domingo, 26 de fevereiro de 2012

Leopoldina: O Carnaval entre quatro paredes: o Estado Novo e o controle da malandragem

Segue um texto no qual trabalhei estes dias. É um fragmento de um texto maior. Não fiz uma revisão minuciosa, mas resolvi colocar no blog justamente para poder receber possíveis críticas e sugestões de quem se arriscar a fazer sua leitura.

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Baile de carnaval na década de 1930
Disponível em: 
http://www.liratenisclube.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=147, acesso em 23/02/20112 


Com a Revolução de 1930 e o fim da política das oligarquias o Brasil passou por uma série de mudanças que ocorreram em vários setores da sociedade. Na então inaugurada Era Vargas, houve uma aproximação maior do Estado com a população mais pobre, com o trabalhador. Este, por sua vez, passa a ser valorizado como peça fundamental para o desenvolvimento do país. Com a instalação do Estado Novo intensifica-se o esforço de cooptação das massas urbanas e o operário ganha espaço tanto no discurso governista quanto na arte e cultura popular.

 

Buscava-se quebrar o paradigma que por séculos foi cultivado e reforçado pelas elites de desqualificação do trabalho. O Brasil pretendia, então, tornar-se um país desenvolvido e investia na sua industrialização. Era necessário combater qualquer tipo de imagem ou ideia que contradissesse o pensamento do governo.

 

Neste momento investiu-se no orgulho e na realização advindas do trabalho e buscou-se combater a pobreza, como forma de criar-se uma imagem positiva do Brasil. Pra este fim, “O governo Vargas soube aproveitar-se dessa cultura popular para divulgar e reforçar o processo de formação da identidade nacional unindo samba e política” [1] Buscava-se uma aproximação com a cultura popular por meio de um ritmo que invadia todos os ambientes, na década de 1930: o samba.

 

Surgido como gênero distinto e identificável nas duas primeiras décadas de nosso século, o samba tornou-se, vinte anos mais tarde, na década de 1930 portanto, o gênero de música popular brasileira mais difundido, conhecido e aceito em todo o país.

(...)

Contribuíram para isso seu uso no carnaval, mas, principalmente, sua difusão pelo rádio, que na década de 1930 alcançava todo o território nacional, tornando-se o mais importante meio de comunicação. A partir principalmente de 1937 e até o final do Estado Novo, em 1945, houve um motivo complementar e poderoso para isso: a cooptação do samba pelo governo getulista para impor o seu projeto de nação.” [2]

 

O samba e o carnaval passaram a ser uma preocupação do Estado. Inicialmente era necessário promover a disciplinarização das massas e da figura típica à qual o samba estava associado: o malandro. A figura do malandro, associada ao ócio e à boemia ia de encontro com o projeto do Estado, de difundir o ideal do trabalho como caminho para o desenvolvimento. Num esforço considerável, a malandragem começou a ser combatida e o malandro, redimido. Os sambas passaram a tratar de temas relacionados ás qualidades do Brasil e de seu povo. O malandro ainda existia, mas seu espaço passou a ser delimitado. Passava-se a mensagem de que a malandragem não compensava e de que apenas pelo trabalho o homem encontraria sua realização. “O DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda – ocupou-se em cooptar os sambistas, compositores, críticos, colunistas; “organizou” e regulamentou o carnaval, instituindo as regras de desfile das escolas de samba, os prêmios às melhores músicas, os concursos etc...” [3]

 

Por ser um projeto nacional, é natural Minas, e Leopoldina em especial, tenha sido afetada pela normartização do carnaval. Analisando as reportagens veiculadas na Gazeta de Leopoldina, nas primeiras décadas do século XX, é possível verificar as mudanças que ocorreram com a festa mais tradicional do Brasil. No caso, coletamos trechos publicados em 1938, no primeiro carnaval de Leopoldina durante a ditadura do Estado Novo.

 

É possível perceber que, durante o governo autoritário, um esvaziamento do espaço público, tradicionalmente ocupado pela população durante os festejos carnavalescos. O carnaval de 1938 foi marcado pelos grandes bailes. Ao contrário do que ocorria na década de 1920, não se dá destaque ao carnaval de rua, mas ao carnaval de clube. Os blocos carnavalescos ainda estão presentes. Segundo a Gazeta de Leopoldina dez blocos e cordões sairiam naquele carnaval, mas o destaque estava para os blocos ligados aos principais clubes. O carnaval se tornava uma festa a quatro paredes.

 

Os bailes se concentravam no Clube Leopoldina, apresentado como clube da elite leopoldinense; no Alvorada, cujos bailes aconteciam no Cine Teatro Alencar, no Industrial e no Cotubas. É possível notar que ocorre uma clara delimitação dos espaços sociais, o que não é necessariamente uma novidade. A elite se concentra no Clube Leopoldina, a classe média ou intermediária freqüenta os bailes do Aurora, no Cine Teatro Alencar; o Cotubas, tradicionalmente, recebe a população mias simples da periferia e, também, grupos pertencentes à classe média baixa. Há referência vaga ao “Do Morro”, quem não temos certeza se era um clube ou referência a um espaço urbano. A novidade é o Industrial, voltado para o operariado urbano, um grupo que ganhou destaque já no início da era Vargas, em 1930, mas que até então não vinha sendo citado nas notícias sobre carnaval, pelo menos não de forma específica.

 

Realizar-se-á hoje, ás 21 horas, nos amplos salões do Clube Leopoldina, um baile à fantasia, abrilhantado pelo conjunto musical “Elite Jazz”.

 

A sua diretoria resolver dar, por ocasião dos folguedos de Momo, o Imperador da Alegria, três grandes bailes, os quais irão dar maior brilho aos festejos comemorativos da passagem do Carnaval em nossa cidade.

 

Vemos nisso o formidável esforço de sua diretoria, para que o Clube Leopoldina, o patrimônio da cidade, continue com suas portas abertas, mantendo o que em muito boa hora, um pugilo de homens progressistas de nossa terra edificou.[4]

 

O carnaval se apresenta como um momento de igualdade, de fraternidade entre as diversas etnias e grupos sociais. “Em todo e qualquer ponto da cidade haverá lugar para a explosão se sua alegria, que é vida, que canta, que estala e que há de contaminar toda a nossa gente, desde o coronel ao doutor, dedes o velho ao jovem, desde o preto ao branco.”[5]

 

Dos dez blocos aos quais se referiu vagamente a Gazeta de Leopoldina, identificamos:  “Quer mais não pode”, “Boi verde”, “Palhaços”, “Xadrez”, “Cadeia pra quem quer” e Carijós. Com exceção do bloco “Palhaços”, o restante está relacionado ao clube Cotubas ou ao “Do Morro”. Curiosamente não há referências aos blocos femininos, como se eles na fizessem mais parte dos festejos locais.

 

Uma das poucas referências que se faz ao carnaval de rua é a “Batalha de Confete”, organizada pelo Industrial clube, no entroncamento entre a rua barão de Cotegipe e a Tiradentes. Repare na organização do evento e no controle do espaço. O controle do espaço transforma uma festa popular numa manifestação normatizada.

 

A cidade teve, no domingo passado, uma grande e formidável batalha de confete, organizada pelo Industrial-Clube. O ponto designado para a batalha foi o entroncamento entre a rua Cotegipe  coma Tiradentes, que foi pequeno para comportar a grande multidão, que interrompeu por algumas horas o transito daquela via.

 

Em um palanque, armado naquele local, o conjunto Independência Jazz, fez, não só vibrar o entusiasmo, os componentes da batalha, como a grande mole humana, que ali se encontrava e que presenciou a mais animada batalha destes últimos tempos.[6]

 

Entre o conjuntos musicais que animavam os bailes de carnaval estavam o Independência Jazz e a Elite Jazz, ambas surgidas na década de 1930 e formada por músicos da banda local, a Banda de Música Santa Cecília.

O Elite Jazz se apresentava nos bailes do Clube Leopoldina, frequentado pela elite da cidade, talvez venha daí seu nome, era um conjunto musical bem estruturado, com diretoria organizada e, portanto, com maior poder econômico.[7]

 

O Elite Jazz se apresentava nos bailes dos clubes Cotubas e Prazer das Morenas, freqüentando pela classe média baixa.[8]

 

Segundo Albino Montes, havia uma grande rivalidade entre as duas bandas, que viviam sempre disputando espaço na cidade. O Elite Jazz chegava, inclusive, a contratar músicos de outras localidades para concorrer com o Independência Jazz. Os dois conjuntos animavam o carnaval da cidade e eram eles, também, que condiziam os bailes que ocorriam durante o ano.

 

A marchinha comentada naquele ano foi Olá, Seu Nicolau:

Olá, Seu Nicolau

Olá, seu Nicolau, você quer mingau ?
Quer, quer, quer,
Maria vai trazer na colher de pau,
Pau, pau, pau,
Você, seu Nicolau, é um velho mau,
Mau, mau, mau,
Com seu Nicolau, é no berimbau !

Fez a mulher, engolir um tostão,
Para ver se fazia nascer um milhão !
Seu Nicolau, fazer força não quer,
Onde é bom ele ir,
Ele manda a mulher.[9]




[1] CARVALHO, Márcio Mendes. O Estado Novo e o samba malandro vigiado em Porto Alegre: Um estudo sobre as ações intervencionistas estatais e as formas de resistência do personagem malandro nos anos 30. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho de Conclusão do Curso de História. Porto Alegre, 2009, p.04.

[2] NOVAES, José. Um episódio de produção de subjetividade no Brasil de 1930:

Malandragem e Estado Novo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 1, p. 39-44, jan./jun. 2001, p. 40.

[3] Idem, p. 42.
[4] Clube Leopoldina.Gazeta de Leopoldina. Leopoldina, 20 de fevereiro de 1938, p. 02.
[5] Pleno Carnaval. Gazeta de Leopoldina. Leopoldina, 27 de fevereiro de 1938, p. 02.
[6] Batalha de Confete.  Gazeta de Leopoldina. Leopoldina, 12 de janeiro de 1938, p. 01.
[7] MONTES, ALBINO. Leopoldina, sua gente, sua música. Belo Horizonte, 2003, p. 29.
[8] Idem, p. 30.
[9] Olá. Seu Nicolau. Disponível em http://letras.terra.com.br/marchinhas-de-carnaval/1941228/, acesso em 20/02/2012.

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