Instada  a manifestar-se sobre denuncia de fraude em publicações científicas envolvendo  pesquisadores apoiados pelo CNPq, e diante da inexistência de normas internas  específicas e instrumentos estabelecidos para o tratamento adequado de  ocorrências desta natureza, a Diretoria Executiva decidiu criar, através da  portaria PO-085 de 5 de maio de 2011, uma Comissão Especial constituída por  cientistas brasileiros de grande experiência e liderança, com a missão de propor  recomendações e diretrizes sobre o tema da Ética e Integridade na Prática  Científica.
É,  portanto, com muita satisfação que a Diretoria Executiva recebeu recentemente o  relatório final da Comissão Especial, o qual recomenda que o CNPq adote duas  linhas de ação referentes ao tema: 1) ações preventivas e educativas e 2) ações  de desestímulo a más condutas, inclusive de natureza punitiva. Destacam-se no  documento as excelentes propostas de produção de publicações e materiais  educativos em língua portuguesa, sobre os diferentes tipos de fraude ou má  prática na pesquisa e em publicações científicas. A estes materiais deverá ser  dada ampla divulgação entre cientistas, orientadores acadêmicos e estudantes,  inclusive na forma de disciplinas sobre o tema oferecidas nos cursos de  pós-graduação e graduação. Recomenda-se ainda que o CNPq constitua uma Comissão  Permanente de Integridade Científica, constituída por membros de alta  respeitabilidade e originados das diferentes áreas do conhecimento, à qual  caberá: 1) coordenar as ações preventivas e educativas sobre o tema; e 2)  examinar situações em que surjam dúvidas fundamentadas quanto à integridade da  pesquisa realizada ou publicada por pesquisadores apoiados pelo CNPq, podendo  requerer o apoio de especialistas da área nomeados ad hoc para caso  específico. Caberá também a essa comissão propor à Diretoria Executiva do CNPq  os desdobramentos adequados. O relatório estabelece também algumas Diretrizes de  caráter geral sobre o tema, orientadoras aos pesquisadores e estudantes e que  devem pautar a futura Comissão Permanente nas suas ações subseqüentes.
O  Relatório Final da Comissão será agora analisado pelas instâncias competentes  para seguimento às tratativas pertinentes, mas com o intuito de fomentar as  discussões e acolher sugestões sobre o tema, a Diretoria Executiva decidiu dar  divulgação ao documento com as recomendações.
A  Diretoria Executiva manifesta seu especial agradecimento especial à Comissão  pelo excelente trabalho realizado.
Glaucius  Oliva
Presidente  – CNPq
Brasília, 07 de Outubro de 2011
Relatório da Comissão de  Integridade de Pesquisa do CNPq
A  comissão instituída pela portaria PO-085/2011 de 5 de maio de 2011, constituída  pelos pesquisadores Alaor Silvério Chaves, Gilberto Cardoso Alves Velho, Jaílson  Bittencourt de Andrade, Walter Colli e coordenada pelo Dr. Paulo Sérgio Lacerda  Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, vem  apresentar seu relatório final
Introdução
A  necessidade de boas condutas na pesquisa científica e tecnológica tem sido  motivo de preocupação crescente da comunidade internacional e no Brasil não é  diferente. A má conduta não é fenômeno recente, haja vista os vários exemplos  que a história nos dá de fraudes e falsificação de resultados. As publicações  pressupõem a veracidade e idoneidade daquilo que os autores registram em seus  artigos, uma vez que não há verificação a priori dessa veracidade. A  Ciência tem mecanismos de correção, porque tudo o que é publicado é sujeito à  verificação por outros, independentemente da autoridade de quem publicou.
Como  ilustração, podemos citar alguns exemplos emblemáticos, como o chamado “Homem de  Piltdown” - uma montagem de ossos humanos e de orangotango convenientemente  manipulados, que alegadamente seria o “elo perdido” na evolução da humanidade.  Embora adequada para as ideias então vigentes, a farsa foi desmascarada quando  foi conferida com novos métodos de datação com carbono radioativo. Outros  exemplos podem ainda ser citados, como o da criação de uma falsa linhagem de  células-tronco embrionárias humanas que deu origem a duas importantes  publicações na revista Science em 2004 e 2005. Por esse feito, o autor principal  foi considerado o mais importante pesquisador de 2004. O que seria um feito  extraordinário mostrou ser uma fraude e resultou na demissão desse pesquisador e  na exclusão desses artigos da revista.
Essa  autocorreção, no entanto, não é suficiente para impedir os efeitos danosos  advindos da fraude, seja por atrasar o avanço do conhecimento ou mesmo por  consequências econômicas e sociais resultantes do falso conhecimento. Um caso  exemplar das consequências danosas que podem ser causadas por fraudes  científicas foi a rejeição dos princípios da genética, por meio da manipulação  de dados e informações com objetivos ideológicos e políticos, feita pelo então  presidente da Academia Soviética de Ciências, Trofim Lysenko. Essa falsificação,  mesmo sendo posteriormente contestada cientificamente, trouxe grande atraso na  produção agrícola da então União Soviética, o que contribuiu sobremaneira para a  deterioração econômica e sustentabilidade do regime soviético.
Esses  casos mostram que resultados falsos ou errados podem atrasar acentuadamente o  avanço do conhecimento, sem contar com o custo, financeiro e humano, envolvido  na correção dos desvios. Mais difíceis de serem corrigidos são os problemas  advindos de plágios, onde o verdadeiro autor, seja de descobertas ou de textos,  pode ter seu mérito subtraído com possíveis prejuízos profissionais.
A  falsificação de dados pode ser caracterizada quando as manipulações introduzidas  alteram o significado dos resultados obtidos. Por exemplo, introduzir ou apagar  imagens em figuras podem alterar a interpretação dos resultados. Algumas  situações são consideradas legítimas, como, por exemplo, o emprego de software  de aumento de contraste usado por astrônomos pode revelar objetos celestes  dificilmente identificáveis de outra maneira. Alterações de contraste ou brilho  para melhorar a qualidade global de uma imagem são consideradas legítimas se  aplicadas a toda a imagem e descritas na publicação. Nesses casos a imagem  original deve ser mantida, e publicada como informação suplementar quando  possível.
Além  das referidas consequências danosas da falsificação e do plágio, essas práticas  podem favorecer indevidamente seus autores para conseguirem vantagens em suas  carreiras e na obtenção de auxílios financeiros. Em relação a isso, surge também  como significativa a prática crescente de autoplágio. Em um ambiente de  competição para a obtenção de auxílios financeiros, isso pode significar o  investimento em pessoas e projetos imerecidos, em detrimento daqueles que  efetivamente são capazes de produzir avanços do conhecimento. A existência  de software capaz de identificar trechos já publicados de manuscritos  submetidos tem facilitado a prevenção de plágio e de autoplágio.
Por  todas essas razões as más condutas na pesquisa são assunto de interesse das  agências de financiamento, que devem zelar pela boa aplicação de seus recursos  em pessoas que sejam capazes de produzir avanços efetivos (isto é, confiáveis)  do conhecimento. Isso significa instituir mecanismos que permitam identificar e  desestimular as práticas fraudulentas na pesquisa, e estimular a integridade na  produção e publicação dos resultados de pesquisa.
Para  lidar com esses problemas, a comissão recomenda que o CNPq tenha duas linhas de  ação: 1) ações preventivas e pedagógicas e 2) ações de desestímulo a más  condutas, inclusive de natureza punitiva.
Com  relação às ações preventivas, é importante atuar pedagogicamente para orientar,  principalmente os jovens, nas boas práticas. É também importante definir as  práticas que não são consideradas aceitáveis pelo ponto de vista do CNPq. Como  parte das ações preventivas, o CNPq deve estimular que disciplinas com conteúdo  ético e de integridade de pesquisa sejam oferecidas nos cursos de pós-graduação  e de graduação. Também a produção de material com esses conteúdos em língua  portuguesa deve ser estimulada e disponibilizada nas páginas do CNPq. Como ponto  de partida, algumas diretrizes orientadoras das boas práticas nas publicações  científicas, inclusive nos seus aspectos metodológicos, devem ser imediatamente  publicadas, podendo ser aperfeiçoadas com contribuições subsequentes. Há que se  salientar nessa direção a importância dos orientadores acadêmicos.
Com  relação às atitudes corretivas e punitivas, recomenda-se a instituição de uma  comissão permanente pelo Conselho Deliberativo do CNPq, constituída de membros  de alta respeitabilidade e originados de diferentes áreas do conhecimento.  Deverá caber a esta comissão examinar situações em que surjam dúvidas  fundamentadas quanto à integridade da pesquisa realizada ou publicada por  pesquisadores do CNPq - detentores de bolsa de produtividade ou auxilio a  pesquisa. Com relação a denúncias, é de se cuidar para não estimular denúncias  falsas ou infundadas. Caberá a essa comissão examinar os fatos apresentados e  decidir preliminarmente se há fundamentação que justifique uma investigação  específica, a ser realizada por especialistas da área nomeados ad hoc .  Caberá também a essa comissão, a partir dos pareceres dos especialistas, propor  à Diretoria Executiva do CNPq os desdobramentos adequados. Será também  incumbência dessa comissão avaliar a qualidade do material disponível sobre  ética e integridade de pesquisa, a ser publicado nas páginas do CNPq.
Podem-se  identificar as seguintes modalidades de fraude ou má conduta em  publicações:
Fabricação  ou invenção de dados - consiste na apresentação de dados ou resultados  inverídicos.
Falsificação:  consiste na manipulação fraudulenta de resultados obtidos de forma a  alterar-lhes o significado, sua interpretação ou mesmo sua confiabilidade. Cabe  também nessa definição a apresentação de resultados reais como se tivessem sido  obtidos em condições diversas daquelas efetivamente utilizadas.
Plágio:  consiste na apresentação, como se fosse de sua autoria, de resultados ou  conclusões anteriormente obtidos por outro autor, bem como de textos integrais  ou de parte substancial de textos alheios sem os cuidados detalhados nas  Diretrizes. Comete igualmente plágio quem se utiliza de ideias ou dados obtidos  em análises de projetos ou manuscritos não publicados aos quais teve acesso como  consultor, revisor, editor, ou assemelhado.
Autoplágio:  consiste na apresentação total ou parcial de textos já publicados pelo mesmo  autor, sem as devidas referências aos trabalhos anteriores.
1:  O autor deve sempre dar crédito a todas as fontes que fundamentam diretamente  seu trabalho.
2:  Toda citação in verbis de outro autor deve ser colocada entre  aspas.
3: Quando  se resume um texto alheio, o autor deve procurar reproduzir o significado exato  das ideias ou fatos apresentados pelo autor original, que deve ser citado.
4:  Quando em dúvida se um conceito ou fato é de conhecimento comum, não se deve  deixar de fazer as citações adequadas.
5:  Quando se submete um manuscrito para publicação contendo informações, conclusões  ou dados que já foram disseminados de forma significativa (p.ex. apresentado em  conferência, divulgado na internet), o autor deve indicar claramente aos  editores e leitores a existência da divulgação prévia da informação.
6:  se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo  coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos  individuais.
7:  Para evitar qualquer caracterização de autoplágio, o uso de textos e trabalhos  anteriores do próprio autor deve ser assinalado, com as devidas referências e  citações.
8:  O autor deve assegurar-se da correção de cada citação e que cada citação na  bibliografia corresponda a uma citação no texto do manuscrito. O autor deve dar  crédito também aos autores que primeiro relataram a observação ou ideia que está  sendo apresentada.
9:  Quando estiver descrevendo o trabalho de outros, o autor não deve confiar em  resumo secundário desse trabalho, o que pode levar a uma descrição falha do  trabalho citado. Sempre que possível consultar a literatura original.
10:  Se um autor tiver necessidade de citar uma fonte secundária (p.ex. uma revisão)  para descrever o conteúdo de uma fonte primária (p. ex. um artigo empírico de um  periódico), ele deve certificar-se da sua correção e sempre indicar a fonte  original da informação que está sendo relatada.
11:  A inclusão intencional de referências de relevância questionável com a  finalidade de manipular fatores de impacto ou aumentar a probabilidade de  aceitação do manuscrito é prática eticamente inaceitável.
12:  Quando for necessário utilizar informações de outra fonte, o autor deve escrever  de tal modo que fique claro aos leitores quais ideias são suas e quais são  oriundas das fontes consultadas.
13:  O autor tem a responsabilidade ética de relatar evidências que contrariem seu  ponto de vista, sempre que existirem. Ademais, as evidências usadas em apoio a  suas posições devem ser metodologicamente sólidas. Quando for necessário  recorrer a estudos que apresentem deficiências metodológicas, estatísticas ou  outras, tais defeitos devem ser claramente apontados aos leitores.
14:  O autor tem a obrigação ética de relatar todos os aspectos do estudo que possam  ser importantes para a reprodutibilidade independente de sua pesquisa.
15:  Qualquer alteração dos resultados iniciais obtidos, como a eliminação de  discrepâncias ou o uso de métodos estatísticos alternativos, deve ser claramente  descrita junto com uma justificativa racional para o emprego de tais  procedimentos.
16:  A inclusão de autores no manuscrito deve ser discutida antes de começar a  colaboração e deve se fundamentar em orientações já estabelecidas, tais como as  do International Committee of Medical Journal Editors.
17:  Somente as pessoas que emprestaram contribuição significativa ao trabalho  merecem autoria em um manuscrito. Por contribuição significativa entende-se  realização de experimentos, participação na elaboração do planejamento  experimental, análise de resultados ou elaboração do corpo do manuscrito.  Empréstimo de equipamentos, obtenção de financiamento ou supervisão geral, por  si só não justificam a inclusão de novos autores, que devem ser objeto de  agradecimento.
18:  A colaboração entre docentes e estudantes deve seguir os mesmos critérios. Os  supervisores devem cuidar para que não se incluam na autoria estudantes com  pequena ou nenhuma contribuição nem excluir aqueles que efetivamente  participaram do trabalho. Autoria fantasma em Ciência é eticamente  inaceitável.
19: Todos  os autores de um trabalho são responsáveis pela veracidade e idoneidade do  trabalho, cabendo ao primeiro autor e ao autor correspondente responsabilidade  integral, e aos demais autores responsabilidade pelas suas contribuições  individuais.
20:  Os autores devem ser capazes de descrever, quando solicitados, a sua  contribuição pessoal ao trabalho.
21:  Todo trabalho de pesquisa deve ser conduzido dentro de padrões éticos na sua  execução, seja com animais ou com seres humanos.
Referências
Roig,  M. (2006) Avoiding plagiarism, self-plagiarism, and other questionable writing  practices: A guide to ethical writing. http:// facpub.stjohns.edu/~ roig  m/plagiarism/
Angell,  M. and A.S. Relman (1989). Redundant publication. New England Journal of  Medicine, 320, 1212-14.
International  Committee of Medical Journal Editors.  http://www.icmje.org/ethical_1author.html