Imagem capturada em: http://movasaomateuspdluizsutter.blogspot.com/2011/05/analfabetismo-funcional-uma-triste.html |
Eu tinha por hábito vasculhar as páginas dos
jornais locais em busca de notícias interessantes que eu reproduzia e/ou
comentava em meu blog. Nada muito pretensioso ou com intenção de promover algum
profundo debate historiográfico. Era mais pelo desejo de buscar no passado alguns
fragmentos da história local de Leopoldina que fossem interessantes e que
ajudassem a contar alguma história ou mesmo a refletir sobre algum tema do
presente.
Hoje, motivada pelos acontecimentos do fim
de semana (o incêndio do nosso Museu Nacional da Quinta da Boa Vista) eu me
senti compelida a retomar a este velho hábito e li alguns exemplares da Gazeta
de Leopoldina[1],
disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. A princípio, era meu
desejo procurar algo sobre as comemorações da Independência do Brasil, mas o
destino quis que eu me deparasse com uma matéria cujo título me chamou atenção:
"O maior problema".
Trata-se de uma coluna, sem autoria declarada, que
fala sobre a questão da educação no Brasil, há 85 anos atrás. Um texto
tão atual que eu preferi reproduzi-lo aqui na íntegra antes de inferir minhas
criticas acerca do seu conteúdo.
O MAIOR PROBLEMA
Rio, (UBI) - Em todos os grandes países do
mundo, o problema da instrução apresenta-se à frente de todos os outros,
despertando o maior carinho por parte dos governos.
Entre nós, apesar do seu indiscutível incremento, nestes últimos anos, ele vive ainda numa espécie de abandono criminoso, relegado à categoria mais ínfima.
No entanto, poderíamos exibir estatísticas interessantes, provando, por exemplo, o que se faz na Itália, na Inglaterra, França e Alemanha, principalmente nestes dois últimos países, pela instrução pública.
É conhecido o pensamento sobre o assunto, do velho Bisrmarck[2].
A alfabetização de um povo está ligada à sua independência. Não se pode sem cultura ocupar nenhum lugar significativo na civilização.
O Brasil, vivendo agora o período de sua adolescência, devia voltar-se todo para a solução desse problema, que é o mais grave que se nos defrontamos.
As estatísticas apresentam um coeficiente triste de crianças que, em idade escolar, deixam de receber instrução, porque não podem frequentar as escolas.
Isso é quase um crime.
O analfabetismo tem feito um número espantoso de vítimas no Brasil.
Quantas inteligências à ignorância desvia para as diversas modalidades do crime!
A instrução corrige, aperfeiçoa, regenera.
Nestes últimos anos temos feito alguma coisa pela instrução, mas, na realidade, muito pouco, comparado com o que, com esforço, poderemos fazer pela alfabetização do povo brasileiro.
Gazeta da Leopoldina. Leopoldina, 22 de outubro de 1933, n. 151. p. 02.
O texto, escrito há 85 anos, durante o período do
governo provisório de Getúlio Vargas, externa a preocupação com a alfabetização
da população, que não tinha acesso à escola pública. Notem o trecho em que o
autor do texto afirma “Não se pode sem cultura ocupar nenhum lugar
significativo na civilização”.
Sem cultura, segundo o autor, estavamos nos afastando da civilização e permanecendo, desta forma, num estado de barbárie. Quase um século depois ainda estamos perdidos em um mar de ignorância. O autor do texto também frisa a importância da educação para afastar o indivíduo da criminalidade e criminaliza o governo que não investe na educação.
Certamente haverá quem diga que hoje o número de
analfabetos é muito reduzido e que a escola pública está ao alcance de todos.
Será mesmo?
Segundo Carlos Delabo Rebouças (2017)[3], em um artigo publicado no site “Comunidade ADM”, o Brasil hoje sofre com outro tipo de analfabetismo, o funcional. Cerca de 90% dos brasileiros não sabem ler e escrever com qualidade, são incapazes de compreender textos simples, e muitas vezes se consideram capacitados simplesmente por portarem um diploma, seja ele da educação básica ou superior.
Em uma reportagem mais recente, de Lorena Costa, para a Gazeta do povo, publicada em 17 de julho de 2018, a autora afirma que "Apenas 8% da população brasileira entre 15 e 64 anos é plenamente capaz de entender e se expressar corretamente. Já o restante apresenta dificuldades, em graus diferentes, de entender e elaborar diversos tipos de texto, interpretar tabelas e gráficos e resolver problemas lógicos e matemáticos".[4] Junte a isso o número de analfabetos (não possuem nenhuma habilidade de leitura e escrita) que era de 7%, cerca de 11,46 milhões em 2017, segundo o IBGE[5].
Um grande número de pessoas possuem uma grande dificuldade em entender o que
leem, o que explica manifestações de demonização de livros e de textos
publicados em revistas e jornais. A ignorância a respeito do que se lê conduz
ao preconceito e à incapacidade de entender as mudanças que a sociedade vem
sofrendo ao longo dos anos. Leva pessoas a desconsiderarem o trabalho de
autores renomados como Paulo Freire, filósofo da educação cuja a teoria e obra
são estudadas em vários países.
Retornando ao texto publicado pela Gazeta de Leopoldina, em 1933, percebemos que ele em nenhum momento fala do ensino privado, mas do público.
Investimento no ensino público como uma forma de desenvolver o país e seu povo,
a exemplo do que já na época acontecia em outras regiões, notadamente da
Europa. O autor anônimo do texto jornalístico de 1933 concorda com os analistas da atualidade quanto à solução para o problema: investimento em políticas públicas voltadas para a melhoria da educação.
Eu,
particularmente, sou contra dizer que a situação do ensino atualmente é culpa
de um ou outro governo. O texto transcrito acima é da década de 1930 e
reproduz, a parte alguns anacronismo, nossa realidade, em pleno século XXI. A
República, em sua totalidade nunca investiu de forma continuada na melhoria da
educação e na valorização da cultura no Brasil. Tivemos ações que melhoraram de
alguma forma o acesso à escola mas não necessariamente a qualidade do ensino.
Pecamos principalmente na formação de professores. Criamos um sistema de distribuição de diplomas que
se traduz em números vazios. Temos muitos professores diplomados, mas a maioria
não possuí o preparo mínimo para a atuar na sala de aula. Além disso, convivemos com a triste realidade da perseguição aos professores, muitas vezes reféns de discursos conservadores que desejam limitar suas ações em sala de aula, tirando deles o direito constitucional à liberdade de expressão.
E se durante estes 85 anos nós tivemos conquistas,
e não há como negá-las, mas elas vivem em constante ameaça num país onde boa parcela da classe política acredita que investimento em cultura, pesquisa e educação são supérfluas. A Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 55, por exemplo, impõe um teto aos gastos públicos, e barra qualquer possibilidade de investimento na área da educação por
duas décadas.
Enquanto ainda me permitem ter e externar minha opinião, eu acredito que a PEC 55 deveria prever 20 anos de investimento intenso na educação, e não o contrário.
Enquanto ainda me permitem ter e externar minha opinião, eu acredito que a PEC 55 deveria prever 20 anos de investimento intenso na educação, e não o contrário.
As medidas de austeridade que vêm sido tomadas nos últimos anos estão levando as universidades públicas ao sucateamento ainda mais acelerado. Os centros de pesquisa
estão sendo abandonados, museus e centros culturais relegados à própria sorte,
bolsas de iniciação científica, que a muito custo foram conquistadas, estão
sendo canceladas e há uma forte corrente conservadora a favor a privatização do
ensino e da criminalização da ação dos educadores, acusados de doutrinação
ideológica por uma ala extremista de direita.
Recuando no passado, percebemos que há muito mais
permanências do que mudanças. Que as conquistas que tivermos estão sob
constante ameaça e que só existe uma forma de superar a os problemas que o país
vive: investindo na educação de qualidade, começando pela formação de
professores e tornando a carreira do magistério atraente aos jovens talentosos. Bons professores se traduzem em boas aulas, numa escola mais dinâmica e capaz de atender às necessidades da nossa sociedade.
[1] Para esclarecimento do leitor, A Gazeta de Leopoldina foi
uma periódico fundado no final do século XIX pela família Ribeiro Junqueira,
oligarquia que por décadas dominou o município e regiões próximas, e seu
posicionamento político era conservador e de direita.
[2] Primeiro ministro da Prússia, responsável pelo projeto e
efetivação da unificação alemã, foi um grande incentivador do ensino e da pesquisa científica na Alemanha do final do século XIX.
[3] REBOUÇAS, Carlos
Delano. Analfabetismo funcional no Brasil. Comunidade ADM. Disponível
em: http://www.administradores.com.br/artigos/academico/analfabetismo-funcional-no-brasil/103313/.
Acesso em: 04 set. 2018.
[4] COSTA, Lorena. Analfabetismo funcional é
resultado de ausência de políticas públicas. Gazeta do Povo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/analfabetismo-funcional-e-resultado-de-ausencia-de-politicas-publicas-cfawiypv9sm9alpw4xevbuj0u/.Acesso em: 04 set. 2018.
[5] BOAS, Bruno Villas. Analfabetismo cai no
Brasil, mas 11,5 milhões não sabem ler, diz IBGE. Valor Econômico. Disponível
em: https://www.valor.com.br/brasil/5533911/analfabetismo-cai-no-brasil-mas-115-milhoes-nao-sabem-ler-diz-ibge . Acesso
em: 04 set. 2018.
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