Eu terminei de ler hoje o mangá "O último voo das Borboletas", de Kan Takahan, mangaká premiada, que debutou em 2001. Em 2020, a autora venceu o 24º Prêmio Cultural Osamu Tezuka. Sua obra aborda temas cotidianos, o que me agrada muito, e tem influência franco-belga. Não conhecia a autora, até porque eu não sou leitura regular de mangá (e pode até ter sido que eu tenha lido algo antes, mas não me recordo), mas gostei muito dessa HQ. A narrativa, a arte, a preocupação com a pesquisa na construção dos cenários e dos personagens são alguns dos seus pontos fortes.
Cho-no-Michiyuki
ou "Voo das borboletas" é uma referência a obra do teatro kubuki,
de 1784, de Gohei Namiki. Trata-se de um mangá histórico, ficcional, que
se passa no Japão do século XIX. A protagonista é Kichou, uma cortesã de luxo,
que trabalhava no bordel Kagetsu-rou da Casa Hiketa-ya, um
estabelecimento muito famoso no Japão, com quase 400 anos, hoje conhecido como Restaurante
Histórico Kagetsu. Nele, as gueixas - mulheres que se dedicavam às artes e ao entretenimento,
dividiam espaço com as yuujo, como eram chamadas de mulher de diversão, que
prestavam favores sexuais.
Kichou era uma taju,
uma cortesã que tinha habilidades de uma gueixa, beleza esmerada e
inteligência, e por isso estava no topo da hierarquia dentro do bordel. Seus
clientes eram selecionados e pagavam muito mais um valor mais elevado, sendo
que ela poderia, inclusive, se recusar a atender uma pessoa, caso não
desejasse.
Uma menina se
tornava yuujo quando era enviada ainda bem jovem para o bordel, geralmente
vendida pela família, que não tinha condições de alimentar a prole. Essa é a
história de Kichou, vendida pelo pai ainda menina. Essas mulheres desenvolviam
uma dívida com o estabelecimento que poderia ser paga com o passar do tempo,
com seu trabalho, ou por algum amante que desejava torna-la esposa.
É uma história muito
interessante e sensível, que fala sobre a vida das mulheres nos bordeis, de
doenças como a sífilis, de como o estigma da prostituição as marcava, mesmo
quando conseguiam conquistar sua liberdade e estabelecer uma família. Não é um
mangá que vai trazer a violência contra as mulheres, mas o modo como elas
viviam e conviviam como a realidade social e cultural de um Japão que estava se
às portas da Era Meiji.
Embora o local, bordel
Kagetsu-rou, seja real, tendo até inspirado outras histórias, os personagens são ficcionais, com exceção
de um, o doutor Toon, um médico ocidental – Anthonius Franciscus Bauduin – que
realmente existiu e que foi apropriado pela autora, embora sua inserção na obra
seja toda ficcional.
Recomendo a leitura, principalmente porque é também uma experiência de aprendizado. A autora teve a preocupação de escrever um prefácio, esclarecendo pontos e contado um pouco sobre o processo de criação do mangá e ainda disponibilizou um glossário, que traz informações tanto sobre termos usados, quando sobre a história e a cultura do Japão do século XIX, durante o Era Edo.