ainda estou aqui".

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