quinta-feira, 22 de abril de 2021

CASO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO SÉCULO XIX

Lá pelos idos de 1998, quando eu estava ainda começando a me aventurar para além de estudos sobre história da educação e história local, umas das coisas que mais me chamavam atenção quando fazia pesquisas em arquivos em Juiz de Fora eram as notícias relacionadas a crimes e acidentes envolvendo mulheres e crianças. Eu, na época lia e analisava processo processos de divórcio do início da República e Jornais publicados em Juiz de Fora como o Jornal do Commercio (meu preferido) e o Pharol. 

Numa dessas acabei produzindo alguns artigos sobre violência contra a mulher e sobre família no período da Primeira República, que era normalmente meu recorte temporal. Apenas muito tempo depois eu me afastei desse período e comecei a me interessar por História Internacional e História Cultural. Na realidade eu poderia afirmar que meu interesse pela História das Mulheres e pelo privado nasceu dessas primeiras pesquisas, que eu ainda quero retomar, mais de duas décadas depois, assim que eu concluir minha tese de doutorado. 

Mas porque estou falando sobre isso?

Eu tenho assistido como ouvinte aulas da minha orientadora do doutorado, Mary Del Priore. Numas dessas aulas ela nos brindou com o fragmento de um de seus livros mais recentes, "Sobreviventes e  Guerreiras", no qual ela transcreve um trecho de um processo que dá sentença de "capadura"(castração) a um agressor sexual, em Sergipe, no ano de 1833. Segundo ela, um caso raro para época, na qual a justiça raramente condenava agressores. 

Mas o que lei do império determinava?

 

Segundo a pesquisadora Naiara Machado, o “No Código Criminal do Império (1830) o estupro contra mulher honesta era previsto e as penas eram de prisão e pagamento de um dote a vítima. Porém, se a vítima fosse prostituta a pena de prisão de 3 a 12 anos seria reduzida para 1mês a 2 anos. Contudo, não se aplicava pena para aquele que se casasse com a ofendida”. Ou seja, era considerado um crime menor e cuja punição variava de acordo com o status da mulher. 

Se a mulher fosse “honesta”, o estuprador recebia uma determinada punição; se a vítima fosse uma profissional do sexo, esta punição era bem menor, se ocorresse. Além disso, a vítima ainda corria o risco de ser obrigada a casar com o agressor. Dois anos depois, uma mudança no código não trouxe uma punição mais severa, acrescendo-se aí pena de trabalhos forçados ao autor do crime, com um agravante se a ofendida fosse menor de 15 anos.

A legislação em si projeta o pensamento da época no qual as mulheres eram subvalorizadas e seu corpo considerado uma propriedade para os homens, pensamento ainda muito presente na atualidade. Mas esse fato faz do processo acima descrito ainda mais singular, uma vez que a pena para réu vai muito além daquilo que a lei determina, o que sinaliza para um outro tipo de comportamento, que destoa da regra geral da época.

Além disso, texto é muito divertido, uma vez que o vocabulário da época traz alguns termos bem interessantes para descrever determinadas ações. Por exemplo, palavras cujo significado eu não consegui encontrar em dicionários como "abrafolar" ou " conxambranas". Estas duas palavras estão relacionadas ao ato sexual, pelo que entendi e o que puder averiguar em alguns sites que pesquisei.  

O texto em si é não apenas um documento interessante do ponto de vista histórico como também do ponto de vista semântico.  É um texto divertido, embora sua redação original não tenha tido essa intenção. Um documento recomendado para ser trabalho não apenas em aulas de história.

 



FONTES:

MACHADO, Naiara. Uma breve história sobre o crime de estupro. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/51014/uma-breve-historia-sobre-o-crime-de-estupro>. Acesso em 22 de abr. 2021

PRIORE, Mary Del. Sobreviventes e Guerreiras. São Paulo: Editora Planeta, 2020.



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