sábado, 11 de agosto de 2007

A História no 1o ciclo:Instrumentalizando professores nos primeiros anos do Ensino Fundamental


O texto abaixo foi apressentado como comunicação na ANPUH de Belo Horizonte, em 2002. Foi uma das minhas primeiras tentativas de criar um projeto de integração na escola, através da parceria com professores dos primeiros anos do fundamental, ainda em regime de ciclo. Eu fiz nele algumas revisões mas não mudei muito o corpo do trabalho e espero que os colegas, amigos e leitores possam me ajudar apontado as virtudes e falhas do trabalho (ao lado, foto de alunos da escola e da professora Elizan, durante uma comemoração realizada em agosto de 2005_dia dos Pais).


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O profissional que trabalha com a história, seja ele professor, seja ele pesquisador, tem um compromisso com a construção da identidade da nação. Na prática, percebemos uma grande disparidade entre o que se produz e o que é ensinado nas nossas escolas. Apesar da introdução de um conteúdo mais atualizado, que incentive o debate e que apresente aos estudantes História como uma disciplina dinâmica e prazerosa, é preocupante a dificuldade cada vez maior dos jovens em assimilar conceitos básicos e de associar estes conceitos a fatos decorridos em tempo e espaço diferentes.

Caímos, então, em uma questão que se refere à aprendizagem desse aluno, que não desenvolveu satisfatoriamente habilidades para poder lidar com o conjunto de informações que recebe durante sua vida escolar. Partindo desta hipótese, e tendo como ponto de apoio a teoria da aprendizagem de Ausubel e de Vygotsky, resolvemos buscar a raiz desse problema na história ensinada nos primeiros anos de escolarização, no nosso caso no 1o Ciclo, onde a criança recebe e trabalha os primeiros conceitos. Buscando a melhor forma de desenvolver esses primeiros conceitos, estamos elaborando, em conjunto com professores do 1o Ciclo da Escola Municipal Judith Lintz Guedes Machado, em Leopoldina (MG), um projeto que tem por objetivo identificar e diagnosticar dificuldades na aprendizagem dos alunos.

Esse trabalho, ainda em fase inicial de desenvolvimento, terá como ponto de partida o município, como vetor fundamental para a introdução dos primeiros conceitos históricos para os jovens estudantes. Através da história regional busca-se introduzir busca-se introduzir conceitos históricos básicos e amenizar, algumas das dificuldades apresentadas pelos alunos que são promovidos para o segundo ciclo do Ensino Fundamental e mesmo para o Ensino Médio. Ao mesmo tempo, estamos abrindo o diálogo entre professores de níveis diferentes que atuam no mesmo espaço escolar, ampliando desta forma a ação educadora dentro da própria escola.

Acredito na necessidade de se elaborar um conhecimento voltado para o ensino local, que pudesse ser adaptado ao currículo escolar, levando-se em conta dois fatores: a) as deficiências na formação do profissional, tendo em vista o fato de que o currículo do magistério prioriza a teoria em detrimento da prática; b) a ausência de uma metodologia (ou metodologias) específica para o ensino de História nas series iniciais do 1o ciclo, assim como a falta de conhecimentos específicos em relação à história local e mesmo, nacional. Além disto há também a questão do afastamento das escolas de Ensino Fundamental e Médio das universidades, não ocorrendo uma troca de conhecimentos teóricos e práticos dentro de uma proporção relativamente satisfatória.

Sabemos, no entanto, o quanto difícil é criar uma estrutura desenvolver na escola pública, projetos que envolvam professores de níveis diferentes, mas sabemos também que é necessário chamar para o diálogo todos os profissionais de ensino, sejam eles graduados ou não. Assim, em um segundo momento, buscamos estabelecer parceria com as professoras das séries iniciais do 1o ciclo essa troca mais direta de experiências.

Com a ajuda de professores e especialistas procuramos por idéias práticas e simples de se ensinar história adequando metodologias e buscando através do uso da história local injetar os conceitos de tempo, espaço e de organização social e entre as crianças. Através de um trabalho interdisciplinar. Os resultados iniciais deste esforço serão aqui expostos e avaliados, buscando-se entre os próprios professores aqueles instrumentos que tanto necessitam para efetuar sua tarefa como educadores.

Como trata-se de um trabalho voltado para o ensino de crianças ainda nos primeiros anos de escolaridade, optamos por estabelecer nossa base teórica em Vygotsky e Ausubel. Ambos estudaram o processo de formação de conceitos e de desenvolvimento da aprendizagem e, em alguns pontos sua teoria é muito parecida. Vygotsky, cuja teoria foi fortemente influenciada pelo marxismo, segue a linha sócio-interativa, onde o desenvolvimento do indivíduo é resultado de todo um processo sócio-histórico onde ele se relaciona com a coletividade interagindo com ela, e desta forma construindo seu conhecimento através de sua interação mediada por relações intra e interpessoais.[1]

Ausubel é cognitivista e interacionista. Para ele, a aprendizagem de certos conteúdos depende do desenvolvimento de estruturas mentais específicas. A aprendizagem pode ser mecânica, quando o conteúdo apreendido não é arquivado e organizado na memória e, portanto, é logo esquecido; ela pode ser significativa, quando esse conteúdo é assimilado e passa a fazer parte da estrutura cognitiva. O conhecimento significativo distingui-se do mecânico pelo fato de que ele possui um “significado” para o receptor, que o associa a conceitos pré-estabelecidos.[2]

Vygotsky vê o individuo como ser histórico e social. O meio em que vive influencia o processo de aprendizagem e determina os signos que irão se fazer presentes na vida deste indivíduo. Com que tipo de realidade estamos trabalhando, dentro deste projeto?
A Escola Municipal Judith Lintz Guedes Machado, onde este trabalho foi realizado, atende a uma numerosa clientela, envolvendo crianças residentes na zona urbana, assim como crianças da zona rural. Possui desde o pré-escolar até o Ensino Fundamental (ciclo avançado). Essas crianças em sua maioria pertencem a famílias carentes, onde não há muitas vezes condições mínimas de sobrevivência e para quem a escola é um recurso para tal, um lugar onde a criança encontra comida, roupas e mesmo carinho. A carência é maior entre as crianças do pré-escolar e do primeiro ciclo.

Não poucas são ou foram vítimas de abusos por parte da família e possuem uma grande dificuldade de se relacionar com o grupo. As professoras são, na maioria dos casos, obrigadas a trabalhar o lado afetivo e psicológico em primeiro lugar, antes de dar início ao processo de alfabetização. Para atender às necessidades dessa clientela, há na escola uma supervisora, que assume também o trabalho de orientadora e uma enfermeira, que executa na verdade o trabalho de assistente social, procurando a família, encaminhando as crianças a médicos e aconselhando os pais, muitas vezes ultrapassando o que se exige de sua função.

Uma professora, ao debatermos sobre a possibilidade de executar esse projeto, chamou atenção para esse fator, indicando o livro didático de história e geografia[3], adotado pela escola e apontando para seus alunos, que no momento estavam concentrados executando uma atividade. “ Esta é a minha realidade, não é a realidade de quem escreveu esse livro!”. [4] A professora acrescentou, também o fato de que as crianças encontram-se em diferentes níveis de aprendizagem, e que para ela ainda não fui possível dar início ao estudo do conteúdo programático de história e geografia que está da seguinte forma delineado:

Unidade 1 – Você
Unidade 2 – As Famílias
Unidade 3 – Onde Moramos
Unidade 4 – A escola
Unidade 5 - As ruas
Unidade 6 – Os meios de transporte
Unidade 7 – Os meios de comunicação

A primeira dificuldade está no fato de que as crianças ainda não estão alfabetizadas. Elas têm dificuldades com leitura e o livro exige delas um conhecimento que elas não dominam. Entra também aqui o aspecto social, pois a história nessa etapa trata da integração da criança ao meio e à sociedade onde vive. Esse meio, no entanto é extremamente excludente. As mesmas dificuldades apresentadas por essa professora se reproduzem nas outras etapas do ciclo.

Para tentar superar uma parte delas, resolveu-se desenvolver um trabalho de ensino voltado à História Local. A valorização de aspectos relacionados à realidade do aluno e, por sua vez, à uma educação voltada à valorização da memória local e do patrimônio histórico é um recurso do qual desejamos apropriar para tentar alcançar a aprendizagem significativa, tão valorizada por Ausubel, e que se ancora em conceitos relevantes (conceitos que o aluno assimila e que se relacionam a coisas importantes para ele no seu cotidiano).

Na fase em que nos encontramos, estamos debatendo e analisando as melhores alternativas para trabalhar o tema “história local” na sala de aula, em cad etapa do ciclo. As reuniões com as professoras estão correndo mensalmente, devido ao pouco tempo que elas desce e das obrigações que possuem fora da escola – todas são casadas. No segundo semestre de 2002 (agosto) iremos dar início a uma ação mais direta, unindo teoria e prática. O papel do professor de historia, aqui, é o de orientador. Ele fornece ao professor das primeiras séries as informações que ele necessita para elaborar suas aulas. Ao mesmo tempo, ocorre um rico intercâmbio entre ambos, uma vez que professores que trabalham com crianças menores são capazes de desenvolver trabalhos de uma riqueza sem par. São criativos e possuem uma desenvoltura espetacular, que rompe com o academicismo que em muitos casos impede o professor de alcançar o aluno.

A assimilação de conceitos e elaboração de idéias, vinculadas à realidade do estudante, motivam e facilitam o processo de aprendizagem. A escola, ao promover a interação entre história, realidade social e patrimônio cultural colabora para que a comunidade possa a descobrir o significado da memória. O professor e a escola pública, excepcionalmente do Ensino Fundamental são o canais através dos quais esse diálogo e essa descoberta devem se processar.

[1] Para Vygotsky, as relações entre o homem e o mundo são mediadas por signos (elementos que reapresentam ou expressam outros objetos, eventos e situações) e instrumentos (elementos externos ao indivíduo, voltados para fora dele, cuja função é provocar mudanças mos objetos, controlar os processos da natureza). O signo é uma marca externa que auxilia o homem em tarefas que exigem memória ou atenção. A memória mediada por signos é mais poderosa que a memória não mediada – o sistema de signos é uma espécie de código para decifração do mundo. Vygotsky foi influenciado pelas idéias marxistas, especialmente pelo materialismo histórico. OLIVEIRA, Marta Kohl, Vygostsky e o processo de formação de conceitos. In_ Piaget, Vygotsky e Wallon – Teorias Psicogenéticas em discussão. Summus Editorial, 1992
[2] Para que esta aprendizagem ocorra é necessário que os conceitos relevantes e inclusivos estejam adequadamente claros e disponíveis na estrutura cognitiva do indivíduo, funcionando como pontos de ancoragem chamados de subsunçores, para as novas idéias e conceitos, que interagem com conceitos relevantes e inclusivos, sendo eles assimilados. Aquilo que a criança já sabe deve ajuda-la a assimilar novos conceitos, portanto, deve-se explorar a experiência pessoal de cada uma delas, ponto em torno do qual deve orbitar o processo de ensino-aprendizagem. BALDISSERA, José Alberto. O livro didático de história: uma visão crítica. 4a Edição. Ver. _ Porto Alegre. Evangraf, 1994.
[3] o citado livro é: LUCCI, Ellan Atabi. Viver e aprender:história /geografia. 1a série _ 2a ed. – são Paulo: saraiva, 2000.
[4] a professora Sheyla Fontes (31) é formada em pedagogia e trabalha com alfabetização de crianças no turno vespertino da Escola Municipal Judith Lintz Guedes Machado.

8 comentários:

Gilvaniadmc disse...

Como professora de Hist�ria de Educa�o b�sica,acredito que s� poderemos tornar est� disciplina prazerosa para o nosso alunado,quando trabalharmos com temas relacionados com a sua realidade .

Natania A S Nogueira disse...

Sim, eu acho que o ensino dever ser sempre prazeroso e estimulante. Inclusive que se deve pensar em trabalhar a história sempre associada com a educação patrimonial, para que desde pequenos os alunos possam exercitar sua cidadania através da preservação.

Gilvaniadmc disse...

Parabëns pela iniciativa de criar este espaço .
O ensino de História precisa ser revisto, precisamos romper com a velha concepção positivista.O aluno precisa construir um conhecimento historico que esteja relacionado com a sua história
Uma aprendizagem relevante pressupõe que o conteúdo tem de ser trabalhado a partir da cultura experiencial do aluno

Natania A S Nogueira disse...

Eu fiz minha especialização em História Regional e produzi algum material, inicialmente sobre história da educação. Como tempo acabem me engajando no ensino de história, até porque sou professora atuante e meu tempo para pesquisa havia diminuído muito, assim como o acesso às fontes não era assim tão fácil. Resolvi resgatar esta parte da minha vida, criando este blog, para rever o que já fiz e tentar fazer algo novo. Que bom que vc está gostando. :-)

Márcia Frota disse...

Oi Natania,

passei para desejar um feliz 2009.
Muita Paz para vc.

Márcia Frota

Natania A S Nogueira disse...

Obrigada, Marcia!
Um ótimo Ano Novo para vc, tb!!!
:-)

Unknown disse...

Olá amigos, vem aí a 2ª Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB). As inscrições acontecem de 1 de junho a 6 de agosto.
Se puder, nos ajude a Divulgar! =D
A Olimpíada, composta por cinco fases online e uma presencial, é destinada a estudantes do 8º e 9º anos do ensino fundamental e demais séries do ensino médio, de escolas públicas e privadas de todo o Brasil.
Para orientar a equipe, formada por três estudantes, é obrigatória a participação de um professor de história.
A Olimpíada começa no dia 19 de agosto, dia nacional do historiador, data que celebra o nascimento e o centenário da morte do jornalista e historiador Joaquim Nabuco.
A iniciativa é do Museu Exploratório de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2009, a ONHB inscreveu mais de 15 mil participantes e reuniu cerca de 2 mil pessoas na final presencial.
Mais informações acesse o site “www.mc.unicamp.br”

Anônimo disse...

Natânia, bom dia!


O Museu Exploratório de Ciências - UNICAMP recebe até 9 de agosto, em sua página na internet, as inscrições para a 3ª Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB). Composta por cinco fases online e uma presencial, a competição envolve professores e alunos na resolução dos problemas propostos, com o objetivo de estimular o conhecimento e o estudo, despertando talentos e aptidões.
A primeira fase da competição começa dia 15 de agosto. A fase presencial acontece no dias 15 e 16 de outubro, na Universidade Estadual de Campinas.
Podem participar estudantes regularmente matriculados no 8º e 9º anos do ensino fundamental e demais séries do ensino médio, de escolas públicas e privadas de todo o Brasil. Para orientar a equipe, composta por três estudantes, é obrigatória a participação de um professor de história.

Gostaríamos que divulgasse a Olimpíada em seu site/blog, para que professores e alunos interessados pudessem participar.

Visite nosso site:

www.mc.unicamp.br

Quaisquer dúvida envie um e-mail para:

olimpiadadehistoria@gmail.com

Muito obrigado!