sábado, 10 de dezembro de 2022

A REVOLTA DA VACINA EM QUADRINHOS

Terminei esta semana a leitura da HQ "Revolta da Vacina", de André Diniz. Uma obra de ficção que tem como pano de fundo o Rio de Janeiro durante a gestão de Pereira Passos, em plena reforma urbana e sanitária, retratado o movimento da Revolta da Vacina, que envolveu a massa popular e até setores do exército. Uma obra de ficção comprometida com a fundamentação histórica. Exatamente o tipo de HQ que eu gosto.

Muitos autores se aproveitam de fatos ou eventos históricos para comporem a trama e criarem uma narrativa fictícia, às vezes se apropriando de personalidades históricas, ora como protagonistas, ora como personagens secundários. Temos, por exemplo, uma participação de Oswaldo Cruz no quadrinho, e não apenas fazendo uma breve figuração, mas estabelecendo uma diálogo longo com o protagonista. Nessas narrativas temos um pouco de tudo, de romance, de mistério e até fantasia. O diferencial está no compromisso do autor em fundamentar a trama e  não se valer apenas liberdade poética. Eu gosto de classificar esse tipo de HQ de "quadrinho documentado". 

Não é um termo muito bonito, mas acho que serve para descrever um tipo de HQ que  tem a preocupação em citar suas fontes, em introduzir ao leitor os passos da pesquisa que levaram à composição da narrativa e dos personagens. Eles trazem como anexo, por exemplo, textos de especialistas, esboços/rascunho dos desenhos e descrevem o processo de criação. Eu poderia citar como exemplo, "Degenerado", quadrinhos ricamente documentado, de Chloé Cruchaudet, "Rosa Vermelha", de Kate Evans, HQ sobre a qual já comentei aqui, outro quadrinho que tem a preocupação em apresentar documentos e bibliografia e, agora, "Revolta da Vacina".

Conheço André Diniz já há muitos anos e acompanho sua trajetória como autor. Por mais de uma vez, ele já me procurou para pedir opinião sobre suas HQs baseadas em fatos históricos. Por isso, eu sei que esse autor tem uma preocupação legítima com a pesquisa. Em "Revolta da Vacina" eu acredito que ele amadureceu ainda mais nesse quesito. Além de incluir no texto da HQ fatos históricos bem explicados e, em alguns pontos, detalhados, o autor nos presenteia com um anexo rico, com um artigo escrito pelo escritor e historiador Luiz Antônio Simas,  e uma série de charges publicadas durante o período da revolta da vacina, copiladas na HQ.

A narrativa gira em torno do personagem Zelito, um jovem que sonha em ser cartunista, mas que enfrenta desde o descrédito da família às suas próprias questões pessoais. Zelito é um jovem problemático, que deseja o sucesso imediato, não aceita o fracasso e não sabe valorizar aquilo que a vida lhe oferece. Trata-se de uma HQ que coloca em cena não apenas a história do Brasil do início do século XX mas que, também, apresenta o lado sombrio de pessoas que perdem a  noção do limite ao buscar a realização pessoal. 

Há muitos elementos psicológicos na trama e na composição dos personagens que podem ser identificados e, portanto, é um quadrinhos que explora, também, questões mentais. Seu texto é complexo e, ao mesmo tempo, muito simples e fluido. No aspecto físico, a obra em si é muito bonita, com capa dura e miolo impresso em papel de qualidade,  além de estar num preço acessível.

Eu recomendo a leitura para quem gosta de quadrinhos que trazem questões mais densas e para professores que querem ilustrar suas aulas, com uma fonte alternativa para o ensino da história e mesmo nas áreas de sociologia e saúde, incluindo saúde mental.  

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