sábado, 2 de julho de 2022

DESAFIOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS PÓS-QUARENTENA

Imagino que mais de uma centena de textos sobre educação trazem como título a palavra desafio. Desafiar, segundo o dicionário, significa, provocar uma pessoa, incitar alguém para um duelo, combate ou guerra, medir forças durante uma luta ou competição. Para a escola, e os professores, desafiar significa enfrentar todos os dias os obstáculos desempenhar bem sua função. Agora, muito mais do que antes, tem sido uma prova de fogo lecionar.

Estamos diante de uma horda de alunos despreparados para a vida escolar. E esse despreparo não se deve apenas às questão de aprendizagem, de apropriação de conteúdos. O desafio maior tem sido o da convivência. Não apenas a convivência com os professores, mas entre eles mesmos. Falo aqui da minha experiência neste primeiro semestre, com alunos do fundamental II, em escola pública. 

Alunos que não tiveram oportunidade de estudar e frequentar a escola por dois anos. As aulas remotas, realizados por meio de aplicativos, usando o celular, desgastaram os professores e não tiveram muito efeito sobre uma clientela que, muitas vezes, nem celular possuía. A saúde mental tanto de alunos quando de professores também sofreu com a pandemia de Covid-19. O resultado disso, eu tenho testemunhado na escola, às vezes durante minhas aulas, às vezes em relatos de colegas. 

Imagem capturada em: https://www.facebook.com/cnj.oficial/photos/a.191159914290110/1681947658544654/?type=3

O bullying na escola aumentou enormemente, a ponto de resultar, em alguns casos, de violência física, quando a vítima chega ao limite e revida de forma quase desesperadora. É praticamente uma rotina constante ficar atenta a sinais de intimidação entre alunos, buscando evitar qualquer tipo de assédio moral.

A imaturidade é outro ponto. Nesses dois anos de afastamento da escola, os alunos perderam ou não desenvolveram o traquejo básico para conviver com outras pessoas, sejam elas os colegas ou os professores. Temos alunos do sétimo ano que agem como crianças do quinto ano. Crises de choro e de ansiedade se tornaram rotina. 

Tanto professores quanto alunos estão sendo vítimas de violência moral. À falta de limites some-se a falta da educação familiar. Alunos rebeldes e desrespeitosos, muito mais do que antes. Claro, isso é uma generalização. Temos alunos que sabem lidar com o ambiente escolar e com os outros de forma cordial, mas acabam sendo prejudicados pelo contexto geral. São eles, inclusive, os que mais sobre com o bullying.

Ouvi de um colega que uma mãe reclamou que a escola não está educando seu filho, pois ele está desenvolvendo "maus hábitos". Fico imaginando que algumas, não todas claro, famílias pensam que a escola deverá ser responsável pela formação moral de suas crianças. Mas isso não é papel dos pais? Não é a família que cria a base da identidade da criança, lhe ensina valores e transmite sua experiência de vida?

Imagem capturada em: https://twitter.com/kaol_/status/1154072744495108096

É muito complicada a própria relação  entre os alunos. Muitas agressões verbais ou mesmo físicas por conta de coisas irrelevantes. Fiquei assombrada com a reação de alunos mais velhos quando solicitei que mantivessem o distanciamento. Eles começaram se se agredir verbalmente, com xingamentos, e ameaças físicas. E como gritam uns com os outros! 

É visível a instabilidade psicológica dos adolescentes, que estão passando por uma fase da vida caracterizada por muitas mudanças físicas. Essa instabilidade se torna visível na forma como tratam o outro. E o apoio da família parece ter diminuído. Talvez para não ter que assumir a responsabilidade de ensinar, no sentido de educar para vida, muitos pais têm apoiado as más ações dos filhos e sobrecarregando o trabalho dos especialistas. Estamos tendo que repensar o papel da escola e do professor, em particular. 

Neste retorno às aula presenciais eu tenho observado muitos dos meus colegas empenhados em trabalhar. Temos buscado alternativas para suprir a deficiência de aprendizagem. No entanto, ao mesmo tempo somos desestimulados pelo ambiente difícil da sala de aula. Com isso o desgaste físico e emocional diários  tem refletido em adoecimento, o que faz com que professores de afastem da sala de aula temporariamente, interrompendo um ciclo de trabalho que precisará ser retomado no futuro.

Enquanto ambiente social, a escola tem sido palco de relações tóxicas, resultado de dois anos de isolamento que parecem ter feito com que os alunos esquecessem de como é ser aluno. Hoje o desafio não tem sido o ensino-aprendizagem, mas incutir normas básicas de convivência social e respeito ao outro. 

OBS: Este texto é uma autoanálise, uma forma que encontrei de refletir sobre os problemas que tenho e que outros colegas têm tido na pratica docente diária. Sempre acreditei no poder da palavra escrita. Não apenas pensar sobre algo, mas escrever sobre algo pode ampliar a compreensão que nós temos da realidade e de nos mesmos.

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