Pelo resumo da série eu já sabia
que se tratava de um drama policial, mas, então, já no segundo episódio, caiu a
ficha: é uma distopia. Para quem não sabe, a distopia é um tipo de ficção que
retrata cenário caóticos ou apocalípticos, nos quais a comunidade vive um
regime de violência ou opressão. As pessoas às vezes relacionam cenários
distópicos a obras de fantasia ou ficção científica, mas não é necessariamente
assim. Em "Gatilho" temos uma distopia que remete a um
"SE". O que aconteceria se... a população da Coreia do Sul tivesse
acesso às armas de fogo?
No drama, as armas de fogo são
distribuídas gratuitamente por uma organização criminosa internacional,
explorando principalmente pessoas com traumas, transtornos mentais e com
tendências violentas. Nas mãos destas pessoas verdadeiros massacres acontecem,
uma vez que elas passam a recorrer à violência quando levadas ao limite. É o
gatilho, induzido por uma situação traumática ou vexatória que leva uma pessoa
comum como uma dona de casa, um estudante ou uma enfermeira a matar outas
pessoas.
Na Coreia do Sul existe uma
política rígida sobre o porte de armas. Elas praticamente são de uso policial e
militar e para prática de esportes (mas mesmo assim sob rígido controle da
polícia).
“A Coreia do Sul tem
políticas rigorosas de armas. Licenças de caça e esportivas são emitidas, mas
qualquer arma de fogo usada nessas circunstâncias deve ser armazenada em uma
delegacia de polícia local. Os rifles de ar também precisam ser armazenados nas
delegacias de polícia; bestas e dispositivos de choque elétrico também
são classificados como armas de fogo, mas sua retenção privada é
permitida. Tasers são proibidos, e possuir uma arma de brinquedo sem
uma ponta laranja é estritamente proibida. A violação da lei de armas de fogo
pode resultar em multa de US$ 18.000 e até 10 anos de prisão”[1]
Por isso, quem já assistiu um
drama sul coreano deve ter percebido que os bandidos usam facas, até espadas,
mas não portam armas. Inclusive, a Coreia do Sul está implementando o uso
de armas menos letais pela polícia, como taser e pistolas de baixo risco, para
situações de menor potencial de violência. Inclusive o protagonista, um
policial que foi x-sniper do exército coreano não usa armas de fogo,
apenas armas não letais.
E este é uma das questões
levantadas pelo k-drama: se é ou não necessário usar armas de fogo para
combater o crime. O protagonista Yi-do (Kim Nam-gil) acha que não,
embora, por força das circunstâncias, seja obrigada novamente a usar uma arma.
No entanto, ao longo de toda a trama ele se coloca muito mais na posição de
quem protege a vida do que a tira. O uso de armas de fogo por civis também
é outra questão. São usados argumentos clássicos em sua defesa, tal como “se eu
tiver uma arma posso me defender”, ou “se eu tiver uma arma não serei uma vítima”,
assim como tantos outros argumentos usados pelos defensores do porte livre de
armas.
A série é realmente muito interessante. Não vou escrever mais sobre ela para não dar spoilers. Apesar de pensada dentro da realidade sul-coreana, acho que Trigger tem muito a ensinar e nos fazer refletir sobre a violência e o que nos torna violentos. É bom lembrar que nos últimos anos têm crescido o discurso de ódio em todo o mundo, em parte alimento justamente pela insatisfação, o medo e ansiedade crescente na sociedade contemporânea. Além da trama, muito bem montada, outro ponto forte da série é o elenco. Dos protagonistas ao elenco de apoio, todos dão um show de interpretação. Recomendo para quem gosta do gênero.
[1] Legislação
sobre armas de fogo. Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Legisla%C3%A7%C3%A3o_sobre_armas_de_fogo#:~:text=A%20Coreia%20do%20Sul%20tem,uma%20delegacia%20de%20pol%C3%ADcia%20local.>.
Acesso em 2 ago. 2025.