Além disso, eles estão me introduzido
na História do Oriente, área na qual eu nunca havia me envolvido nestes meus 28 anos de
formada. Aliás, um dos meus projetos para depois do doutorado é justamente
escrever um pequeno e-book falando sobre temas históricos do oriente a partir
das produções coreanas e chinesas para televisão. Já estou até selecionando
minhas fontes, "Goo Hae-Ryung, Historiadora", certamente será uma delas.
Mas o que este
k-drama tem de tão especial para que eu o tenha incluído nos meus projetos
futuros?
Eu poderia citar inúmeros pontos e, entre eles o próprio didatismo
de “Goo Hae-Ryung, a Historiadora”, que aborda uma variedade enorme de assuntos que, certamente,
serão temas de algumas das minhas aulas. Mas, de tudo que ele pode oferecer
duas coisas me chamaram a atenção. Primeiramente, o protagonismo feminino, em segundo
lugar a forma com o papel social do historiador é apresentado pelo dorama.
Possivelmente eu darei alguns spoilers,
vai ser inevitável, mas nada que atrapalhe quem quiser conferir depois este
drama na Netflix.
Historiadoras aprendizes do Escritório de Decretos Reais. |
Vamos começar
falando das protagonistas. Neste K-drama as mulheres roubam a cena o tempo
todo. Tanto a protagonista, quanto as personagens do elenco de apoio. É um
dorama bem no estilo girl power e com
uma grande vantagem: com pouquíssimos clichês. Não espere mocinhas frágeis e
heróis viris. Aqui as mulheres tomam a iniciativa no amor e são elas que salvam
o príncipe indefeso.
Goo Hae-Ryung |
Mas estamos no
início do século XIX, na Dinastia Joseon (1392–1897), na Coreia. Tanto do ponto de vista social e cultural e
moral, uma mulher só encontraria realização se fosse esposa e mãe. Goo
Hae-Ryung está numa situação difícil porque se ela não aceitar o marido que o
irmão escolheu, o chefe da vila na qual ela morava iria casá-la com alguém
aleatoriamente. Afinal, uma mulher não pode ficar sem um homem sem perder sua
moral. Tal pensamento não foi exclusivo de países do extremo oriente e, ainda
hoje, é defendido em muitas regiões do mundo.
A protagonista
consegue evitar seu destino predeterminado pela sociedade e se torna
funcionária pública. Neste ponto, a narrativa se constrói no passado, mas com
elementos do presente. O discurso acerca da liberação feminina encontra
facilmente eco nos dias atuais, assim como as dificuldades que as quatro jovens
historiadoras enfrentam para conquistar seu espaço dentro da instituição
governamental na qual, até então, as únicas mulheres eram as criadas.
Uma pausa aqui para
elogiar o talento de Shin Se-kyung, a atriz que
interpreta Goo Hae-Ryung.
Voltando à questão
do casamento, as colegas historiadoras de Goo Hae-Ryung compartilham com ela,
em maior ou menor escala, o desejo pela independência e, também, não veem no
casamento a única alternativa para uma mulher.
Song Sa-hee |
São mulheres que não
querem casar apenas para cumprir exigência social e que não se rendem à ilusão do
amor romântico. Elas querem amar, querem ser amadas, mas não vão abrir mão da
sua liberdade por conta disso. Goo Hae-Ryung, por exemplo, é muito pragmática. Em certo
momento ela recebe a proposta de fugir e deixar tudo para atrás para se realizar
no amor. A resposta dela: Eu? Fugir e perder tudo que eu conquistei com o meu
esforço e apostar numa paixão que eu sei lá se vai ter futuro? É ruim! Não
foram exatamente estas palavras, mas este é o sentido delas.
O interessante do
grupo formado pelas quatro historiadoras é o fato de que elas possuem origens
sociais diferentes, mas compartilham o mesmo destino por serem mulheres.
Destaque para fato que a mulher oriunda de família rica se coloca como a mais
oprimida, uma vez que sua família a vê como um instrumento para conquistar ou
conservar o poder e status a partir de matrimônios
arranjados.
Oh Eun-im (interpretada por Lee Ye-rim) e Heo Ah-ran
(interpretada por Jang Yoo-bin).
|
Outra coisa que me
encantou neste dorama é a forma como são apresentados os historiadores. Eu
poderia dizer que eles e elas são os protagonistas da história. No contexto no
qual a narrativa se desenvolve, início do século XX, os historiadores
representam um corpo de funcionários públicos com um status elevado na corte: são eles os responsáveis por registrar nos
sachaek (caderno que os historiadores
carregavam) tudo que era dito em reuniões oficiais,
públicas ou particulares.
Das reuniões oficiais com o rei e o príncipe
herdeiro, à rotina cotidiana de membros da corte, como a rainha-mãe, a princesa
herdeira, o jovem príncipe, etc, tudo era registrado e arquivado, sendo
proibido o acesso a esta documentação quem não fosse historiador. O próprio rei
não tinha direito a ler o conteúdo dos sachaek.
O que me seduziu
mesmo neste dorama foi a forma como a história foi, o tempo todo, representada: ela é a chave para o futuro da nação. Os historiadores se
apresentam como detentores de uma ética inabalável, que deve ser mantida a todo
custo e defendem o documento de qualquer tipo de interferência externa. No
momento, por exemplo, em que o rei tenta passar em cima lei e interferir no
escritório de registros históricos, eles resistem. O poder do rei não se
rivaliza ao da história.
Uma passagem, que
vou resumir agora, mostra o chefe dos historiadores rebatendo um dos colegas
que diz algo do tipo: se o rei quer ler, então deixa ler. Ele retruca dizendo
algo assim: A gente deixa o rei ler hoje, ele pede para ler amanhã, depois eu
começa a sugerir algumas mudanças e, no fim, nós não sermos mais do que
marionetes nas mãos dele. Ainda completa que, as leis que protegem os registros
e os historiadores foram conquistas depois de séculos de luta. Se eles
cedessem, teriam que recomeçar do zero.
A história é
colocada como portadora da verdade. Que verdade? Os registros detalhados feitos
pelos historiadores e que, depois, seriam usados para escrever os compêndios
nos quais era seria sintetizada. O historiador não poderia julgar, seriam as
futuras gerações que o fariam. Ele não poderia interferir nem ter opinião, como
uma sentinela silenciosa, ele apenas registra.
Uma visão positivista mas é século XIX, então é compreensível. Não que isso não seja questionado no decorrer da trama, afinal, a narrativa dialoga o tempo todo com o presente. Não achei fontes para embasar ou confirmar este poder dos historiadores durante a Dinastia Joseon, mas confirmei que, de fato, eles existiram e trabalharam junto aos órgãos do governo, por séculos.
Uma visão positivista mas é século XIX, então é compreensível. Não que isso não seja questionado no decorrer da trama, afinal, a narrativa dialoga o tempo todo com o presente. Não achei fontes para embasar ou confirmar este poder dos historiadores durante a Dinastia Joseon, mas confirmei que, de fato, eles existiram e trabalharam junto aos órgãos do governo, por séculos.
Eu realmente poderia
escrever muitas páginas sobre esta série, mas vou encerrar a postagem
reforçando minha recomendação. Assista “Goo Hae-Ryung, a Historiadora”. É uma história
bonita, com personagens marcantes, é leve e, ao mesmo tempo, muito profunda. Você vai rir, vai se emocionar e vai
ter contato com conhecimentos que podem fazer diferença na sua formação
escolar, social e política. Fora isso é muito divertido, com uma trilha sonora linda, uma fotografia fabulosa, ótima opção para os dias de isolamento. São 20 episódios de cerca de 70 min cada.
14 comentários:
Parabéns pela excelente resenha !! Eu assisti esta deliciosa série , e você soube traduzir de forma muita clara, toda a riqueza de informações históricas que há nela. um grande abraço, Denise G. porto
Queria saber mais sobre estes historiadores. Procurei no Google e nada...
Para encontrar alguma coisa, só pesquisando em inglês. É difícil achar. Talvez porque seja algo muito específico da história da Coreia.
Eu maratona esse drama de ontem pra hoje, é simplesmente maravilhoso. Gostei de tudo, principalmente do grupo de historiadores. Uma inspiração!!
E de bônus ainda tem aquele príncipe! Hehehe. Também adorei os historiadores.
Gostei muito da série, ultimamente tenho assistido muitas séries coreanas. Graças ao Netflix. Nunca parei pra pensar nessa função Historiador e a forma e a importância desse trabalho. Tudo que você falou é realmente o que percebi. Parabéns pela sua narrativa e observações. Fiquei encantadata com tudo: tema abordado, fotografia, vestuário, as casas, mobílias, cultura, valores, o respeito a submissão, etc..
Estou assistindo. É uma série empolgante. Também tenho prestado atenção aos elementos culturais, sociais e aprendendo sobre a cultura coreana. Também gostei da situação cronológica.
Que maravilha ver seu comentário sobre esta serie!!! Acabei de assistir e estou encantada com o que vi e que é confirmado pelo seu texto. O mais interessante é que vi que você é de Leopoldina e acho que nos conhecemos. Sou de Laranjal e você se parece muito e tem o mesmo nome, da filha de um amigo do meu pai.
Olha que legal! Meu irmão mora em Laranjal e meu pai tem muitos amigos aí :-)
Então é você mesma, sou Bel, filha do Tora, amigo do seu pai. Mundo pequeno...rssss
Perfeito esse dorama
Não conseguia parar de ver. Gostei muito e seu resumo está maravilhoso.
Eu terminei de assistir ontem, se tornou uma das minhas séries preferidas, e eu amei tua resenha.
Eu consifero que a Hae Rierumg foi a grande heroína. Ela praticamente mudou o destino da Nação. Corajosa, discreta e atrevida, conseguiu mudar a historia de corrupção e abusos do Rei. Amei o Dorama e a historia da Coreia. Só qu o cemario patece da Coreia do norte. Fala de PiongYang, cPital da Coreia do norte.
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